Resumo
O presente
trabalho estuda o urbanismo moderno como ciência, arte e técnica de organização
do espaço urbano, privilegiando o pedestre e, para tanto, focaliza as calçadas,
a ocupação do espaço público pelo particular e também analisa a perturbação do
sossego pela poluição sonora. Propõe, por fim, a eleição de metas prioritárias ao
Ministério Público, à Defensoria Pública e outras entidades legitimadas.
Palavras-chave
Urbanismo. Meio
ambiente. Direitos fundamentais. Espaço do pedestre. Ocupação do espaço
público. Poluição sonora. Ministério Público. Defensoria Pública.
Sumário
1 Considerações
preliminares. 2 Conceito de urbanismo. 3 Calçada: espaço urbano do pedestre. 4
Novo paradigma da responsabilidade civil por atropelamento. 5 Cessão indevida
de bem de uso comum do povo. 6 Conceito amplo de meio ambiente e a perturbação
do sossego público. 7 Legitimação especialmente do Ministério Público, ainda da
Defensoria Pública e outras entidades.
1 Considerações preliminares
Os últimos anos do século XIX foram
pautados pela libertação da escravidão e superveniente processo imigratório europeu,
acrescidos da migração do campo para a cidade motivada pela industrialização,
fatos que descortinaram uma nova realidade brasileira.
Em um primeiro momento, a sensação era
de prosperidade, contudo as cidades não estavam aparelhadas na sua estrutura
física, tampouco com planejamento para recepcionar os novos citadinos, causando
graves problemas habitacionais e de saneamento básico.
Mesmo sem vencer essas dificuldades, o processo migratório campo-cidade
continuou em ritmo acelerado, e hoje cerca de 80% da população brasileira vivem
na zona urbana.
Daí esta reflexão sobre a cidade, no
seu especial aspecto jurídico-ambiental, para que se preserve o espaço urbano
como destinado à realização do homem que nele vive, trabalha, circula, consome,
desfruta do lazer, busca a felicidade, enfim procura realizar os seus sonhos e
ideais, até mesmo os utópicos.
Cidade e cidadania têm a mesma raiz, portanto a cidade é construída para
uma cidadania, para o cidadão,[1]
afastada a concepção pessimista de Eça de Queiros, em “A Cidade e as Serras”,
quando afirma que os sentimentos mais genuinamente humanos logo na cidade se
desumanizam. É dizer, o urbanismo ganha relevo porquanto trata de direitos fundamentais.
Temas tão importantes como o aspecto
geográfico e sua gestão territorial não podem ficar à mercê das instituições
representativas, devem extrapolar, abrirem-se à participação popular de modo
efetivo, garantindo as disposições legais inclusive sobre o meio ambiente.
Os eleitos, que passam a ocupar os
poderes constituídos, não são a única fonte de sabedoria da qual as políticas
públicas podem ser concebidas a partir de suas visões e crenças. Administrações
concentradoras são espectros do passado, que o urbanismo atual demonstra
ultrapassadas e de muito pouca eficiência, seja no aspecto de propiciar
conforto e segurança ao cidadão, seja na sua própria arquitetura pouco atraente,
mormente pelo improviso e falta de debate para um estudo mais consentâneo de
preservação das belezas naturais, culturais e artificiais. Bem compendia esta
assertiva a lapidar frase do mais citado constitucionalista da atualidade, o
lusitano Canotilho: “o poder administrativo é popular e não do trono,” o que
encontra suporte no art. 2º, inc. II, do Estatuto da Cidade.
2 Conceito de urbanismo
No passado não distante, o urbanismo resumia-se na arte de embelezar a
cidade, embellir la ville na
expressão dos precursores da decantada escola francesa. Sem a perda desse fim,
passou a ser entendido também como ordenador das funções chaves da vida urbana,
almejando promover o bem-estar para o maior número de pessoas.
Hely Lopes Meirelles, referenciando o
engenheiro Antônio Bezerra Baltar, professor emérito da Universidade Federal de
Pernambuco, ensina:
Em suma, o
que entendemos hoje por urbanismo é uma ciência, uma técnica e uma arte ao
mesmo tempo, cujo objetivo é a organização do espaço urbano visando o bem-estar
coletivo – através de uma legislação, de um planejamento e da execução de obras
públicas que permitam o desempenho harmônico e progressivo das funções urbanas
e elementares: habitação, trabalho,
recreação do corpo e do espírito, circulação
no espaço urbano, Uma ciência capaz de definir esse objetivo, uma técnica e
uma arte capazes de realizá-lo. Uma disciplina de síntese.[2]
Na lição da doutrina inglesa, o
urbanismo dialoga direta e imediatamente com o meio ambiente, pois é da sua
essência o desenvolvimento unificado dos recursos de uma nação ou de uma
região, visando estabelecer a unidade fundamental entre a natureza e o homem – unity of nature and mankind.[3]
De efeito, o conceito legal de meio ambiente permite que a doutrina construa
um enfoque, que embora tridimensional em natural, cultural e artificial, é de caráter
unitário ou sistêmico. Se o meio ambiente natural é integrado pelo solo e água,
pela flora e fauna, além do ar atmosférico; se o meio ambiente cultural
compreende as referências ou valores incomuns ligados à história e à tradição, ao
patrimônio arqueológico e artístico; é o meio ambiente artificial, também rotulado
de construído, o que mais se aproxima do urbanismo, pois os núcleos urbanos e a
sua expansão dimanam das intervenções humanas na natureza em estado puro.
Entra em cena o citadino, o homem
das metrópoles, das cidades grandes, médias e pequenas, com os benefícios da
vida urbana e também com as suas agruras.
Neste trabalho interessa o espaço urbano, no que concerne a sua
circulação e ocupação, matéria que tem merecido a meditação dos mais modernos
urbanistas, ligados não apenas nas Ciências Humanas, onde está o Direito, como
ainda nas Ciências Sociais que muito podem contribuir com esse mesmo Direito.
A
atualidade é timbrada pela civilização do automóvel que, vorazmente, assenhoreou-se
do espaço urbano. Ruas e avenidas, viadutos e passagens de nível, dentre outras
obras, são projetados com esmero, tomando os passeios públicos e as praças. O
traçado urbano privilegia o trânsito de veículos; o pedestre queda olvidado.
Os fotógrafos amadores Ronaldo
Pereira da Silva e Anderson Patric Joaquim cultivam o hobby de fotografar calçadas nos diferentes bairros da cidade de
São Paulo. Procuram revelar a alma de uma cidade por meio das suas calçadas. E advertem:
“a calçada é algo tão corriqueiro, passando por nossos olhos todos os dias, que
nem vemos como elas são o retrato de uma comunidade.” Estes dois abnegados
estudiosos do urbanismo sentiram isso literalmente na pele, um deles tropeçou
no buraco de uma calçada e estatelou-se no chão, conta Gilberto Dimenstein em artigo
inserido na Folha de São Paulo, edição de 16 de abril de 1998: “a dupla buscava
os contrastes documentando as calçadas da periferia onde um deles tomou o tombo
– e as de ruas como a Oscar Freire. Lá elas são todas niveladas, bem cuidadas,
limpas, há lugar para sentar e conversar, respeito aos portadores de
deficiência. Em outros lugares, simplesmente não há calçadas, o que os obriga a
caminhar pela rua, em meio aos automóveis.”
O mesmo jornal estampa reportagem
publicada em 29 de julho de 2010, quando enaltece a Prefeitura Municipal de São
Paulo pela reforma dos passeios públicos, foram feitos 30 quilômetros
naquele ano e outros 40
quilômetros no ano anterior. Se pouco, considerando que
a capital tem perto de 35 mil quilômetros de calçadas, não escapa, porém, à
argúcia do observador atento.
Todavia, em 2 de fevereiro de 2011, destaca
em manchete: “Feiras invadem calçadas”. No corpo da reportagem enfatiza: “Outra
irregularidade é a invasão de calçadas. Pela lei, as barracas devem funcionar
de preferência na faixa onde passam os carros, é preciso liberar espaço mínimo
de centímetros para pedestres. Na feira do Jardim Paulista, um restaurante diz
ter queda no movimento porque a calçada em frente tem a passagem broqueada. Na
Bela Vista, a rua Maria José tinha um lado inteiro da calçada obstruído pelos
caixotes.”
O malfazejo exemplo oficial faz
escola nas obras realizadas por seus parceiros. É a letra do exemplar de 6 de setembro
de 2013 da Folha de São Paulo: “As irregularidades nas calçadas de São Paulo
estão ganhando reforço com a instalação dos novos relógios de rua espalhados
por toda cidade. Em vários trechos, o consórcio responsável pelos equipamentos
tem deixado buracos abertos no passeio. A reportagem flagrou a situação em
locais como Radial Leste, Amaral Gurgel, Leme e Rebouças. Em nenhum desses
casos havia qualquer tipo de sinalização que indicasse o defeito. Remendos
realizados fora dos padrões da calçada original, o que podem causar quedas e
desequilíbrio em pedestres, foram encontrados na Nove de Julho e na
Consolação.”
Esse jornal no Caderno Ribeirão, de
12 de outubro de 2013, denuncia: “Caçambas para recolhimento de entulhos da
construção civil colocadas em calçadas de Ribeirão Preto estão impedindo a
passagem de pedestres, principalmente na área central. Ontem, a reportagem da
Folha percorreu algumas ruas do centro e encontrou 20 pontos onde as caçambas
limitam a passagem de pedestres. Em algumas delas, as pessoas são impedidas de
passar e obrigadas a disputar espaço com os carros na rua.”
A revista Revide, de 19 de setembro
de 2014, trouxe oportuna reportagem sobre a realidade dessa mesma cidade
interiorana, onde ela é editada: “O deficiente visual Fábio Deodato Santos,
Presidente do Conselho Municipal de Promoção e Integração das Pessoas
Portadoras de Deficiência, aponta que as condições das calçadas são as maiores
reclamações na entidade”. E o arquiteto e urbanista da Prefeitura de Ribeirão
Preto, José Antônio Lanchoti, ao abordar as calçadas declara: “o problema se
agrava na medida em que os proprietários de imóveis escolhem materiais sem
levar em consideração o que acontece no imóvel ao lado”, completando: “essa
preocupação objetiva evitar que não se tenha mais os indesejados degraus entre
lotes”.
Acrescenta-se ao desleixo e ocupação
indevida das calçadas outra grave ocorrência. As posturas municipais têm
disposição expressa a respeito, no entanto as prefeituras teimam em não
fiscalizar. Emitem o alvará de habite-se dos prédios sem a cautela de
fiscalizar os passeios públicos fronteiriços. Cada vez mais as calçadas são
rampas de acessos às garagens das casas de morada e aos postos de combustíveis
que ponteiam o espaço urbano, muitas vezes com revestimento feito de material
inadequado, porquanto escorregadio. O pedestre é desrespeitado no seu elementar
direito constitucional de ir e vir com o mínimo de conforto.
As ruas e avenidas merecem
recapeamento periódico. Bastam buracos para provocar merecida denúncia da desídia
administrativa. É a civilização da máquina. Por paradoxal, não se pensa com a
mesma preocupação na pessoa enquanto pedestre. Ou será que a máquina não está a
serviço da pessoa?
É bem o contrário da pregação de
Luiz Anhaia Mello que, muitas décadas atrás do alto de sua cátedra, lecionava o
imperativo de o urbanismo preservar, impor e exigir a precedência de valores
humanos e espirituais em face dos mecanismos e imobiliários.[4]
Alexandros Washburn, diretor de
desenho urbano da Prefeitura de Nova York, sentencia: “Os carros estão em
primeiro lugar há 50 anos. Agora é a vez do pedestre. É questão de equilíbrio,
não de eliminação.” E conclui: “Em minha perspectiva, o pedestre é o mais
importante. Caminhar é a atividade mais importante da cidade [...]. Quando você
toma a decisão de colocar o pedestre em primeiro lugar, você adota um ponto de
vista. Você vê os problemas através dos olhos de um cidadão caminhando.” É a
oportuna entrevista publicada pela Folha de São Paulo, em 29 de agosto de 2011.
Mais recentemente, na data de 28 de
julho de 2013, o caderno Ilustríssima desse periódico estampou reveladora
coluna sobre o urbanismo, com o título: “A marca humana: o arquiteto que quer
ver a cidade a pé.” São ponderações do dinamarquês Jan Gehl, professor emérito
de desenho urbano na Escola de Arquitetura de Copenhague, que da mesma forma
pretende a prevalência do pedestre, chegando a afirmar: “você consegue pensar
em algo menos inteligente do que o uso obsessivo do carro? É muito custoso,
ocupa demasiado espaço, polui e é causa de muitos acidentes.” Expõe exemplos de
cidades européias que tem reservado lugares cada vez mais atraentes para o
pedestre, além de propugnar pela eficiência do transporte coletivo e do uso de
bicicletas com vias que lhes são exclusivas, as denominadas ciclovias.
O Instituto de Ortopedia e
Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo atesta que no atendimento
de quedas das pessoas cerca de 18% são vitimadas em calçada, e que em caso de
internação a despesa orça em R$ 40.000,00 por pessoa. Na verdade, a maioria de
fraturas do maléolo, osso do tornozelo, encontra origem em acidentes no passeio
público.[6]
A Deputada Federal Mara Gaprilli,
relatora do Estatuto do Deficiente, dedicará um capítulo para disciplinar a
construção e conservação de calçada, modificando disposições do Estatuto das
Cidades, discussão que certamente o Ministério Público vem acompanhando ante o
interesse público predominante.
Essa
grave deficiência do urbanismo é histórica. Que fale José de Alencar no
distante 1854: “Contudo, parece-me que o estado vergonhoso do nosso Passeio
Público não é unicamente devido à falta de zelo por parte do governo, mas
também aos nossos usos e costumes, e especialmente a uns certos hábitos
caseiros e preguiçosos, que têm a força de fechar-nos em casa dia e noite”. Depois
de criticar que “macaqueamos dos franceses tudo quanto eles têm de mau, de
ridículo e de grotesco”, propõe que “nos lembramos de imitar uma das melhores
coisas que eles têm: a flênerie, que
é o passeio ao ar livre, lento e vagaroso, contemplando o ambiente ao redor, a
beleza natural e artística. E prossegue o escritor entusiasta do progresso e
que viveu importante transformação da cidade do Rio de Janeiro: “Não falando do
Passeio Público, que me parece injustamente voltado ao abandono...”, para
concluir: “A boa sociedade não precisa passear, tem à sua disposição muitos
divertimentos, e não deve por conseguinte invejar esse mesquinho passatempo do
caixeiro e do estudante. O passeio é distração do pobre, que não tem saraus e
reuniões.[7]
Aqui está a solução. As autoridades
que tanto cuidam das ruas por onde passam com seus veículos, deveriam ser
obrigadas, por lei, a praticar a flênerie,
para sentir as agruras do caminhante, maior parcela do povo, nas calçadas ainda
“em estado vergonhoso”.
4 Novo paradigma da responsabilidade civil por atropelamento
Os
pais de um adolescente ingressaram com ação contra o motorista de uma
caminhonete e o Município de Franca, uma vez que em uma avenida marginal daquela
cidade do interior paulista, com população aproximada de 310.000 habitantes, o
seu filho foi atropelado e morto.
Trata-se de via pública então recém-aberta
ao tráfego coberta com capa asfáltica, desprovida de calçada e com deficiente
iluminação pública, além de poucas placas de trânsito, sendo que o lastimável
acidente ocorreu no breu noturno. Nos autos apenas a prova pericial inconclusa,
dissertando que a vítima percorria a via carroçável próxima de onde seria o
meio fio se calçada houvesse, e que o veículo desenvolvia velocidade próxima a
sessenta quilômetros horários, considerada compatível.
A sentença foi de improcedência pela
ausência de prova da culpa do motorista, e quanto à responsabilidade do ente
público também seguiu o mesmo raciocínio, até porque não existia, na época, lei
municipal que obrigasse o Município a construir calçada ou mesmo notificar proprietários
fronteiriços nesse sentido. O acórdão acolheu a decisão monocrática pelos seus
próprios fundamentos.
Os eméritos civilistas franceses, no
comento ao Códe Napoléon, ofereceram
lições inolvidáveis sobre o instituto da responsabilidade civil, ainda hoje, de
valiosa pertinência. No entanto, outros paradigmas estão a bafejar os seus fundamentos,
de modo especial duas funções são prestigiadas com acerto incontestável. Além daquelas
tradicionais de garantia e de sanção, ou seja, a que garante às vítimas de
danos a indenização correspondente, e a que imputa ao agente causador do dano o
dever de indenizá-la, duas novas funções são acrescentadas: a preventiva e a
precautória.
A função preventiva ou de prevenção
consiste nas medidas destinadas a evitar ou reduzir os danos causados por
atividades necessárias ou úteis à vida em sociedade, mas conhecidamente
perigosas, porquanto produtoras de risco
atual. A função precautória ou de precaução estuda as atividades e coisas,
também necessárias ou úteis à vida em sociedade, que encerram incerteza quanto
a sua periculosidade, procurando evitar e controlar os riscos meramente potenciais. Matéria percucientemente estudada no
Direito argentino, que não fala mais em responsabilidade civil, mas em direitos de dano, com ênfase a essas
novas funções.[8]
Entre os inumeráveis exemplos dessas
funções desfilam as regras de trânsito dirigidas a evitar ou reduzir os
acidentes causados por veículos. Aqui reside a segurança dos pedestres.
Convivendo com os automotores em profusão, os pedestres não podem ser esquecidos,
repita-se, no seu legítimo direito constitucional de ir e vir preservadas a sua
vida e integridade física. Imprescindível, pois, no urbanismo moderno a construção
e conservação de calçada, conforme padrões de conforto e segurança; o que é de
responsabilidade dos proprietários de imóveis e das Municipalidades.
Chamado a pronunciar-se pela falta
de conservação de calçada, em meritório aresto, o Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo decidiu:
Responsabilidade
civil – Indenização – Acidente ocorrido devido a buraco existente em passeio
público – Proprietário do imóvel é responsável pela conservação –
Municipalidade que tem o dever de notificá-lo para fazer a obra e, não o
fazendo, assume o encargo – Responsabilidade solidária configurada. Emenda Oficial: Acidente ocorrido em
passeio público, em razão de buraco existente. Responsabilidade do proprietário
e da Municipalidade, em especial por força de leis locais, que cometem a
responsabilidade pela conservação do passeio público ao proprietário do imóvel
e à Municipalidade, que tem o dever de notificar o proprietário para fazer a
obra e, não o fazendo, assume o encargo, cobrando seu custo ao proprietário.
(TJSP, 5ª Câm. de Direito Público, Agln. 332.853-5/7-00, j. 04.09.2003, rel.
Des. Ricardo Anafe, in RT 820/256).
Em caso similar, manifestou-se o Ministério Público de forma paradigmal:
O presente
caso cuida de responsabilidade civil do Estado por omissão, ou seja, não manter
e fiscalizar adequadamente as condições dos passeios públicos, assim criando as
condições para ocorrência de acidentes. Nos atos omissivos o agente responde
não porque causou o dano diretamente, mas sim porque não impediu o resultado
quando a ele se impunha o dever de agir. A calçada é um bem público de uso
comum do povo. Sua manutenção incumbe diretamente ao Município onde se situa. A
lei municipal acostada não demite o Município do seu dever de fiscalização e
manutenção do patrimônio público. Ela apenas autoriza a transferência dos
encargos financeiros dessa manutenção ao particular. Até porque a legislação
local não poderia exonerar a Municipalidade de sua função constitucional de
tutela dos seus bens, na forma do art. 23, I, da Constituição da República. Esta
é uma das funções do Município não podendo eximir-se de tal responsabilidade
transferindo-a exclusivamente ao particular (extrato do acórdão inserido na RT
863/348, no mesmo sentido RT 817/235).
Percebe-se, pois, que a sentença e o
acórdão oriundos do processo que tramitou na Comarca de Franca merecem censura.
Acidente de trânsito, tal qual articulado na inicial, na consideração de que se
trata de responsabilidade civil subjetiva, conjuga a conduta culposa, o dano à
vítima e o nexo de causalidade. Falto um desses pressupostos a ação é improcedente.
O motorista não cometeu ato ilícito extracontratual, não há como imputar-lhe
responsabilidade, assim disserta a prova pericial acostada nos autos.
Há de convir, todavia, que o
acidente danoso não foi obra do acaso, o damnum
fatale dos romanistas. Não o justifica nenhuma causa de irresponsabilidade,
subjetiva ou objetiva; foi causado pela carência de equipamento urbano.
O mundo atual vive mais de duas
dezenas de guerras, contudo o trânsito de veículos na realidade brasileira faz tantas
vítimas anuais, se não mais, do que muitas dessas barbaridades para o grau de
desenvolvimento que deveria timbrar as sociedades dos mais diversos países
ditos civilizados. De um lado, a imposição da força bruta, de outro, a
desconsideração pela vida, o que faz lembrar memorável lição de Francesco
Carnelutti:
A humanidade
segue, em todas as direções, o seu caminho, e na direção da ética o seu
caminhar é uma extrema lentidão. Também aqui, a pouco e pouco, os homens se
tornam melhores, mas seus passos são imperceptíveis, como se o ponteiro do
relógio se movesse num quadrante de séculos.[9]
Que evidente falta de ética o risco
que está sobre o pedestre no seu próprio habitat, o espaço urbano, tendo de
disputar com a mortífera máquina denominada veículo o seu espaço de locomoção!
Penalista incomparável, símbolo como
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Hungria, em um dos acórdãos que
relatou, comparava o automóvel a mais grave das epidemias.
A cabeça do art. 5º da Carta Magna
protege a vida e a segurança, estemado na Declaração Universal dos Direitos do
Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de
1948.
O princípio da eficiência deve
marcar a Administração Pública, mormente no resguardo ao princípio fundamental
da vida e da segurança e aos direitos sociais do cidadão na sua convivência em comunidade. Entra
em consideração, destarte, a eficiência na prestação dos serviços públicos
básicos, e a calçada é um deles.
A falta desse equipamento urbano pode
ser traduzida na culpa do Poder Público ante a sua inércia, ou seja, deixa de
fazer o que deveria fazer. Também demonstra inequívoca negligência do
proprietário do imóvel urbano fronteiriço. A negligência do proprietário está
inclusive no abandono da calçada em estado precário de conservação, e a do Município
em não exigir o conserto devido. E, da mesma forma, milita com imprudência quem
constrói calçada em desacordo com as normas técnicas, do que é solidário o
Poder Público quando outorga, nessas condições, o alvará de habite-se ou não procede
à fiscalização devida.
De qualquer forma, o irrefragável é
que, em tais situações, incide a culpa
contra a legalidade, pelo fato concreto de descumprimento de um dever
legal, trazendo em seu bojo uma obrigação propter
rem. Quem assim procede há de provar a sua não culpa, isto é, dá-se a
inversão do ônus da prova pela presunção da culpa, ao menos apresenta alguma vantagem
à vítima.
É a doutrina capitaneada por Celso
Antônio Bandeira de Mello, ocorrendo omissão estatal, porque o serviço não
funcionou, funcionou tardiamente ou ineficientemente, a responsabilidade civil
é subjetiva.[10] Segue a
mesma senda Maria Sylvia Zanella Di Pietro, inclusive referenciando o citado
Bandeira de Mello.[11]
Tal entendimento, porém, não é a
melhor exegese.
Hely Lopes Meirelles propugna pela
responsabilidade civil objetiva do Estado sempre que o “agente da Administração
haja praticado o ato ou a omissão administrativa na qualidade de agente
público.”[12]
Compartilha com ele Toshio Mukai.[13]
Dissenso doutrinário que foi
reiteradamente debatido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, resultando no
acolhimento da tese da responsabilidade civil objetiva (18ª Câm. Cív., ap. 2006.001/58001,
rela. Desa. Cássia Medeiros, j. 3.5.2007; 2ª Câm. Cív.; ap. 2006.001.48185,
rela. Desa. Leila Mariano, j. 10.10.2006; 16ª Câm. Cív.; ap. 2005.001.07576,
rel. Des. Mário Robert Mannheimer, j. 13.12.2005; 12ª Câm. Cív., ap.
1999.001.21600, rel. Des. Celso Guedes, j. 13.3.2000; 13ª Câm. Cív., ap.
1998.001.01577, rel. Des. Azevedo Pinto, j. 15.7.1998). Acórdãos que seguem na
esteira de julgado do Superior Tribunal de Justiça (1ª T., REsp. 474.986-SP,
rel. Min. José Delgado, j. 10.12.2002). Assim são permitidas as seguintes
conclusões: a) “Os tributos pagos pelos munícipes devem ser utilizados, em
contrapartida, para o bem-estar da população, o que implica, dentre outras
obras, a efetiva melhora das vias públicas (incluindo aí as calçadas e passeios
públicos)”; b) “Para que configure a responsabilidade objetiva do ente público
basta a prova da omissão e do fato danoso e que deste resulte o dano material
ou moral.”[14]
Cumpre avocar, para reforço dessa
posição, a lição do saudoso jurista das Arcadas, Antônio Junqueira de Azevedo,
ao discorrer sobre a caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana.
Ponto
fundamental do respeito à integridade física e psíquica é o da obrigação de segurança. Os autores
nacionais parece que ainda não se conscientizaram de que a obrigação de
segurança, tão firmemente referida nos arts. 8º, 9º e 10 do CDC (Seção “Da
proteção à saúde e segurança”), tem sede
constitucional, seja como decorrência do princípio da dignidade, seja por
força do caput do art. 5º da CR. A
obrigação de segurança hoje se “automatizou”; existe independentemente de
contrato – pode não haver contrato nem muito menos importa se o contrato é
gratuito ou oneroso (transporte pago ou não, hospedagem, serviços em geral
etc.). A obrigação de segurança existe sempre; os danos à pessoa devem ser
indenizados. É importante dizer: em
matéria de danos à pessoa, a regra é hoje exceção. A responsabilidade
objetiva, na obrigação de segurança, surge agora diretamente da Constituição
(não é da lei ou da jurisprudência); somente haverá responsabilidade subjetiva
quando houver lei expressa (por exemplo, na responsabilidade médica – na qual,
assim mesmo, há inversão do ônus da prova, porque a prova deve ser feita por
quem tem melhores condições de fazê-la). A admissão da responsabilidade subjetiva
como exceção à responsabilidade objetiva constitucional é admissível, porque os
preceitos decorrentes dos princípios jurídicos não são absolutos.[15]
O Magistrado Jorge Alberto Quadros
de Carvalho Silva, embora entenda que o art. 5º da Constituição Federal ao
prever o direito à segurança não tem o alcance dado pelo ilustre professor,
admite que esse pensamento passou a influenciar a doutrina e auxilia quem
defende que as responsabilidades objetiva e subjetiva, como atualmente se
encontram no Código Civil, estão colocadas em pé de igualdade de modo que uma
não seja mais importante do que a outra. E cita entre outros o professor da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro Gustavo Tepedino.[16]
A professora da USP Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka adquiriu o título de livre-docente, com a tese “Responsabilidade pressuposta”, em que,
entre outras tantas lúcidas considerações, está a de estreitar o diálogo das
fontes da Ciência Humana do Direito com as Ciências Sociais, que lhe poderão
dar subsídios para a concepção de um conceito mais adequado de risco ou perigo,
a fim de a jurisprudência evoluir, sempre mais, em termos de presunção da
responsabilidade e não presunção da culpa. Pretende com isso, dar um sentido de
maior equidade ao parágrafo único do art. 927 do Código Civil, ao açambarcar um
número crescente de responsabilidade objetiva.
E quanto à prevenção e precaução de
dano diz a estudiosa mestra:
Afinal de
contas, seria um absurdo pensar que a ordem jurídica entendesse que toda a
hipótese de realização de uma atividade humana com exposição ao perigo fosse,
em princípio, nefasta à sociedade, e que o banimento de toda ingerência
perigosa fosse a meta de uma ordem perfeita. O que se procura, com um sistema
aperfeiçoado de responsabilidade civil, não é, obviamente, evitar todo o
perigo, o que é impraticável, inviável e inimaginável; a finalidade objetivada
seria, isto sim, a diminuição do dano.
A partir do momento em que a impossibilidade de evitar o dano é aceita, a
disciplina jurídica da responsabilidade civil deveria visar a redução do custo
social que ele representa, seja por meio da adoção de medidas de prevenção, ou
porque alguém responderá por ele, por força de uma responsabilidade pressuposta e fundada num critério-padrão de imputação.[17]
Em suma, a proposta é no sentido de que a preocupação que deve ganhar
mais destaque segue na direção de garantir o direito de alguém não mais ser
vítima de dano. É um espaço preventivo e precautório de ocorrência de dano, conjugado
com o espaço da reparação de dano já existente na responsabilidade civil
clássica, como consignado.
Calçada bem construída, conservada e
apta a atender a locomoção segura do pedestre tem o sentido de evitar e reduzir
danos; basta se lance rápido olhar sobre as estatísticas de atropelamento. É,
enfim, arredar a violência inconcebível que está a submeter o cidadão comum, colocando
em risco a sua vida, que não é propriamente um direito, mas a sementeira
frutuosa de todos dos direitos, tanto que a personalidade jurídica inicia-se
com a vida e termina com a morte (CC arts. 2º e 6º).
Convenha-se, demais disso, o
esquecimento da calçada afeta direitos legalmente protegidos em outras
legislações.
O art. 68 do Código de Trânsito
assegura ao pedestre a utilização de passeios e passagens apropriadas nas vias
urbanas e nos acostamentos das vias rurais para circulação, e dispõe no § 5º:
“Nos trechos urbanos de vias rurais e nas obras de arte a serem construídas,
deverá ser previsto passeio destinado à circulação dos pedestres, que não
deverão, nessas condições, usar o acostamento.” Manifesto que a expressão
previsão de passeio usada pelo legislador é, propriamente, a sua construção
para que a norma não se configure em meramente enunciativa ou programática, sem
nenhum efeito prático. E mais, para que não obrigue o pedestre a usar do
acostamento, que restaria como único meio de locomoção. Tanto assim que o
Tribunal Regional Federal da 5ª Região decidiu:
Ementa
Oficial: Direito civil e administrativo. Responsabilidade por danos materiais e
morais. Túnel de acesso a pedestre. Inobservância de medidas de segurança.
Omissão do DNER. [...] Inequívoca é a obrigação de o DNER indenizar a autora
diante da sua omissão em promover as medidas de segurança necessárias a evitar
o acidente que vitimou o marido da postulante, a exemplo de colocação de
proteção, sinalização e iluminação necessárias.
E
prossegue no corpo do acórdão:
O túnel
subterrâneo que servia de passagem para os pedestres, como se observa da
análise dos autos, foi construído sem a observância das medidas de segurança
necessárias à proteção dos transeuntes, a saber, colocação de grades de
proteção, sinalização e iluminação necessárias a evitar acidentes. Conforme se
observa das fotos do local (f.), não existe grade de proteção entre a escada de
acesso ao túnel e a calçada de pedestre, mas um murete de pequena altura, sendo
possível ainda notar ser deficiente a iluminação (TRF – 5ª Reg., ApCv.
2005.05.00.008839-0/CE, 1ª T., rel. Des. Fed. Cesar Carvalho, RT 885/390 e
391).
De outro lado, imprescindível anotar
de índole constitucional conforme o disposto no art. 230, o Estatuto do Idoso,
que no seu art. 10, inc. I, preceitua sobre a faculdade de ir, vir e estar nos
logradouros públicos e espaços comunitários, o que, a toda evidência,
antepõe-se a falta de calçada, ou aquela em rampa, quando não em precário
estado de conservação ou construída com material escorregadio, que dificulta o
andar da pessoa idosa e coloca em risco sua integridade física.
A mens legis desse microssistema é a inserção do idoso na comunidade,
visando possibilitar-lhe acesso ao lazer, ao atendimento médico e previdenciário,
além de outros. Ora, para que interaja na vida social, o idoso vale-se da
calçada como meio de caminhar. Para tanto a calçada deve ser confortável, a fim
de se adequar às suas limitações deambulares impostas inexoravelmente pela sua
condição física debilitada pelo decurso dos anos.
Algumas histórias retiradas da vida
real servem de exemplo. Em Batatais, cidade média do interior paulista com 60
mil habitantes, uma senhora, já nos avançados noventa anos de vida, escorregou
e caiu em calçada cujo desnível prejudicou-lhe o andar. Sofreu fratura de
joelho. A família foi esclarecida da responsabilidade solidária do morador
fronteiriço ao piso e da Municipalidade. Vizinhos de quarteirão (vítima e
proprietário do imóvel fronteiriço da calçada), com amizade cimentada há
décadas, a resposta foi firme, por parte de seu filho empresário: “o que me
preocupa é a higidez de saúde de minha mãe, não o problema econômico, não sou
substituto do Poder Público, a providência dele vem antes da minha”. Outro fato
até cômico deu-se em
Ribeirão Preto , que pode ser considerada metrópole, cuja população
aproxima-se dos 620 mil habitantes. Um homem de sessenta anos de idade
escorregou e caiu na calçada de piso escorregadiço, que acabara de ser lavada.
Coincidentemente, se coincidência existe, passava pela rua rente ao meio fio,
auxiliada por bengala, uma mais idosa do que ele, que logo observou esboçando
sorriso irônico: “todos caem aí”.
Acrescenta-se a disposição específica da Lei 7.853/89, que no seu art.
2º, inc. V, letra “a”, adota a política de remoção das barreiras arquitetônicas,
que infligem óbices às pessoas portadoras de deficiência em freqüentar
edificações e vias públicas.
Em síntese, o desconforto da
ausência, da construção inadequada ou falta de conservação de calçada infringe
o ordenamento jurídico de forma ampla e incondicional, dispensada qualquer lei
municipal a regular a matéria. Diante disso, é atribuição do Ministério Público,
da Defensoria Pública e entidades legitimadas precatarem os transeuntes contra
acidentes evitáveis.
Para fecho, um disparate na comparação
de duas passagens. A primeira, se um automóvel encontra buraco na rua e por
isso sofre amassamento na lataria, o dano patrimonial é irrespondível. A segunda,
se um pedestre é atropelado no meio fio, bem rente ao que seria a calçada,
naufraga sem direito, como no caso citado da Comarca de Franca. Assegura-se o
patrimônio e despreza-se a pessoa humana. Que ordenamento jurídico é esse que
exige vias públicas carroçáveis bem conservadas, mas não reconhece o direito do
pedestre de andar em segurança?
É uma exegese marcadamente
patrimonialista, não propriamente entre seres humanos, de sorte que os
interesses pessoais são suplantados pelos patrimoniais, em absoluta
contrariedade ao art. 1º, inc. III, da Constituição Federal, que considera a
pessoa humana como centro do Direito.
4 Cessão indevida de espaço de uso comum do
povo
Também relega o pedestre a cessão do
espaço público de uso comum do povo. É a privatização das ruas, praças e
calçadas em proveito de alguns e consequente detrimento da maioria, sem falar
no afeamento do urbanismo.
Os bens públicos de uso comum do
povo devem ser utilizados para a finalidade a que se destinam. A rua para o
tráfego de veículos, a calçada para o caminhante e a praça para o lazer.
No entanto, são comuns as
revistarias e os denominados carrinhos de lanches estabelecidos em logradouros
públicos, nomeadamente estes últimos que estacionam nas ruas e avenidas,
tomando o leito carroçável, quando não próximos de esquinas, colocando em risco
a integridade física do pedestre ao empreender travessia.
Fato real merece menção. Desditosa
viúva de mais de 70 anos de idade, residente em Batatais, ao transpor a rua foi
atropelada, sofrendo lesões corporais graves. Talvez não tomasse o cuidado
objetivo, mas o carrinho de lanches, que persevera no mesmo local, foi fato
determinante, pois que estacionado muito próximo à esquina, impede a visão de
segurança. A culpa da Municipalidade na outorga do alvará torna o evento lesivo
de nexo causal complexo, a visada da responsabilidade solidária em que o dano é
produzido por mais de um autor (CC art. 942 in fine). De fato, o local ocupado não se
mostra adequado às leis de trânsito.
Esses carrinhos de lanches, na sua
maioria, não atendem o mínimo necessário na preservação da saúde pública, uma
vez que desprovidos de água corrente e, por vezes, fazem uso clandestino de
energia da rede pública, onerando a todos indiscriminadamente. Ocupam com mesas
e cadeiras as calçadas, espalham ao derredor odor de fritura, restos de comida,
guardanapos de papel, vasilhames de bebidas, copos plásticos, avançam à noite
admitindo a presença de menores nas saídas noturnas das escolas.
Demais disso, inibem o comércio
regular em bem montadas lanchonetes, pois a concorrência torna-se, por óbvio,
desleal ante a carga tributária. A legislação, que tanto exige para o comércio
regular das casas de alimentação, parece indiferente ao ambulante. Ambulante
somente no nome, dado que o vocábulo em questão significa andante, nômade,
peregrino, e é como tal que o alvará municipal autoriza seu funcionamento.
Seria o carrinho de lanches circulando, quando, na realidade, fica estacionado,
definitivamente, em certo espaço público da rua ou praça, que lhes torna de uso
privado. Evidente burla a lei, pois as exigências para o comércio fixo são maiores,
entre elas a necessária disposição de sanitários.
Mais ainda. Se as revistarias e os
carrinhos de lanches tomam com exclusividade certo espaço público
caracteriza-se a permissão de uso, que para o legislador equipara-se a alienação,
pois nesse sentido dispõe o art. 17, inc. I, al. f, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Urge cumprir os requisitos
expostos nesse artigo: a) interesse público devidamente justificado; b) avaliação
prévia para fixar o valor e a periodicidade de contraprestação pecuniária a ser
paga pelo particular que se beneficiará da exploração do bem público; c) autorização
legislativa específica indicando o bem a ser permitido e os limites a serem
observados; d) licitação na modalidade da concorrência.[18]
Demais disso, há de se considerar a
recente Lei 13.019, de 31 de julho de 2014, que exige no seu art. 2º o
“chamamento público” para quaisquer parcerias, com muito mais razão para a
cessão de espaço público, a fim de que “se garanta a observância dos princípios
da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da
publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento
convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.
O bem de uso comum do povo não pode ser concedido gratuitamente, uma vez
que pertence à coletividade, assim os favorecidos com a sua utilização
exclusiva devem compensar os demais, que foram excluídos do privilégio. A
gratuidade também prejudica a realização do certame licitatório, desde que o
valor da contraprestação pecuniária é de ordinário o parâmetro utilizado para a
seleção do beneficiário.
A situação agrava-se ainda mais. Em Batatais foi editada uma lei
autorizando os carrinhos de lanche a procederem a ligação de energia elétrica
com medidor próprio, o que denuncia que são estacionados em locais que lhes
ficam definitivos. É uma lei de notável impropriedade, imposta pela pressão
social de um grupo, casuística e nada técnica, de sorte contraditória em si
mesma, pois o alvará emitido é de comércio ambulante.
Mas, sobretudo, é o pedestre que vai
sendo restringido no uso de áreas que lhe seriam próprias, ultrapassando, em
outros casos, o mais comezinho bom-senso, no retorno a uma época de infeliz
memória, quando as praças e jardins eram tomados pela construção de prédios
públicos.
Determinada praça central tomada por dois prédios, um deles construído em
1927 e outro em 1950, destacava a arquitetura do primeiro, sinete a
caracterizar o meio ambiente cultural daquele período, tanto que mereceu
destaque em dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.[19]
Na sua parte de trás o espaço da praça com árvores, arbustos ornamentais
e bancos para descanso, defronte de um clube recreativo. Dez vereadores votaram
pela desafetação desse espaço, construindo novo prédio, anexo ao antigo,
retirando deste a plástica arquitetônica na sua inteireza.
O novo prédio não atendeu a legislação sobre a matéria, não tem as quinas
das esquinas quebradas e não previu a demanda de estacionamento, debalde disposição
a respeito na legislação municipal.
O nefasto resultado da falta de planejamento foi o adensamento do
trânsito em área já saturada, o que levou a outra parte da praça, a fronteiriça,
transformada em estacionamento de veículos oficiais, outro gritante exemplo de
urbanismo superado.
Enfim, prédios públicos, no curso dos anos, reduziram o que antes era uma
praça ampla e bonita, acolhedora e confortável, mas aos pouco perdeu a urbanização,
pois anteriormente mutilada com a abertura de duas ruelas. Uma para abrigar
ponto de taxi, outra insipiente centro de comércio popular sem esmero estético,
e nenhuma providência foi tomada, o que salienta ainda mais o desleixo às
coisas do homem andando.
Não é matéria indiferente ao Ministério Público, em modelar
pronunciamento decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Ementa
Oficial: Agravo regimental com recurso extraordinário. 2. Recurso que não
demonstra o desacerto da decisão agravada. Decisão em consonância com a
jurisprudência dessa Corte. 3. O Ministério Público está legitimado para propor
ação civil pública na defesa do patrimônio público (art. 129, III, da
Constituição). Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF,
2ª T., AgRg no RE 302.522-8/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, in RT 873/125).
Nota-se, o acórdão proferido em
recurso interposto contra o Ministério Público Estadual e o Município de
Indaiatuba menciona precedentes, uma vez que, seguidamente, aquela Corte tem
entendido que a Instituição, quando atua na proteção do patrimônio público, por
via de ação civil pública, está legitimada como substituto processual da
coletividade na defesa de interesse que atinge a todos, de maneira indistinta,
conseguintemente reveste-se da natureza de interesse difuso.[20]
Os
espaços públicos concedidos não podem prescindir do cuidado estético da cidade,
e nada compromete mais a boa aparência urbana que a impropriedade desses
pseudos veículos e minúsculos arranjos adaptados, de proporções desiguais e pinturas
precárias, contrastando com prédios residências e comerciais bem cuidados e de
beleza arquitetônica. Os franceses falam em proteção paisagística e monumental,
e os italianos estão a dar exemplos com a edição de medidas legislativas
protetivas, como o Código de Bens Culturais e da Paisagem.[21] Na
legislação pátria o Estatuto da Cidade refere-se à proteção paisagística nos
arts. 2º, inc. XII, 35, inc. II, 37, inc. VII. Que não se esqueça, a paisagem
deve ser entendida como patrimônio público.
Exemplos precursores, que merecem
reconhecimento, foram os adotados pelo Ministério Público de Franca e São
Joaquim da Barra, que afastaram os carrinhos de lanches das vias públicas, com
amplo respaldo da opinião pública e entidades representativas de classes, preocupadas
com a boa urbanização de suas cidades.
Outro exemplo é dado por Poços de
Caldas, que confinou todos os carrinhos de lanche em um mesmo local, onde não
existe trânsito de veículos e preserva o aspecto estético da cidade, que é turística.
5 Conceito amplo de meio ambiente e a
perturbação do sossego público
Outra
matéria que se relaciona ao urbanismo é a perturbação do sossego público com repercussão
no meio ambiente. Assinala a Constituição da República no art. 225 que é
direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia
qualidade de vida.
Entre os elementos nocivos ao meio
ambiente está a poluição sonora, que tem desafiado décadas e até séculos pelo persistente
desrespeito aos direitos alheios.
Em seguida à Proclamação da
Independência, D. Pedro I, em cumprimento ao art. 167 da primeira Constituição
Brasileira, editou a Lei de 1º de outubro de 1824, criando as Câmaras
Municipais, entre as suas atribuições impunha que deveria prover “por suas
Posturas sobre as vozeiras nas ruas em horas de silêncio”.
Já no distante ano de 1932, a pedido do Instituto
dos Advogados, José Manuel de Azevedo Marques apresentou projeto de lei à
Câmara Municipal de São Paulo, propondo combater os barulhos evitáveis, e
embasou a sua exposição de motivos em pareceres, “demonstrando, a não deixar
dúvidas, os grandes males dos ruídos à saúde física, intelectual e moral e à
felicidade humana”, especialmente ao transcrever lição do “Professor Henrique
Roxo, distinto médico-cientista”, que entre outras afirmações destaca “a
influência do barulho na gênese das doenças nervosas.”[22]
Washington de Barros Monteiro mais
recentemente tracejou a seguinte lição:
A poluição
sonora provoca distúrbios no organismo, diminuição do trabalho intelectual e
cansaço físico. Neutralizando o repouso, impede que recuperemos as nossas
forças e energias. Na defesa desse bem jurídico tão necessário ao
desenvolvimento de nossas atividades, tem a jurisprudência proclamado que
contra o mesmo atentam as algazarras resultantes de bailes das vizinhanças, o
funcionamento de alto-falantes de maneira incômoda, o barulho produzido por
animais do vizinho, o ruído noturno de oficinas instaladas nas zonas mistas, o
ruído incômodo de motores, no período noturno, para sucção de água, a vibração produzida
por indústrias, e até o badalar dos sinos das igrejas, sem necessidade de
culto.[23]
Modelar o acórdão proferido pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, 1ª Câmara, apelação 64.171, tendo
como relator o Desembargador Lúcio Urbano, julgado em 29 de maio de 1984, que
na observação do cotidiano relatado em publicações da empresa, enfatiza em
extrato deveras esclarecedor.
Entre nós,
César Cals de Oliveira Neto, em entrevista concedida ao diário carioca O Globo, em 4.3.79, “destaca o ruído como principal causa de problemas
auditivos nas grandes cidades, além de reduzir o nível de qualidade de vida nas
comunidades e contribuir para a perda de produtividade [...]. Já o assessor
para assuntos ambientais da Secretaria de Ciências e Tecnologia de Minas
Gerais, Prof. Henrique Alves, membro da Comissão de Meio Ambiente da Sociedade
Mineira de Engenheiros, confirmou recentemente que os ruídos, em algumas
regiões de Belo Horizonte, já atingiram níveis perigosos para o ser humano, e
que a surdez e o stress são os males
mais frequentemente causados pela poluição sonora (Estado de Minas Gerais, 21.8.82).
A propósito, pesquisas divulgadas pela Agência de Proteção ao Meio Ambiente da
América do Norte, apontam que “Os estudos até agora efetuados sugerem que os
ruídos estressantes podem provocar hipertensão arterial, lesões cardíacas,
úlceras, e, posteriormente, até maior susceptibilidade a infecções e problemas
de reprodução. Outros estudos indicaram dificuldades de aprendizado,
irritabilidade, fadiga, eficiência reduzida no trabalho, aumento de acidentes e
erros, e conduta socialmente indesejável” (O
Estado de São Paulo, edição de 28.11.82).
Bem por isso, a UNESCO elaborou a Carta do Silêncio, proclamando que todo
indivíduo tem direito ao silêncio e à tranqüilidade.
Há de se notar, as citações até aqui
colacionadas pertencem a um tempo que já se foi. O mundo moderno acelerou os
malefícios da poluição sonora. Vivencia-se, hoje, a alucinada ânsia do
progresso material a todo custo, falacioso na maioria das vezes, e que se vale
de artefatos sonoros sempre mais potentes na divulgação de produtos, serviços,
liquidações e outras tantas promoções, que se transformaram em agentes de
enorme desconforto acústico. Os sons dos mais diversos estabelecimentos
comerciais se esgrimam nos centros urbanos.
Causa pasmo, até os famosos “trenzinhos
de crianças” são equipados com aparelhos sonoros em decibéis perniciosos à
saúde auditiva, como assim as festas infantis. Se os pais podem ignorar, as
autoridades têm o dever de conhecer a disacusia,
que é o molestamento do órgão auditivo submetido à elevada pressão sonora,
levando à surdez.
Na verdade, o trânsito já é um
atentado ao silêncio pelo inevitável ronco dos veículos motorizados. Agora,
esses mesmos veículos estão dotados de aparelhos sonoros que prejudicam a
segurança do próprio trânsito. Não se ouve o apito do guarda de trânsito, que é
um ato administrativo sonoro. Não permite ouvir a buzina de quem com eles
reparte a via pública, muitas vezes necessária para alertar situação de
redobrada atenção, quando não de potencial risco, tanto que a Resolução nº 204,
de 20 de outubro de 2006, do CONTRAN, considera “que a utilização de
equipamentos com som em volume e frequência em níveis excessivos constitui
perigo para o trânsito”. Não se olvidem os escapamentos propositadamente
envenenados, que potencializam o barulho, especialmente entre motociclistas. Será
que o som alto prejudica menos a atenção do motorista do que a tão combatida conduta
de falar ao celular? Aqui reside uma das muitas situações em que impera a
máxima: no Brasil tem lei que pega e lei que não pega. É a prevaricação no
sentido de não cumprimento de um dever de ofício por má-fé ou improbidade.
De fato, o art. 228 do Código de
Trânsito considera infração grave, impondo a penalidade de multa e apreensão do
veículo, com medida administrativa de sua remoção para perícia, pelo uso indevido
de equipamento sonoro em volume ou frequência que não sejam autorizados pelo
CONTRAN.[24] E no
art. 229 completa que o uso de aparelho de alarme ou que produza sons e ruído
que perturbem o sossego público, em desacordo com as normas fixadas pelo
CONTRAN, é infração média, com os mesmos consectários de multa, apreensão e
remoção.
Considere-se ainda que automotores
particulares, dotados dos mesmos equipamentos sonoros não homologados,
prestam-se para publicidade em
geral. E os meios legais, rádios, televisão, jornais e
revistas veem-se privados de receita, mais uma vez pela concorrência desleal, uma
vez que essa atividade é desenvolvida na maioria das vezes clandestinamente,
embora à vista de todos, isto porque nem sequer é expedida a licença municipal
e procedido o recolhimento da taxa correspondente.
O som sem fronteiras penetra nos
lares e ambientes de trabalho, nos hospitais e escolas, impiedosamente. O art.
3º, inc. I, última figura, da Constituição Federal que contempla o princípio da
solidariedade social é relegado, o art. 42, III, da Lei das Contravenções
Penais torna-se letra morta, juntamente com o art. 54 da Lei do Meio Ambiente. O
art. 1.277 do Código Civil que trata dos direitos de vizinhanças, por ser
iniciativa individual repercute apenas entre as partes, sendo que as infelizes
vítimas sempre se deparam com a grave dificuldade de produzir prova, mormente a
técnica indevidamente exigida em reiteradas decisões. É uma sequência de
desrespeito às leis que arrefece o animo dos cidadãos comuns, e os conduz a
suportar a inconveniência do barulho prejudicial ao sossego e à saúde.
Ao lado dessas constatações, joeirando
a jurisprudência são encontrados acórdãos modelares. Antecipação da tutela a
fim de proibir república de estudantes de promover badernas, algazarras,
festas, churrascos e outras comemorações ruidosas a qualquer hora do dia ou da
noite (TJSP, 26ª Câm. de Dir. Privado, AI nº 990.10.48274-1, rel. Des. Felipe
Ferreira, j. 2.2.2011); antecipação de tutela em virtude de poluição sonora
provocada por excesso de ruídos provenientes de ensaios musicais em residência
(TJRS, 18ª Câm., AI nº 70003573029, rel. Des. Luiz Planella Villarinho, j.
7.3.2002); construção que se utiliza de bate-estacas, escavadeira e caminhões,
que incomodam os vizinhos de modo a provocar barulho, poeira e chuvas de
detritos (extinto 2º TACivSP, 12ª Câm., Apc/Rev 634160-00/0, rel. Juiz Palma
Bisson, j. 20.6.2002, RT 807/300); desassossego e desconforto pelas turbações
acústicas capazes de gerar prejuízos ensejadores de danos morais (extinto 2º
TACivSP, 11ª Câm. Apc/Rev nº 836061-0/7, rel. Juiz Egídio Giacoia, j.
23.8.2004, RT 830/259).
Essa progressiva escalada da
poluição sonora mereceu do legislador de 2002 legítima preocupação. O Código
Civil de Bevilaqua no art. 554 emprega a expressão uso nocivo, já o de Reale no art. 1.277 prefere uso anormal. Nocivo é pernicioso,
prejudicial, que causa dano. Anormal é o que foge do ideal, do arquétipo, é
dizer, amplia o conceito ao prever interferências de menor potencial ofensivo,
pretensão que já vinha expendida na doutrina. E é permitido ir mais longe conforme
oportuna resenha da advogada Rosana Jane Magrini:
O silêncio
nestes dias altamente estressantes em que vivemos, deve ser compreendido como
um direito do cidadão. E sob este enfoque, haveria que se buscar não só um
Código de Silencio com medidas repressivas rigorosas. Mais que isso, é também
preciso um programa de educação da população no sentido de se formar uma
consciência mais sólida sobre a necessidade de respeitar a tranquilidade
alheia, seja no período noturno ou diurno, seja em área residencial ou
comercial.[25]
Nítido, por conseguinte, que a
perturbação ao sossego é afronta ao direito do cidadão, atinge a sua casa, que
além de asilo inviolável, deve assegurar-lhe o merecido descanso, a proteção de
sua saúde, em especial para que se refaçam as forças do trabalho, que para
maioria começa nas primeiras horas do amanhecer do dia seguinte. De tão intensa
e reiterada, essa perturbação deve ser considerada em função do interesse
público. É o entendimento de Luiz Edson Fachin.
Por esse
caminho que conjuga tutela e limite transita o novo Código Civil. A garantia do
direito ao sossego não envolve apenas o campo do Direito Civil; a temática
alcança medidas diversas, sancionatória das condutas que ofendem a paz e a tranquilidade
da vizinhança. Com efeito, é o direito ao sossego assunto de interesse público,
qualidade que lhe confere aptidão de incidência do poder de polícia. Dúvida não
há, desde a codificação anterior, do alcance amplo na tutela jurídica ao
sossego.[26]
De
efeito, tal enfoque remonta à vetusta lição de San Tiago Dantas.
Se o mau uso
da propriedade, no que toca ao sossego, adquire um caráter de generalidade, de
sorte que afeta mais ao público, a uma fração do público, do que propriamente a
uma pessoa, o caso cai, naturalmente, sob a ação do poder de polícia.[27]
É evidente, o sossego que a lei ampara é o relativo, o que se pode exigir
em determinadas condições, sem prejuízo das atividades normais da vida em sociedade. O que conduz
ao critério da tolerância e da intolerância das imissões, daí decorre a
amplitude que a lei permite ao magistrado, à sua função criadora, que muitas
vezes independe de autorização de lei expressa, para que se submeta aos
princípios sugeridos pelo interesse coletivo. Permitem-se as interferências
ordinárias à vida moderna, posto que inevitáveis e inerentes ao próprio
progresso que traz conforto, mas com energia repugnam-se aquelas evitáveis,
para que a vida nas cidades não se torne, cada vez mais, verdadeiro atentado aos
hábitos saudáveis de seus habitantes.[28]
Também nesse aspecto a legitimidade
ministerial está patenteada em acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Norte, alteado em parecer da Procuradoria de Justiça, pela pena de Darci de
Oliveira:
.
Ementa
Oficial: [...] A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente é parte
legítima para postular o impedimento de realização de festa que restringe o
acesso a logradouros públicos, e que pode degradar o meio ambiente pela
produção de detritos e poluição sonora. A existência de legislação sobre a
produção de sons não impede o requerimento, pelo Parquet, de proibição da
utilização de equipamentos musicais que emitam sons com decibéis acima do
permitido. Interesse processual evidenciado. A intervenção do Judiciário pode
correr não só quando da existência efetiva do dano, mas também quando de seu
fundado receio [...] (TJRN, 3ª Câm. Cív., ap. 2000.003425-8, rel. Juiz Kennedi
de Oliveira Braga convocado, j. 23.03.2006, RT 851/332).
No mesmo sentido o recente acórdão
proferido pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em ação
civil pública impetrada pelo Ministério Público, lucidamente dispensando a
prova pericial pela robustez da prova oral produzida.
Ementa
Oficial: Ação Civil Pública. Obrigação de não fazer. Poluição sonora. Imóvel
destinado à locação para festas e eventos. Prova técnica. Prescindibilidade.
Hipótese em que os depoimentos pessoais das testemunhas corroboraram as
alegações ministeriais, tornando desnecessária a medição de ruídos provenientes
do local. 1. Os ruídos urbanos são, hoje, considerados fatores altamente
prejudiciais à população urbana, razão pela qual, além da disposição genérica
do Código Civil que permite ao proprietário impedir que o vizinho perturbe o
seu sossego (art. 1.277), o Poder Público vem alargando, por normas
regulamentares, as exigências do silêncio, e os tribunais não têm negado ação,
quer aos particulares, à Municipalidade, quer ao Ministério Público, para
impedir os ruídos molestos aos vizinhos, individualmente, ou à coletividade em
geral. 2. Demonstrando a prova testemunhal que os distúrbios noticiados nos
autos se referem à realização de eventos noturnos com níveis muito altos de
emissão sonora, de se confirmar a sentença que impôs a proibição no que
concerne aos eventos/festas, sendo prescindível, para tanto, a realização de
prova pericial (TJMG, 5ª Câm. Civ., rel. Des. Mauro Soares de Freitas, j. em
18.03.2010, RT 987/295).
Outro
acórdão modelar não pode deixar de ser citado.
Ação Civil
Pública – Poluição sonora – Degradação do ambiente urbano causado pelo
funcionamento irregular de estabelecimentos comerciais, com perturbação do
sossego de determinada região – Legitimidade ad causam do Ministério Público para promover a demanda –
Interesses que não podem ser classificados como individuais puros, eis que se
espraiam entre diversos titulares situados próximos às fontes poluidoras,
circunstância suficiente para que os interesses se insiram na categoria de
difusos, coletivos, ou, ao menos, individuais homogêneos – Inteligência do art.
1º, I e IV, da Lei 7.347/85 (TJSP, ap. 64.055-5/7, 9ª Câm., j. o8.09.1999, rel.
Des. Sidnei Beneti, RT 774/230).
Para Rogério Gesta Leal a necessidade de conciliar o desenvolvimento da
cidade, a sua expansão demográfica e a sua trajetória econômica com hábitos
saudáveis de vida, preservando o ambiente puro e agradável, é um dos desafios
do momento presente.[29] O
direito difuso ao sossego constitui-se um desses desafios, como dispõe o Estatuto
da Cidade ao propugnar por “normas de ordem pública e interesse social que
regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do
bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ecológico”. Em suma, trata-se da
proteção à própria saúde física e mental do ser humano.
Esse atentado ao urbanismo saudável prospera indiscriminadamente, tanto
assim que, conforme noticiário da grande imprensa, recentemente as Prefeituras
de São Paulo, Taboão da Serra, Caraguatatuba, Franca, entre outras, editaram
leis para combater o que o vulgo passou a chamar de “pancadão”. Não poucas
vezes tal crime ambiental é animado pelos
veículos dotados de aparelhos sonoros de alta potência que, em trânsito ou
estacionados, transformam-se em intolerável perturbação ao sossego público, acoimando
os seus proprietários de “vândalos do som”. Para completar as citações de
cidades que se sentem prejudicadas, na edição de 18 de abril de 2014, a Revista Revide
estampa reportagem de capa, ouvindo médicos, psicólogo, advogado, empresários
da construção civil, todos unânimes em preconizar a necessidade de combater o
barulho excessivo, que causa prejuízo ao bem-estar do citadino.
Crime ambiental porquanto, recentemente,
o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pioneiramente, entendeu que a
perturbação do sossego público é crime contra o meio ambiente.
Ementa
Oficial: Crime ambiental. Poluição (art. 54 da Lei 9.605/1998). Entidade que
produz nível excessivo de ruídos durante a realização de bailes em período
noturno. Provas seguras de autoria e materialidade. Palavras coerentes e
incriminatórias de testemunhas. Laudos periciais constatando o excesso de
barulho. Versão exculpatória inverossímel. Desclassificação para a contravenção
prevista no art. 42, III, da LCP. Impossibilidade. Condenação imperiosa.
Responsabilização inevitável. Apenamento criterioso. Apelo improvido (TJSP, ap.
990.09.322736-3, 4ª Câm. Criminal, j. 27.07.2010, v.u., rel. Des. Luís Soares
de Melo, RT 904/618).[30]
A proposta de entender a poluição
sonora atentado aos direitos da personalidade e ao meio ambiente difundiu-se, é
mundial: “Nos direitos da personalidade incluem os direitos ao repouso, ao
descanso, ao sono e ao sossego, bem como a um ambiente de vida humana, sadio e
ecologicamente equilibrado”, assim decidiu o Tribunal de Relação de Lisboa.
Por último, assinala-se que a
responsabilidade de apuração dos ilícitos administrativo, civil e penal
emanados da poluição sonora é, primordialmente, da Polícia Judiciária, contudo
cumpre também às Municipalidades, conforme entendimento exarado pelo Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, 5ª Câmara Civil, em acórdão de 24 de agosto de
2011.
Apelação Cível nº 70041121880, rel. Des. Marques
Ribeiro Filho: “Apelação Cível. Responsabilidade civil. Preliminar
contrarrecursal. Ente Municipal. Legitimidade passiva configurada. Dever de
fiscalização e de adoção de medidas a reduzir a poluição sonora. Imposição
judicial. Descumprimento. Omissão específica. Responsabilidade objetiva.
Indenização devida. Sentença modificada. O Município tem legitimidade para
responder aos termos da ação, uma vez que tem o dever de empregar medidas
tendentes à redução da poluição sonora na cidade e, sobretudo, tinha o dever
imposto judicialmente, de fiscalizar a área. Uma vez desatendida as
determinações impostas judicialmente, em ação cominatória e em ação civil
pública, o Município responde objetivamente pelos prejuízos ocasionados aos
autores, na conduta de moradores afetados por enorme poluição sonora.
Indenização devida...” (Ap. Cívvel nº
70041121880, 5ª Câm. Cív., TJ/RS, rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, j.
24.08.2011, in VLEX, versão gerada
pelo usuário Faculdade de Direito de Franca).
De efeito, este o aresto, em tema de
responsabilidade civil, julgou que o Município tem o dever jurídico de
fiscalizar e adotar medidas preventivas que evitem a poluição sonora. Assim
porque, o art. 30, inc. VIII, da Carta Magna estabelece a competência municipal
para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”,
e o art. 182 define que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por
objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes”.
Apesar de todo esse aparato
legislativo, a Folha de São Paulo, Caderno Ribeirão, de 29 de setembro de 2014,
estampou a seguinte notícia: “Evento de Barretos quebra recorde de maior tremor
de som”.
É de estarrecer a perfídia dos
promotores de espetáculo tão desnecessário quanto condenável: “A ideia é
mostrar aos que apreciam som, que é possível fazer o chão tremer, mas em lugar
apropriado, sem incomodar as outras pessoas”. Ora, o evento foi realizado no
Recinto da Festa do Peão, zona urbana, e executado, simultaneamente, por 600
veículos, criando “o maior tremor de terra provocado por aparelhos de som... o
equivalente a um tremor causado por 400 quilos de explosivos”. O sismógrafo
para medição foi colocado a 500
metros de distância. Como “sem incomodar outras
pessoas”? Porém a perfídia vai além: “... um dos organizadores do evento, disse
que a intenção com o recorde foi chamar a atenção para o som automotivo e
reunir quem gosta de música”. Ledo engano. Música e som explosivo não guardam
sinonímia. Figurar no Guiness Book como
o maior tremor de terra provocado por aparelhos sonoros não enaltece, em nada,
a atraente Barretos, pois se trata de crime ambiental.
6 Proposta conclusiva
Norberto Bobbio preconiza que
atualmente em relação aos direitos humanos não basta fundamentá-los, o
essencial é protegê-los.[31] E
se não assegurados pela via preventiva por meio de campanha educativa, o Poder
Judiciário destina-se a garanti-los. Urge utilizar os dois meios para que se
implantem políticas públicas que se ajustam ao cotidiano do cidadão no resgate
da cidadania. É o direito de caminhar pela calçada confortavelmente. De
preservar os espaços públicos para todos indistintamente, sem permitir privilégios.
O direito de repouso para a jornada de trabalho que, bastas vezes, começa na
madrugada do dia seguinte. Enfim, é o amplo direito de segurança, bem-estar e
saúde física, psicológica e mental.
É memorável o artigo de Fábio Konder
Comparato, publicado na Folha de São Paulo no dia 12 de agosto de 2004 sob o
título “As classes dominantes sempre atuaram por conta e no benefício exclusivo
dela”, comentando matéria divulgada na revista britânica The Economist, edição do dia anterior, a qual divulgou a pesquisa
em 18 países latino-americanos, onde 71% estão convencidos de que os governos são
voltados para os interesses das classes dominantes. É da pena do festejado
mestre as seguintes ponderações:
[...] a
verdadeira essência da democracia consiste na ação prioritária dos Poderes
Públicos em favor das classes pobres e dominadas. Tal significa dizer que a
ação política prioritária em favor dos fracos e pobres numa autentica
democracia, supõe a existência de um Estado forte e bem organizado,
constitucionalmente competente para impor a sua vontade às classes dominantes
no plano internacional. Ou seja, exatamente o oposto do Estado subserviente,
engendrado pelo atual capitalismo globalizante.
Na análise desta substanciosa advertência,
dispôs Urbano Ruiz, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Propõe,
assim, de um lado, a ampliação da competência dos órgãos estatais, cujo
preenchimento não está sujeito à influência das classes dominantes, como o
Judiciário e o Ministério Público, para que eles imponham ao Executivo e ao
Legislativo a elaboração e a ampliação de políticas destinadas à realização dos
direitos econômicos, sociais e culturais. Deposita esperanças reforçadas nos
juízes e promotores independentes, que ascenderam ao cargo mediante aprovação
em concurso, sem dever favores políticos e, por isso, qualificados para a
defesa de valores que permitam uma sociedade mais justa, igual e solidária. É
preciso, pois, que não decepcionem.[32]
Bem nesse sentido as três matérias
versadas, que visam exatamente transmudarem da vida do texto para a vida
prática o art. 182 da Constituição Federal, com a adoção de políticas urbanas
que objetivem o ordenamento do pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantam o bem-estar de seus habitantes.
Embora delas todos se aproveitem, a
classe dominante vive em bairros residenciais guarnecidos por calçadas bem
cuidadas, tem portas e janelas brindadas com antirruidos, frequenta
lanchonetes. De outro lado, a parcela mais numerosa da população e modestamente
representada pelos poderes eletivos, clama por essas providencias possíveis de
serem evitadas, pois encontram amplo conforto na legislação posta. Classe que, por
ser hipossuficiente em vários aspectos, desde a sua impotência econômica até pelo
desconhecimento quanto aos meios de defesa de seus mais lídimos direitos, mais
necessita do apoio dos órgãos públicos.
[1]
ROSAS, Roberto. A cidade e seu estatuto
jurídico, obra coletiva: O direito e
o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem
ao Professor Ricardo Pereira Lira. Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin
(coordenadores). Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 678.
[2]
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal
urbano, vol. I, 2 ed. São Paulo: RT, 1964, p. 307 e 308. BALTAR, Antônio
Bezerra, Introdução ao Planejamento
Urbano, 1947, p. 138.
[3]
MEIRELLES, Hely Lopes, id.. 307.
[4] MELLO,
Luiz Anhaia. Engenharia e Urbanismo,
1954, p. 7.
[6]
Capital Natural, Band News, entrevista com a Deputada Federal Mara Gabrili e
com o Diretor do Portal Mobilize Brasil Marcos de Souza, levado ao ar em 24 de
outubro de 2013.
[7]
ALENCAR, José de, crônica publicada 29 de outubro de 1854, sob o título: O Passeio Público. A flânerie. A limpeza e a
Câmara Municipal. Desembarque na Criméia. Um fenômeno teatral. In
crônicas escolhidas. São
Paulo: Editora Ática, s/d., p. 30 e 31. Nessa quadra, era notória a influência
francesa nos usos e costumes locais.
[8] ADORNO, Roberto. El Principio de Precaución: un Nuevo Standart Juridico para la Era Tecnologica. Diario La
Ley , Buenos Aires, jul. 2002, p. 1 e segtes. Eis parte do
texto: “En el caso de la prevención, la peligrosidad de la cosa o actividad ya
es bien conocida, y lo único que se ignora es si el daño va a producirse en un
caso concreto. Un ejemplo típico de prevención está dado por las medidas
dirigidas a evitar o reducir los prejuicios causados por automotores. En
cambio, el caso de precaución, la incertidumbre recae sobre la peligrosidad
misma de la cosa, porque los conocimientos científicos son todavía insuficientes
para dar una repuesta acabada al respecto. Dicho de otro modo, la prevención
nos coloca ante un riesgo actual, mientras que en la supuesto de la precaución
estamos ante un riesgo potencial.”
[9]
CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do
direito, tradução de Antônio Carlos Ferreira. São Paulo: Lujus, 1999, p.
103.
[10] MELLO,
Celso Antônio Bandeira de. Curso de
direito administrativo, 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 936 e 937.
[11] DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
administrativo, 23 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 654 a 657.
[12]
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro, 38 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 718.
[13] MUKAI,
Toshio. Direito administrativo
sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 527 e 528.
[14]
As conclusões e iterativa jurisprudência são extraídas do acórdão transcrito na
RT 863/347 a 350.
[15]
AZEVEDO. Antônio Junqueira de. Caracterização
jurídica da dignidade da pessoa humana. RT 797/22, grifo no original.
[16]
SILVA, Jorge Alberto Quadros de Carvalho. Responsabilidade
objetiva: o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, in Revista da Escola Superior da
Magistratura, ano 6, número 1, julho/dezembro de 2005, p. 29 a 40.
[17]
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade
pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 352.
[18]
BACCO, Sidnei di. Utilização particular
de bem público. www.tdbvia,com.br/arquivo/web/utilizaçao%20particular%20de%20bem%20publico.pdf,
acesso em 11.8.2014, 16h30.
[19]
DUTRA, Maria Stella Teixeira Fernandes. A
arquitetura de Batatais, de 1880
a 1930, vol. 2, 1993, p. 317 a 325, cópia do arquivo
pessoal.
[20]
Precedentes citados no corpo da decisão: RE 208.790, 1ª T., rel. Min. Ilmar
Galvão, DJ 15.12.2000, RE-AgRg. 368.060, 1ª T., rel. Min. Eros Graus, DJ
28.10.2005, RE-AgRg 372.658, 2ª T., rela. Mina. Ellen Gracie, DJ 03.02.2006.
[21]
MEIRELLES, Hely, obra citada, vol. I, p. 336 e 337. CAVALLAZZI, Rosângela
Lunardelli. Novas fronteiras do Direito
Urbanístico, in O direito e o tempo:
embates jurídicos e utopias contemporâneas – Estudos em homenagem ao Professor
Ricardo Pereira Lima. Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin (coordenadores). Rio
de Janeiro: Renovar, 2008, p. 700.
[23]
MONTEIRO, Washington de Barros. O uso
nocivo da propriedade. Revista Forense vol. 249, p. 395 a 399.
[24]
Resolução do CONTRAN nº 204, de 20.10.2006, regulamenta o volume e a frequência
dos sons produzidos por equipamento utilizados em veículos e estabelece a
metodologia para medição a ser adotada pelas autoridades de trânsito e seus
agentes.
[25]
MAGRINI, Rosana Jane. Poluição sonora e
lei do silêncio. Revista Jurídica, Porto Alegre, ano 43, nº 216, p. 20 a 23.
[26]
FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código
Civil: direitos das coisas, vol. 15, coordenador Antonio Junqueira de
Azevedo. São Paulo: Saraiva, p. 53. Nesse mesmo sentido, o estudo de Mário
Helton Jorge, Direito ao sossego, Paraná Judiciário, p. 31 a 44.
[27] DANTAS, F.C. de San Tiago. O conflito de vizinhança e sua composição.
Rio de Janeiro, 1939, p. 43.
[29]
LEAL, Rogério Gesta. Direito urbanístico:
condições e possibilidades da constituição do espaço urbano. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003, p. 148.
[30] Em
sentido contrário: RT 861/678.
[31] BOBBIO,
Norberto. A era dos direitos,
tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 63.
[32]
RUIZ, Urbano. A utilidade do Judiciário
para questionar e obrigar a Administração a desenvolver políticas públicas,
in Revista da Escola Superior da
Magistratura, ano 6, número 1, julho/dezembro de 2005, p.17 e 18.
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