CAPÍTULO I
1 Do
sistema fechado ao semiaberto. 2 Cláusulas gerais. 3 Conceitos legais
indeterminados. 4 Princípio da socialidade. 5 Princípio da eticidade. 6
Princípio da operabilidade.
1 DO SISTEMA FECHADO AO SEMIABERTO
Até pouco antes de alvorecer a metade do século passado,
a fórmula casuística de legislar, denominada de regulação por fatispécie, foi
fartamente utilizada nos textos normativos. Essa fase, conhecida como a Era da Codificação, propiciou na França,
em 1804, o surgimento do Códe Napoléon,
sistema fechado em que a atividade do interprete resumia-se a isolar o fato e identificá-lo
à norma aplicável. Tudo se resolvia pela casuística: a subsunção do fato à lei.
Em torno dos códigos inaugurou-se a Escola da Exegese[1],
que debatia a respeito da literalidade dos textos legais, pautando a ideia de
que nos códigos estariam as soluções para todos os fatos que o Direito
propunha-se a regular. Ao juiz o código. E servindo-se do código o juiz
infalivelmente resolveria o caso concreto. Do código o juiz não podia
afastar-se, pois ele era la bouche de la
loi.
No curso de tal panorama jurídico foram concebidos o
Código Civil do Chile de 1855, o primeiro Código Civil de Portugal de 1867, o
primeiro Código Civil da Itália de 1895, o Código Civil da Alemanha de 1900, o
Código Civil e o Código das Obrigações da Suíça de 1904, o primeiro Código
Civil brasileiro de 1916, e outros mais, tendo o modelo francês a inspirá-los.
Com o fim da última Guerra Mundial, o mundo experimentou
expressivo processo de transformações e incertezas, quando os juristas passaram
a conceber a ideia de que a técnica da perfeição da lei já estava ultrapassada.
A sociedade deixou de ter uma estrutura simples em que era possível ler em
tábuas o que é justo e injusto, o que é lícito e ilícito. A atual sociedade é
altamente complexa, aberta e de célere transformação, de modo que a prévia
previsão dos fatos criando leis que os regulamentam torna-se tarefa legislativa
inexequível. É o oportuno ensinamento do lusitano Paulo Otero:
A alternativa subjacente a
um cenário contrário, procurando encontrar na lei a resposta exacta para cada
problema concreto, isto num quadro idílico da mais completa vinculação
decorrente de um modelo silogístico-subsuntivo da aplicação da lei pela
administração e pelos tribunais, revelaria ainda uma muito maior imperfeição da
lei, observando-se que o cristalizador das previsões normativas conduziria à
sua rápida desactualização e a uma visível formulação lacunar da norma legal,
tal como uma estatuição fechada não responderia à multiplicidade de situações
diferentes e mostraria a incapacidade de adaptação da lei ao imprevisto. Em vez
de um Direito sujeito a um rápido processo de envelhecimento, a existência de
normas elásticas, permite que a lei respire a atmosfera social que a envolve,
adaptando-se melhor à vida através da imperfeição resultante da mobilidade do
seu conteúdo.[2]
Dentro dessa perspectiva contemporânea, ou se preferir pós-moderna,
deu-se o advento do segundo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002. O sistema passou de fechado para semi-aberto. Ao lado das
normas casuísticas outras foram introduzidas, permitindo maior liberdade ao
julgador na busca da justiça acordada na realidade social. São as cláusulas
gerais e os conceitos legais indeterminados.
2
CLÁUSULAS GERAIS
As cláusulas gerais são normas elásticas, apresentam
conceitos cujos vocábulos empregados pelo legislador têm densidade semântica
intencionalmente vaga e aberta, permitindo ao juiz preenchê-las com valores a
serem empregados no julgamento de cada caso singular. Não oferece a solução a
ser dada, de sorte não prevê a consequência jurídica, consentindo ao juiz criar
soluções, vale dizer, abre-lhe à função criadora.
São exemplos de maior interesse ao Direito das
Obrigações, o art. 421 que dispõe sobre a função
social do contrato, sem explicitar o que é função social; assim o art. 422 ao
referir-se a boa-fé objetiva e a probidade; o art. 1.228, § 1º, que adere
ao direito de propriedade o exercício em consonância com as finalidades econômicas e sociais, etc.
3
CONCEITOS LEGAIS INDETERMINADOS
Os conceitos legais indeterminados, com significado
paralelo às cláusulas gerais, são também normas elásticas, nas quais são
introduzidos conceitos propositadamente vagos e abertos, proporcionando ao juiz
preenchê-los com valores a serem empregados no julgamento de cada caso
singular, com a diferença de preverem a consequência jurídica, isto é, propõem como
o caso deva ser solucionado. Atiça a função criadora do juiz conquanto com
menor ênfase, pois cabe a ele a escolha de valores sociais que irão presidir o
caso em julgamento.
Assim, o art. 122 do Código Civil ao dispor sobre a
liceidade das condições que não contrariam a ordem pública e os bons
costumes; o art. 188, II, ao dispor que não constituem atos ilícitos os praticados
para remover perigo iminente; art.
927, parágrafo único, que preveja as atividades
de risco que conduzem à responsabilidade civil objetiva, dentre outros.
Embora nem todos civilistas façam a distinção entre
essas duas figuras, preferindo a denominação genérica de cláusulas gerais, cumpre
atentar à lição do casal Nelson e Rosa Nery:
[...] à primeira vista
poderia haver confusão entre as cláusulas gerais e os conceitos legais
indeterminados. Ocorre que em ambos há a extrema vagueza e generalidade, que
tem de ser preenchida com valores pelo juiz. Quando a norma já prevê a
consequência, houve determinação de conceito legal indeterminado: a solução a
ser dada pelo juiz é aquela prevista previamente na norma. Ao contrário, quando
a norma não prevê a consequência, dando ao juiz a oportunidade de criar a
solução, dá-se ocasião de aplicação da cláusula geral: a consequência não
estava prevista na norma e foi criada pelo juiz para o caso concreto. O juiz
pode dar uma solução em um determinado caso, e outra solução diferente em outro
caso, aplicando a mesma cláusula geral.[3]
Há de se notar, todas essas expressões, standards do Direito inglês, que compõem
a norma, têm como principal característica a impossibilidade de elucidação de
seus conceitos sem o recurso aos mais variados parâmetros de valoração
ético-social ou do costume.
De tal modo essas duas figuras mitigam as regras mais
rígidas ao dar maior mobilidade ao Código Civil, impedindo o seu envelhecimento
precoce em uma sociedade tão dinâmica como a atual. Nem por isso evitam as
críticas, pois trazem certo grau de incerteza ante a característica de sua
flexibilidade, uma vez que outorgam ao juiz grande margem discricionária ao preencher
o seu conteúdo com valores.[4]
Convenha-se, a liberdade judicial não é plena, pois os
valores não são aqueles próprios da convicção pessoal do magistrado, mas sim os
prevalentes na consciência social, que implicam no dever ético de lealdade e
cooperação nas relações intersubjetivas. Ou conforme prefere Claudio Luzzati, a
aplicação de tais conceitos exige a concreção da regra ética e de costume
preexistente, não significando um arbítrio às opiniões pessoais do julgador.[5] Tais
valores, portanto, devem ser extraídos diante do caso concreto na criteriosa
análise de suas circunstâncias fáticas e jurídicas, para que se encontre a
solução mais conveniente sob a ótica da justiça social.[6]
E não se olvide, o Direito Privado e o Direito Público
estão sempre submetidos aos valores e princípios constitucionais. É a
Constituição Federal que oferta a visão unitária e coerente do Direito, e que
eleva essa visão do interprete para o telos
do conjunto sistemático de normas. É dizer, a luz que ilumina a interpretação das
normas abertas deve ser sempre a constitucional, valores outorgados e não escolhidos
pelo aplicador da lei.
Bem por isso, na interpretação dessas normas abertas a
jurisprudência é de grande valia na função de estabelecer o seu alcance e
conteúdo, além de oferecer no correr do tempo certa segurança jurídica. É o que
assegura Judith Martins-Costa: “não pretendem as cláusulas gerais dar resposta,
previamente, a todos os problemas da realidade, uma vez que estas respostas são
progressivamente construídas pela jurisprudência.”[7]
Valendo-se, pois, das cláusulas gerais e dos conceitos
legais indeterminados foram introduzidos três princípios que Miguel Reale
chama-os de fundantes e, em profissão
de fé adverte “não por um vício de amar o trino”, que são: o da socialidade, o
da eticidade e o da operabilidade.
Os princípios são diretrizes maiores do ordenamento
jurídico, oferecendo às normas o seu verdadeiro sentido e alcance. Impõem a
realização de valores e sua característica essencial é a indefinição em relação
à situação fática, podendo aplicar-se a um número indeterminado de casos concretos.
Atuam como elos de ligação entre as normas com o que garantem o ordenamento
jurídico como um bloco sistemático harmonioso, consentindo a sua renovação
diante das transformações sociais.
4
PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE
O princípio da
socialidade leva ao entendimento de que os interesses individuais, embora
significativos para o ordenamento jurídico, não podem sobrelevar os interesses
sociais, por serem estes informativos da consciência coletiva. É a lição de
Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald:
O ordenamento jurídico
concede a alguém um direito subjetivo para que satisfaça um interesse próprio,
mas com a condição de que a satisfação individual não lese as expectativas
coletivas que lhe rodeiam. Todo direito de agir é concedido à pessoa, para que
seja realizada uma finalidade social; caso contrário, a atividade individual
falecerá de legitimidade e o intuito do titular do direito será recusado pelo
ordenamento.[8]
Busca suplantar o individualismo condenável sem cair no
coletivismo, cujo engano é despersonalizar um em favor do todo.
Pondera Norberto Bobbio:
Há individualismo e
individualismo. Há individualismo de tradição liberal-libertaria e o
individualismo de tradição democrática. O primeiro arranca o indivíduo do corpo
orgânico da sociedade e o faz viver fora do regaço materno, lançando-o ao mundo
desconhecido e cheio de perigos da luta pela sobrevivência, onde cada um deve
se cuidar de si mesmo, em luta perpétua, exemplificada pelo hobbesiano bellum ominium contra omnes [a luta do
homem contra o homem]. O segundo agrupa-o a outros indivíduos semelhantes a
ele, que considera seus semelhantes, para que da sua união a sociedade venha a
se compor não mais como um todo orgânico do qual saiu, mas como uma associação
de indivíduos livres. O primeiro reivindica a liberdade do indivíduo em relação
à sociedade. O segundo reconcilia-o com a sociedade fazendo da sociedade o
resultado de um acordo entre indivíduos inteligentes. O primeiro faz do
indivíduo um protagonista absoluto, fora de qualquer vínculo social. O segundo
faz dele protagonista de uma nova sociedade que surge das cinzas da sociedade
antiga, na qual as decisões coletivas são tomadas pelos próprios indivíduos ou
por seus representantes.[9]
Daí a assertiva de Miguel Reale: “Se não houve a vitória
do socialismo, houve o triunfo da socialidade.” E prossegue, o atual Código
Civil distingue-se por maior aderência à realidade contemporânea, o que leva a
repensar, dentro desta ótica, os direitos e deveres dos cinco principais
personagens do Direito Privado: o proprietário, o contratante, o empresário, o
pai de família e o testador.[10]
O Código Civil refere-se ao social explicitamente em
vários dispositivos. Pinçam-se alguns deles afetos à área do Direito das
Obrigações: a) ao considerar abusivo o
exercício de um direito (art. 187); b) ao falar diretamente na função social do contrato (art. 421); c)
ao prever a probidade e a boa-fé (art. 422); d) ao estabelecer a fixação
de indenização razoável pela
interrupção da empreitada (art. 623); e) ao dispor que o gestor de negócio
responde pelos danos causados por caso fortuito, quando realizar operações arriscadas (art. 868); f) ao inovar
com a responsabilidade civil objetiva decorrente da atividade de risco (art. 926, parágrafo único); g) ao exigir que a
propriedade deva ser exercida conforme as
finalidades econômicas e sociais (art. 1.228, § 1º).
Na verdade, a finalidade social integra a própria
natureza do Direito. Fora da sociedade não há Direito; vem desde os romanos o
apotegma ubi societas, ibi ius: onde está a sociedade, aí está o direito.
Qualquer homem isolado, tal qual o asceta ou o ermitão, pode ter problema moral
na relação consigo mesmo, ou problema religioso na relação com Deus, mas não
problema jurídico. Da obra de Daniel Defoe sai o exemplo de Robison Crusoé, que
viveu isolado em uma ilha do Caribe, não tinha problema jurídico, enquanto não
encontrou o nativo Sexta-Feira, ao relacionar-se com ele passou a ter. É nesse
contexto que o princípio da socialidade, como valor, centra as suas atenções no
interesse social, entendendo o interesse individual como referência relativa,
mas, repita-se, não sem lhe dar reconhecida importância.
Abrolha a questão: o princípio da sociedade pode colidir
com os direitos fundamentais (CF art. 5º) e os direitos da personalidade (CC
art. 11 a
21)?
A princípio a resposta é negativa. O princípio da
socialidade compromete-se com a inadiável busca de se construir uma sociedade
livre, justa e solidária, pela erradicação da pobreza e da marginalização,
reduzindo as desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III), plasmadas na
dignidade da pessoa humana (CF art.1º, III), impondo rigoroso reconhecimento dos
direitos fundamentais e dos direitos da personalidade, o que se constitui política
humanista e humanizadora. Maria Celina Bodin de Moraes assegura que a
solidariedade “é a expressão mais profunda de sociabilidade que caracteriza a
pessoa humana.” E conclui, na atualidade a Carta Magna exige “que nos ajudemos,
mutuamente, a conservar nossa humanidade, porque a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós”.[11]
Do exposto surge uma conclusão lógica, o princípio da
socialidade compõe uma ordem de complementaridade com o individualismo
democrático, encontrando vasto estuário nos direitos fundamentais e nos da
personalidade, porquanto o que ele pretende é expurgar o individualismo liberal-libertário,
evidentemente perverso, jamais despersonalizar o indivíduo em favor do todo.
Em outro enfoque é lídimo afiançar, se no caso concreto
estabelecer-se a colisão proposta, prevalecem os princípios imanentes do
sistema e do bloco de constitucionalidade, segundo os quais o centro do direito
é a dignidade da pessoa humana e os valores que lhe são intrínsecos. É a prevalência dos direitos humanos
imposição expressa da Carta Magna (art. 4º, II).
Todavia, nada no Direito é absoluto, dessa forma cumpre
outra ordem de consideração que é o dever de proteção em face da coletividade.
No Estado Democrático de Direito os direitos fundamentais e os direitos da
personalidade não podem ser vistos pelo estreito enfoque individual, sem a
indispensável proteção dos direitos integrantes da sociedade. Se eles
prevalecerem, em todas as circunstâncias, será danoso à ordem pública e às
liberdades alheias. Afirma com lucidez Ernani Menezes Vilhena Júnior: “Privilegiar
o direito fundamental do indivíduo com grave prejuízo aos direitos fundamentais
da sociedade implica inexorável ofensa a valores assegurados a todos.”
Escorado na doutrina portuguesa de Dayse de Vasconcelos
Mayer, o citado autor prossegue enumerando as seguintes e apertadas
circunstâncias:
a) quando necessário assegurar a própria continuidade e sobrevivência da
ordem jurídica;
b) se estiver em grave risco um bem jurídico que somente pode ser
preservado pela restrição da liberdade;
c) quando todos e não alguns sejam abrangidos por medidas de
excepcionalidade adotadas pelo Estado;
d) nas situações excepcionais e transitórias, isto é, que dure apenas
enquanto permanecer a situação de perigo iminente.[12]
Para tanto dois princípios são indicados, os da
razoabilidade e da proporcionalidade. Sem dúvida, seus conceitos são relativos
por excelência, devendo ser inferidos a partir do senso comum ou padrão médio
dos indivíduos. É razoável e proporcional tudo o que o corpo social admite como
solução equânime para determinada situação singular, por estar de conformidade
com o interesse público.[13]
5
PRINCÍPIO DA ETICIDADE
Agir com eticidade significa elevar-se como pessoa
humana, procedendo de maneira proba e leal na consideração de valores que
exigem o respeito e o apreço aos direitos e interesses alheios.
Evidente que a eticidade evoca a ética, e esta
significa o “eu” reconhecer, respeitar e reverenciar o “outro”, assim
entendendo: “o outro sou eu mesmo”, são palavras do Apóstolo Paulo: “... cada
um de nós somos membros um do outro” (Romanos 12, 5). Machado de Assis, no
conto “O Espelho”, um esboço de uma nova teoria da alma humana, coloca na boca
do taciturno Jacobina, que o homem, metafisicamente falando, é uma laranja,
quem perde uma das metades, perde metade da sua existência, ou seja, uma metade
é o “eu” e a outra metade é o “outro”.
A eticidade, contudo, não se alarga ao ponto de o
Direito consagrar tudo que é moral, por comportar normas amorais, assim as que
se referem ao trânsito como, por exemplo, ao estabelecer uma rua de mão única ou
direcioná-la do centro para o bairro. Mas o Direito nega e rejeita a imoralidade.
Pode-se afirmar, porém, que os fundamentos da
eticidade permeiam o ordenamento jurídico, incutindo-lhe os valores de justiça,
solidariedade e dignidade da pessoa humana. De efeito, a eticidade é valor que
abrolha do princípio da dignidade humana. Princípio abrigado praticamente em
todas as legislações dos países ocidentais, como nas Constituições de Portugal
e Alemanha.[14]
São exemplos que tocam os direitos
obrigacionais: a) art. 50 do Código Civil: em caso de abuso da personalidade jurídica, o juiz poderá desprezá-la e
sancionar os sócios abusivos (falta de eticidade); b) art. 110: pune-se a reserva mental (falta de eticidade) na manifestação da vontade quando da
realização do negócio jurídico; c) art. 113: os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé (eticidade);
d) art. 167 caput: é nulo o negócio jurídico simulado (falta de eticidade), mas são ressalvados os direitos de
terceiro de boa-fé (eticidade), art.
167, § 2º; e) art. 187: considera-se ato ilícito o exercício abusivo de um direito (falta de eticidade); f) art. 421: a
liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (eticidade);
g) art. 422: os contratantes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé (eticidade); h) art. 589, V: é
ineficaz o mútuo feito a menor, salvo se ele obteve o empréstimo maliciosamente
(falta de eticidade); i) art. 896: protege o portador de boa-fé (eticidade) contra a reivindicação de título de
crédito; j) art. 1.258 e parágrafo único: aquele que constrói em seu solo e
invade parcialmente solo alheio, se agiu
de boa-fé (eticidade) adquire a parte do solo invadido, indenizando o valor
da área perdida e a desvalorização da área remanescente, mas se agiu de má-fé (falta
de eticidade) a indenização será em décuplo.
Dos exemplos colacionados muitos
são comuns aos princípios da socialidade e da eticidade que se entrelaçam, um
completando o outro, de modo são duas veredas aplainadas por valores similares.
Tanto assim, que o princípio da socialidade nasce de um dever ético, que obriga
o titular de um direito subjetivo harmonizar o seu interesse ao interesse
social. De outra face, a eticidade, tendo por proposta o comprometimento do
Direito com ideais de alta estima de uma comunidade, está intimamente ligada ao
paradigma socialidade, pois somente assim poderá ter um significado realmente
edificante.[15] É a
sabedoria nata dos africanos, que usam a palavra ubuntu a significar: “eu sou o que sou porque pertenço à
comunidade”, ou “eu sou o que sou através de você, e você é você através de
mim”, portanto “todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes.”
O certo é que esses dois
princípios trouxeram ao Código Civil uma nova dinâmica, ou se constituem em
paradigmas que rompem com o formalismo técnico-jurídico próprio do
individualismo que antecede a metade do século passado, ampliando as normas
inscritas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O art. 4º ao
atribuir maior valoração à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito.
E o art. 5º em que o juiz deverá atender aos fins sociais e às exigências do
bem comum. De efeito, ao juiz é assegurada a necessária liberdade de distribuir,
em cada caso singular, o julgamento mais equânime, o que conduz ao justo anseio
dos jurisdicionados.
Cabe uma ressalva, o Código Civil
de Reale acrescentou, com relação ao Código Civil de Bevilaqua, novos artigos,
nos quais da boa-fé ou da má-fé decorrem consequências jurídicas, ampliando e
melhorando o princípio da eticidade, logo não lhe é exclusivo. De efeito, são
exemplos de eticidade no Código Civil revogado, dentre outros, os artigos 510, 513 a 515, 550, 551, 612,
613, 616, 933, parágrafo único, 968, 1.002, 1.072, 1.073, 1.318 e 1;321, 1.443.[16]
6 PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE
O princípio da operabilidade foi
inspirado no Direito alemão, e segundo Miguel Reale: “o Direito é feito para
ser executado; Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação
criadora – é chama que não aquece, luz que não ilumina.”[17]
Lembra a parábola da lâmpada: “Por acaso toma-se uma lanterna para colocar
debaixo do alqueire ou do leito? Por acaso não é para colocar sobre o candelabro”
(Mc. 8, 21). Explica Norberto Bobbio: “Finalmente, descendo do plano ideal ao
plano real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e
cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra
coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva.”[18]
Proteção efetiva significa que as novas
normas têm mais clareza redacional, tornando-as de mais fácil operabilidade no
caso concreto, de modo a estabelecer soluções normativas que facilitem sua
interpretação pelo operador do Direito, isto é, o acesso da vida dos textos
para a vida prática. Para tanto, o Código vigente abandonou a redação esmerada,
até clássica do Código revogado, mormente depois da revisão de Ruy Barbosa. Sua
linguagem é menos rebuscada, mais inteligível, ao alcance do jurisdicionado e de
tal modo devem ser dirigidas as decisões judiciais.
Supera também as dúvidas
remanescentes do sistema passado, por meio de metódica análise da
jurisprudência. Exemplo marcante é o art. 330 do Código Civil, que abraçou a
jurisprudência ao introduzi-la em preceito escrito.
O mesmo se deu com a prescrição e
a decadência. Afastaram as dúvidas suscitadas pelas teorias estéreis que até
então proliferaram, pouco esclarecendo. Ficou nítida a diferença entre ambas. A
orientação geral é a seguinte: os casos de prescrição estão contidos nos arts.
205 e 206, da Parte Geral. Em todos os demais casos, em regra, o prazo
extintivo é decadencial.
Ademais, cabe uma nova leitura do
direito processual. Há de convir, o direito material sobreleva o instrumental.
Quem ingressa em juízo visa à efetivação, por meio do direito subjetivo, o que lhe
confere o direito objetivo, não para discutir normas puramente processuais. São
cada vez mais arcaicas e odiosas as decisões privilegiadamente processuais, quando
a forma supera o conteúdo. Direito material e direito instrumental devem manter
um diálogo permanente de maneira que o segundo facilite com normas claras e de fácil
operabilidade o primeiro, inclusive preocupando-se com as decisões em tempo útil,
desburocratizando o processo que deve contemplar a verdade material.
De todo o expendido a conclusão é
dual. A uma, indica que o Livro do Direito das Obrigações e os demais Livros do
Código Civil devem ser lidos na consideração dos três princípios expostos, para
a boa e cabal interpretação de suas normas dentro de novos paradigmas que os afetam
diretamente, tornando-os atuais e efetivos em uma sociedade que experimenta
mudanças constantes ante o dinamismo que caracteriza a vida contemporânea. A
duas, as decisões judiciais não podem mais se contentar com a verdade formal,
chamada por alguns de segurança jurídica, a nova leitura está a exigir a busca
da verdade material, pois só assim se restabelece a paz social quebrada pelo
conflito de interesses. É um basta à perfídia “do faz de conta” de que a
justiça foi distribuída, fazendo crer que o Poder Judiciário apenas dirime
conflitos de interesses.
Assim entendendo há de se admitir,
o Código Civil de Reale é principiológico, um sistema semiaberto, pois ao lado
das normas casuísticas perfilam as cláusulas gerais e os conceitos legais
indeterminados, dando flexibilidade ao sistema.
RESUMO
Sistemas
de codificação:
1) Sistema fechado: é a casuística,
resolve-se pela fatispécie: a subsunção do fato à lei. O juiz não pode
afastar-se do texto legal. Sistema pugnado pelas Escolas da Exegese e dos
Pandectas. Perdeu importância, especialmente a partir de meados do século XX.
2) Sistema semiaberto: além da casuística
figuram as cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados.
As cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados são
normas propositadamente vagas e abertas, que se ajustam ao caso concreto
mediante valoração, permitindo mobilidade ao sistema, evitando o seu precoce
envelhecimento diante de uma sociedade dinâmica, em constante mudança. As
primeiras não preveem a consequência jurídica; as segundas, sim. Ofertam maior
elasticidades às decisões judiciais, sempre na busca de se fazer justiça no
caso concreto.
3) Princípios: são diretrizes maiores do
ordenamento jurídico e oferecem às normas seu real sentido e alcance. Podem ser
aplicados a um número indeterminado de casos. Dão unidade ao ordenamento
jurídico e também lhe permitem constante renovação diante das transformações
sociais.
a) Princípio da socialidade: dá ênfase ao
interesse social, pois o Direito, sendo uma forma realista, não pode ser
concebido sem que se considere a sociedade que ele deve regular, dando, porém,
a reconhecida importância aos direitos individuais. Os direitos fundamentais
previstos na Constituição Federal e os direitos da personalidade previstos no
Código Civil são amplo estuário desse princípio. Devem ser conjugados
harmoniosamente, uma vez que o exercício desses direitos individuais, em
sentido absoluto, pode trazer grave ofensa à ordem pública e às liberdades
alheias.
b) Princípio da eticidade: a ética deve
informar o Direito, isto é, o Direito é, sobretudo, ético. E Ética é entender o
outro como se fosse o próprio eu. O Direito não consagra tudo que é
moral, mas o Direito não se compadece com a imoralidade. Está em constante
diálogo com o princípio da socialidade.
c) Princípio da operabilidade: a lei deve
ser clara, para que todos possam entendê-la e para que opere a sua
transferência da vida do texto para a vida prática, afastadas interpretações
meramente protelatórias, que trazem morosidade à distribuição da justiça.
Direito Civil e Direito Processual Civil devem manter um diálogo profícuo,
sendo que o segundo é instrumento do primeiro, devendo facilitar o
reconhecimento dos direitos de quem procura a justiça, especialmente editando
normas que possibilitem decisões em tempo hábil.
CAPÍTULO II
1
Topografia no Código Civil: Livro I da Parte Especial. 2 Conceito de Direito
das Obrigações. 3 Acepção da palavra obrigação. 4 Acepções de dever jurídico,
ônus e sujeição.
1 TOPOGRAFIA
DA TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES NO CODIGO CIVIL O
Código Civil de Bevilaqua é um monumento do Direito, negar seus extraordinários
méritos é inconcebível, porquanto o seu texto representa um patrimônio jurídico
de valor inestimável. Sob a sua vigência foram esculpidas doutrina e
jurisprudência hoje muito aproveitáveis, constituindo um acervo obrigatório de
consulta e pesquisa. Contudo, é fruto de sua época o Estado Liberal e de uma
sociedade predominantemente agrária.[19] Era,
pois, uma sociedade estável e conservadora, recém liberta da mácula da
escravidão. Seguiu o modelo da Compilação das Leis Civis de Augusto Teixeira de
Freitas,[20] o
grande jurista pátrio do século XIX, ao contemplar duas partes. Uma, a Parte
Geral, detalhando o negócio jurídico nos seus aspectos subjetivo e objetivo;
outra, a Parte Especial, em
cinco Livros cada qual dedicado à matéria específica. Preferiu
a ordem de valores, por isso normatizou antes o Direito de Família, seguido
pelo Direito das Sucessões e reservou o Livro III para o Direito das Obrigações.
A inovação do Código Civil de Reale foi deslocar para o Livro I o Direito
das Obrigações, imediatamente depois da Parte Geral, antecedendo o Direito de
Empresa (Livro II), o Direito das Coisas (Livro III), o Direito de Família
(Livro IV) e o Direito das Sucessões (Livro V).
É a sequência do Código Civil da
Alemanha, seguida pelo Código Civil de Portugal. Disposição mais didática,
porquanto os demais Livros da Parte Especial contêm matéria relacionada às
obrigações o que, por lógico raciocínio, torna-se mais fácil entendê-los depois
de conhecer o Direito das Obrigações.
Considera-se ainda que a sociedade atual, marcadamente urbana, além de contaminada
pelo problema econômico em que, de modo geral, a pessoa contrata antes de
tornar-se titular de algum direito real, isto é, antes de ser proprietário de
alguma coisa, também se obriga antes de constituir família pelo casamento, ou
mesmo de adquirir patrimônio por sucessão, em regra.[21]
Por sua vez, a Parte Geral do Código
Civil dispõe matérias que serão imprescindíveis ao estudo do Direito das
Obrigações, destacando entre outras no Livro I a pessoa natural e a jurídica
que protagonizam o Direito, pois são capazes de direitos e deveres na órbita civil
(CC art. 1º). Com ênfase especial aos direitos da personalidade (CC arts. 11 a 21), matéria de há muito
contemplada pela Constituição Federal, sistematizada pela primeira vez no
Direito Privado passa a ser de especial consideração na interpretação e na
aplicação prática das normas do Direito das Obrigações. Ademais, a sua ofensa é
fonte de obrigação, tipifica o dano moral.
O Livro II da Parte Geral aborda os
bens imóveis e móveis, fungíveis e consumíveis, divisíveis e indivisíveis,
singulares e coletivos (CC arts. 79
a 103), os quais são de significativa importância para a
Teoria Geral das Obrigações ao estudar mormente as obrigações de dar.
Quanto ao Livro III, o mais extenso
dos três que compõem a Parte Geral, prepondera a necessidade de se rememorar o
negócio jurídico (CC arts. 104
a 114), pois a obrigação é um negócio jurídico, é uma
relação entre pessoas, somente a pessoa natural e a jurídica têm personalidade,
apenas elas são capazes de exercer direitos e de assumir obrigações, como regra
geral, o que não exclui uma ou outra exceção ao tratar dos entes
despersonalizados.
Os efeitos do negócio jurídico, existência,
validade e eficácia, bem ainda os vícios de consentimento: erro ou ignorância,
dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores são aplicados ao
direito obrigacional (CC arts. 138
a 165). Entram nesse contexto as anulabilidades e as
nulidades (CC arts. 166 a
184). Ver-se-á também que a condição, o termo e o encargo correspondem
modalidades de obrigações (CC arts. 121 a 137).
Outra matéria de vital consideração
para o estudo das obrigações é ato ilícito, o absoluto previsto no art. 186 e o
do art. 187 ao conceituar o abuso de direito.
A Parte Geral estuda ainda a
prescrição e a decadência, que é a extinção da pretensão do direito de ação ou
a perda do próprio direito pelo decurso de tempo, o que se aplica ao negócio
jurídico obrigacional (CC arts. 189
a 211).
Bem por isso, a Parte Geral, que
incorporou no seu texto princípios constitucionais, constitui o pórtico de
entrada do Código Civil, sendo indispensável o seu conhecimento para que se
entenda os demais Livros da Parte Especial.
Eis o Livro I da Parte Especial do Código Civil:
PARTE
ESPECIAL
Livro
I
Do
Direito das Obrigações
Composto por dez títulos, este livro
aborda as regras atinentes à Teoria Geral das Obrigações, aos contratos em
espécies, à responsabilidade civil e às preferências e privilégios creditórios.
Título
I
Das
Modalidades das Obrigações (arts. 233
a 285)
Trata as modalidades de
obrigações, com destaque para as três divisões básicas: as obrigações de dar,
fazer e não fazer.
Título
II
Da
Transmissão das Obrigações (arts. 286
a 303)
As obrigações podem ser
transmitidas de um devedor para outro, ou de um credor para outro.
Título
III
Do
Adimplemento e Extinção das Obrigações (arts. 304 a 388)
Demonstra que o pagamento direto ou
indireto extingue a obrigação, alforriando o devedor de sua prestação por
satisfazer o direito do credor.
Título
IV
Do
Inadimplemento das Obrigações (arts. 389 a 420)
Trata da obrigação não cumprida
pelo devedor e as suas consequências, especialmente o direito do credor de
investir contra o patrimônio do devedor até que tenha o seu crédito satisfeito.
Os Títulos V a XIII (arts. 421 926)
Disciplina os contratos em geral,
desde as disposições gerais, as formas de extinção, até as suas várias espécies,
os denominados típicos ou nominados, os atos unilaterais e os títulos de
crédito.
Título
IX
Da
Responsabilidade Civil (arts. 927
a 954)
Para se exigir o cumprimento da obrigação, emergem duas espécies de tutela
a específica em que o adimplemento é perseguido conforme a obrigação foi
contratada, e a genérica pelas perdas e danos, uma indenização em dinheiro, nesta
última entra no cenário a responsabilidade civil.
Título X
Das Preferências e Privilégios
Creditórios (arts. 955 a
965)
Preveja a insolvência civil e distingue os créditos entre os de igual preferência
e os que gozam de privilégio em geral sobre os bens do devedor.
2 CONCEITO DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Do clã primitivo à cibernética, a humanidade escreve a sua história timbrada
pela sociabilidade, é a convivência ou a comum união (comunhão), por imperativo
de sua própria natureza. Nesse ambiente compartilhado, com sua capacidade
inventiva a pessoa humana cria meios hábeis e idôneos para conseguir a satisfação
de suas necessidades materiais e imateriais, tanto as primárias como as
supérfluas. E a sociedade exige ordenamento, cabendo ao Direito, com suas
regras, disciplinar as relações sociais que se estabelecem cada vez mais
intrigantes e complexas.
A vida humana trata-se, por conseguinte, de incessante interação intersubjetiva
estabelecendo relações jurídicas, algumas delas de caráter patrimonial, porquanto
criam um vínculo entre pessoas, limitando sua liberdade, de sorte obriga uma
pessoa, chamada devedor, a fornecer determinada prestação à outra pessoa,
chamada credor.
Pode-se, assim, conceituar o Direito
das Obrigações:
É o ramo do Direito Civil que conjuga as
normas que disciplinam as relações jurídicas patrimoniais, tendo por objeto a
prestação de um sujeito em proveito de outro.
O Direito das Obrigações rege, dessa
forma, as relações jurídicas entre o débito e o crédito, regulamentando
as relações interpessoais em que uma pessoa, ou mais, encontra-se na situação
de débito, e outra pessoa, ou mais, com o direito de receber um crédito.
É o ramo do Direito Civil que disciplina as relações jurídicas de caráter
econômico.
Dessa interação entre devedor (debitor)
e credor (creditor) surge a obrigação (obrigatio), ou relação jurídica obrigacional, que obriga o devedor
a cumprir a prestação debitória, e arma o credor com o direito de exigir e
receber essa mesma prestação, para ele creditória. Logo, a finalidade da
relação jurídica obrigacional é a satisfação de um interesse legítimo do credor.
Interesse legítimo é todo interesse útil e sério sob o ponto de vista do
ordenamento jurídico.
Demais disso, é o ramo do Direito em que o hermeneuta, diz Caio Mário da
Silva Pereira, deve reportar-se mais do que em outros setores ao Direito
Romano. E completa:
É certo que
fatores diferentes têm atuado na sua etiologia, sem contudo alterar-lhe a
essência. Se focalizarmos o excessivo rigor individualista do Direito Romano, o
notório pendor espiritualista medieval, ou a influência socialista marcante do
direito moderno, e analisarmos, às respectivas luzes, a estruturação dogmática
da obrigação, não encontramos diversidade essencial.[22]
Em outras palavras, o Direito das
Obrigações tem início no Direito Romano e guarda as suas raízes históricas,
assim porque, mesmo apegados ao exagerado formalismo até relegando o conteúdo, os
jurisconsultos romanos desenvolveram lucidamente os fundamentos essenciais das
relações jurídicas obrigacionais, dessa forma as diversas alterações sofridas
tiveram por objetivo a adaptação às realidades sociais que se sucederam. O
Direito não é estático, é dinâmico, sempre experimenta mudança, isto é, acompanha
as mudanças do meio social que ele se dispõe regulamentar.
E na atualidade o Direito das
Obrigações caminha na direção de melhor realizar o equilíbrio social, sendo que
não se direciona apenas na preocupação moral de impedir a exploração do fraco
pelo forte, como ainda de sobrelevar o interesse coletivo arredando os interesses
individuais de cunho deploravelmente egoístico, o referido individualismo de tradição
liberal-libertária.
Corrige as injustiças a que foi
conduzido, na órbita política e econômica, pelo liberalismo eminentemente
materialista. Seu conteúdo é mais humano, social e ético. Enfim, tende para a eticidade
e a socialidade na conformidade das convicções a esse respeito dominantes.[23]
3 ACEPÇÕES DA
PALAVRA OBRIGAÇÃO
Na linguagem comum, a palavra
obrigação é emprestada para designar, de modo indiscriminado, todos os deveres
e ônus de natureza jurídica ou extrajurídica. Na primeira acepção, a jurídica, se
diz que o vendedor é obrigado a entregar a coisa vendida, e o comprador a pagar
o preço correspondente. Na segunda, a extrajurídica, pode referir-se a dever
religioso: todo crente tem a obrigação de amar a Deus; ou a dever moral:
todos têm a obrigação de respeito para com o outro; ou a dever de
cortesia: o mais jovem tem a obrigação de ceder o seu lugar ao mais
idoso, ou o homem à mulher etc.
Nesse sentido amplo, o vocábulo
obrigação é sinônimo de dever. Deveres jurídicos e não jurídicos são designados
ordinariamente de obrigação. São comuns expressões como: todos são obrigados
a respeitar a vida, a integridade física e moral das demais pessoas; todos
são obrigados a respeitar a propriedade alheia. Também guarda sinonímia
com ônus. Da mesma forma ouve-se: quem alega é obrigado a provar; quem
tem escritura pública é obrigado a registrá-la para se tornar
proprietário de um bem imóvel. E por vezes, a palavra obrigação é
empregada no sentido de sujeição. São sentidos ou significados impróprios pela
falta de precisão técnico-jurídica.
O
sentido ou significado técnico-jurídico que interessa, como já salientado, é
muito mais estreito. Obrigação se presta para significar a
regulamentação do vínculo jurídico estabelecido entre devedor e credor, seja em
virtude da lei (ex legis) ou do
contrato (ex contractus), tendo por
objeto determinada prestação.
4 ACEPÇÕES DE DEVER JURÍDICO, ÔNUS
E SUJEIÇÃO
Cabe recordar o que são direitos
objetivo e subjetivo. Direito objetivo
é o conjunto de normas jurídicas que rege a conduta humana na vida em
sociedade, prescrevendo uma sanção direta ou indireta no caso de sua
transgressão. É norma de agir dotada de sanção. Está nos códigos, nos
microssistemas, nas leis. Vale a clássica máxima romana: jus est norma agendi. Daí o dever jurídico trata-se
de uma imposição do direito objetivo dirigida a todos indistintamente, a fim de
que seja adotado determinado comportamento coerente com a vida em sociedade,
sob pena de, violando-o, submeter-se à sanção prescrita.
Toma-se o direito de propriedade que outorga ao proprietário as
prerrogativas de usar, gozar, dispor e reivindicar os seus bens (CC art. 1.228).
Se alguém atentar contra essas prerrogativas, a lei impõe ao transgressor uma
sanção. Outro exemplo, o dever jurídico de respeitar a vida e a
integridade física e moral das pessoas, se alguém matar a lei impõe uma sanção,
não apenas penal (CP art. 121), mas também cível, pois o art. 948 do Código Civil
dispõe que no caso de homicídio a indenização consiste no pagamento de
alimentos às pessoas a quem o morto os devia, além de outras verbas. No caso de
lesão corporal (CP art. 129) o art. 949 do Código Civil impõe ao ofensor
indenizar o ofendido das despesas de tratamento e dos lucros cessantes até
final convalescência. São imposições cogentes que a todos cabem cumpri-las. O desrespeito
ao dever jurídico corresponde a submeter à sanção prescrita. Nota-se, o cumprimento
do dever jurídico satisfaz um direito subjetivo alheio.
Direito
subjetivo que é o poder de ação contido na norma, a faculdade de exercer o
direito objetivo. Ou o poder atribuído à vontade da pessoa de exigir o que lhe
é deferido pelo direito objetivo, respeitados os seus limites. É o aforismo repetido secularmente: jus est facultas agendi. No âmbito civil,
a vítima de lesões corporais pode resignar-se, como pode insurgir-se contra o
ofensor; é uma faculdade que lhe é dada e nessa faculdade encontra-se o direito
subjetivo.
Daí o ônus também implica na necessidade
de se conduzir de certa forma no exercício do direito subjetivo, não por
imposição direta do direito objetivo, nem para satisfazer direito de outrem, pelo
contrário, volta-se no resguardo ou defesa de direito próprio. E por não ser
imposição do direito objetivo, não gera sanção. Suponha-se que uma pessoa
invente determinada coisa, ela só terá a titularidade de seu invento se tirar
patente. O direito objetivo oferece ao descobridor a faculdade para que
patenteie o seu invento, não o obriga. Por conseguinte, o ônus é um meio de se obter
uma vantagem ou, pelo menos, de se impedir uma desvantagem, por isso trata-se
de um dever livre, na expressão de
Antunes Varela,[24] exercitá-o
quem assim o quiser. Outras vezes, o ônus pode recair sobre um bem, é o ônus
real como a cláusula de inalienabilidade, que não permite, como se deduz, a
alienação do bem clausulado, o que será objeto de estudo no Direito das Coisas.
Sujeição é o contrapolo do
direito potestativo, aquele que depende de uma só vontade.[25] Na
sujeição a relação jurídica se caracteriza por uma parte encontrar-se em
posição de potestade, em situação de poder em relação à outra, que assim está
em situação de submissão ou sujeição. O contrato de seguro de pessoa (CC
art.789), que já foi denominado de contrato de seguro de vida, conjuga três
personagens: o segurado, a seguradora e o beneficiário. O segurado nomeia na
apólice de seguro, por exemplo, como beneficiária a sua esposa. Depois, entretanto,
prefere que os beneficiários sejam os filhos. Considerando simplesmente a sua
única vontade, o segurado substitui a esposa pelos filhos. Depende somente de
sua vontade, é um direito potestativo. A esposa por estar em situação de
sujeição não pode opor-se. Outra passagem também se presta: quem outorga uma
procuração pode a qualquer momento revogá-la, depende de uma única vontade, a do
outorgante, dispensado o consentimento da outra parte, o do outorgado.
Dever jurídico, ônus e sujeição,
expressões com significados diferentes, também não guardam sinonímia com
obrigação.
Como já dito e vale reforçar, a obrigação
é uma relação jurídica estabelecida entre dois polos contrapostos, de um
lado o devedor (polo passivo), aquele a quem cabe adimplir a prestação, e de
outro lado o credor (polo ativo), aquele que tem o direito de exigir e receber
essa prestação. Sempre pressupõe esse binômio: devedor e credor. Cumprida a
prestação exaure-se a obrigação. O aluno que cursa uma escola tem a obrigação
de pagar a mensalidade, por seu turno, a escola tem a obrigação de
ministrar aulas e demais atividades didático-pedagógicas inerentes ao curso; o
locador tem a obrigação de entregar a coisa locada ao locatário, e este
a obrigação de pagar o aluguel àquele.
A obrigação sempre conjuga três elementos: o elemento subjetivo: devedor e credor; o elemento objetivo: a prestação propriamente dita; e o elemento espiritual, também chamado de vínculo jurídico, que é a disciplina que
une o devedor ao credor e obriga ao cumprimento da prestação avençada, como será
abordado logo adiante. Para Orlando Gomes, com muito acerto, a obrigação é uma
espécie do gênero dever jurídico.[26] O
dever jurídico é muito mais amplo porque também se refere à relação jurídica
não patrimonial, como o dever dos cônjuges de mútua assistência, ao passo que a
obrigação é sempre uma relação jurídica patrimonial.
RESUMO
1)
O Direito das Obrigações está
inserido no Livro I, da Parte Especial, do Código Civil, arts. 233 a 965. Contamina os
diversos livros do Código Civil, que lhe são posteriores, e é bafejado por
inúmeros institutos da Parte Geral, os quais merecem revisão.
2)
Conceito de Direito das Obrigações: é
o ramo do Direito Civil que conjuga as normas que disciplinam as relações
jurídicas patrimoniais, tendo por objeto a prestação de um sujeito em proveito
de outro.
3)
Acepções de obrigação, dever jurídico,
ônus e sujeição
a)
Obrigação, no sentido
técnico-jurídico, presta-se para significar a regulamentação do vínculo
estabelecido entre devedor e credor, seja em virtude da lei ou do contrato,
tendo por objeto determinada prestação.
b)
Dever jurídico é uma imposição do direito
objetivo dirigida a todos indistintamente, a fim de que seja adotado
determinado comportamento coerente com a vida em sociedade, sob pena de, violando-o,
submeter-se à sanção prescrita. O cumprimento do dever jurídico satisfaz
direito subjetivo de outrem.
c)
Ônus é um meio de se obter uma
vantagem ou, pelo menos, evitar uma desvantagem, tratando-se de um dever livre.
Volta-se no resguardo ou defesa de direito próprio. Não gera sanção.
d)
Sujeição é a relação jurídica que se
caracteriza por uma parte encontrar-se em posição de poder em relação à outra,
que assim está em situação de submissão ou sujeição.
CAPÍTULO III
1 Conceito de obrigação. 2 Elementos estruturais das
obrigações: subjetivo, objetivo e vínculo jurídico. 3 Fontes das obrigações:
imediata e mediatas.
1 CONCEITO DE
OBRIGAÇÃO
Conceituar é tarefa da doutrina,
não da lei. Em regra, o legislador somente conceitua quando a enunciação do
conceito abstrato torna-se necessária ou conveniente ao conhecimento e
aplicação fiel das normas práticas.[27] O
conceito de obrigação não foge à regra, é dado pela doutrina.
O conceito moderno, ainda que mais
detalhado, tem o seu ponto de partida nas Institutas, que é a consolidação das leis de
Justiniano, a denominada Corpus Juris Civilis do Direito Romano, datada
de 529 d. C.,[28] que
dispõe: obligatio est juris vinculum quo
necessitate adstringimur, alicuius solvendae rei, secundum nostrae civitatis
jura, no vernáculo: obrigação é um vínculo jurídico, pelo qual somos
constrangidos a pagar a alguém qualquer coisa, segundo as leis da cidade. Esta
última frase segundo as leis da cidade
está relacionada à situação particular dos romanos, devendo ser arredada do
conceito atualizado, que fica assim resumido: obrigação é um vínculo jurídico,
pelo qual somos constrangidos a pagar a alguém qualquer coisa.
Washington de Barros Monteiro, com a
lucidez que lhe é peculiar, formula conceito mais explicativo, no entanto não
diferente na essência:
É a relação
jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo
objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida
pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu
patrimônio.[29]
Detalhando
o conceito.
a) A
obrigação é uma relação jurídica.
Relação jurídica é o vínculo existente entre pessoas, em virtude da lei
ou do contrato, que cria direitos e deveres. Pressupõe a manifestação da
vontade livre de quaisquer vícios, para que opere a sua validade e eficácia. Logo,
é toda relação prevista e regulada pelo direito que as pessoas estabelecem na
vida em sociedade. Em
regra, é instrumento da autonomia privada, isto é, da vontade das partes que se
obrigam, disciplinando os seus interesses e criando condições de realizá-los.
Excluem-se da relação jurídica os
deveres alheios ao Direito, como os religiosos, morais, filantrópicos, sociais,
dentre outros.
b) A
obrigação é de caráter transitório.
Extraem-se do cancioneiro
popular versos que bem se empregam à obrigação: “é nuvem passageira que com o
vento se vai, é como cristal bonito que se quebra quando cai”; de fato, a
obrigação é passageira, efêmera, vinga por certo arco de tempo.
À obrigação contrapõe-se o
pagamento. Celebrada a obrigação entre devedor e credor, com o pagamento ela se
extingue, alforriando o devedor e exaurindo o direito do credor. Se a obrigação
liga, ata, une; o pagamento desliga, desata, desune.
No momento da contratação, a
obrigação abrolha para o mundo jurídico por determinado prazo, é o transcurso
de sua existência jurídica para, por fim, extinguir-se normalmente pelo pagamento:
um dar, fazer ou não fazer.
Segundo Flávio Augusto Monteiro de
Barros o elemento transitoriedade
ocorre comumente, mas não de maneira obrigatória, por isso não deve compor o
conceito de obrigação, exemplifica com a obrigação de não fazer, assim guardar
um segredo.[30]
A maioria dos civilistas discorda. Washington
de Barros Monteiro elucida que mesmo quando a obrigação incida em atos
contínuos, outros prolongados, cuja persistência fosse indeterminada, como na
locação de serviços, sempre haverá um limite de duração.[31]
Concebida como um processo, na lição
de Couto e Silva,[32]
não há como negar a sua transitoriedade, uma vez que o processo não é estático,
mas implica em movimento na busca do fim colimado que, atingido, exaure-se.
c) A obrigação é uma relação
estabelecida entre devedor e credor.
Devedor e credor serão sempre pessoa
natural ou jurídica. Somente as pessoas têm personalidade, somente elas podem
exercer direitos e contrair obrigações. Excepcionalmente, admitem-se entes
despersonalizados como o espólio, a massa falida, o condomínio.
Toda relação jurídica obrigacional é composta por esse inevitável
binômio: devedor e credor. Sem um ou outro não há obrigação. São polos
contrapostos, mas não antagônicos: o devedor no polo passivo, o credor no polo
ativo. Daí a afirmação de direito relativo, somente as partes se obrigam; surte
efeitos apenas entre pessoas determinadas, dado a sua eficácia entre as partes
(inter partes). O credor tem de
buscar o seu direito em face do devedor.
Essa relatividade, no entanto, não impede que a obrigação possa surtir
efeitos jurídicos em relação a terceiro. Terceiro, aqui, é toda pessoa estranha
à obrigação, equidistante do devedor e do credor. Exemplo típico é mais uma vez
o contrato de seguro de pessoa (CC art. 789), no qual se vislumbram os três
personagens já referidos. Os dois primeiros são os contratantes, aqueles que se
obrigam: segurado e seguradora; terceiro é o beneficiário, quem receberá a aleatória
indenização, conquanto não tenha contratado. Ainda dessa forma no seguro de
responsabilidade civil (CC art. 787) em que a seguradora garante o pagamento
das perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro, vítima do prejuízo, que
nada contratou.
Possível ainda surtir consequências
jurídicas com relação a terceiro pela sucessão hereditária. Se morto o credor,
seus herdeiros sucedem-no nos créditos existentes. Se morto o devedor, os
herdeiros respondem pelas dívidas, mas com a cláusula do benefício do inventário,
não mais do que o quinhão hereditário, isto é, cada herdeiro responde até a
quota de bens que recebe na partilha da herança (CC art. 1.792).
d) O objeto da obrigação consiste
numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa.
O
objeto da prestação é de natureza pessoal, só obriga a pessoa vinculada na
relação obrigacional, impondo-lhe adimplir o prometido, que é, ademais, de
caráter econômico, por ser necessário que a prestação positiva dar ou fazer e a
negativa não fazer, seja possível de valoração monetária.
Convém
meditar a respeito de que o objeto da prestação tenha sempre caráter econômico,
ante a divergência estabelecida por renomados civilistas, não sem razão. Há
casos em que o interesse da prestação é meramente moral, mas mesmo assim deve
ser suscetível de aferição monetária.
A
patrimonialidade do objeto da prestação assim entendida constitui caráter específico
da obrigação, distingue-se de outros deveres jurídicos de natureza diversa, a
exemplo do dever de fidelidade entre os cônjuges; dos pais zelarem pela guarda
e educação dos filhos; de as partes agirem com lealdade nas relações
processuais.
No
contrato de compra e venda (CC art. 481), o vendedor de um bem está interessado
na contraprestação em dinheiro, o comprador matuta no valor econômico do bem
que está adquirindo. No contrato de trabalho (CLT art. 442), outro exemplo, o
empregador visa o benefício econômico do trabalho para sua empresa, o empregado
objetiva o salário retribuição. Quem propõe ação de reparação de dano material,
por ter sofrido a perda ou deterioração de um bem móvel ou imóvel, pretende a
recomposição de seu patrimônio no estado anterior ao dano.
Não
há negar, contudo, que determinados interesses não se revestem,
primordialmente, de caráter econômico. No domínio das obrigações negociais
é o caso de quem adere como sócio de um clube recreativo; ou adquire um bilhete
para assistir um evento cultural; assim ainda o doente que procura assistência
médica; também o doador de um bem à pessoa querida; ou quem contrata a
confecção de um busto para enaltecer a memória de antepassado. São exemplos que
se mostram isentos de preocupação econômica.
No domínio da responsabilidade
civil são encontradas diferentes prestações sem valor econômico, como no
caso da obrigação de retratação pública pela veiculação de notícia desacertada com
a realidade, quando não a compensação de um dano puramente moral.
Acontece o mesmo na análise de certas obrigações legais, como nos direitos de
vizinhança. A obrigação de não imitir interferências prejudiciais à segurança,
ao sossego e à saúde de propriedade vicinal tem a animá-la a necessidade de
convivência, do respeito ao direito de outrem de não produzir incômodos
evitáveis (CC art. 1.277).
Em todas essas
relações jurídicas encontram-se obrigações, cujas prestações não se revestem de
interesse econômico. Há, sim, interesses de lazer, social, intelectual, cívico
ou de resguardo dos direitos da personalidade. No entanto, caso haja descumprimento
da prestação obrigacional, poderá o objeto da prestação, mesmo que desprovido
de valor econômico propriamente dito, ser representado por indenização
pecuniária. É o que importa.
Cai a fiveleta
a lição do direito comparado. O Código Civil português preveja regra modelar no
art. 398º, 2: “A prestação não necessita ter valor pecuniário, mas deve
corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal”. Mais
específico é o art. 1.174, do Código Civil italiano: “A prestação que constitui
objeto da prestação deve ser suscetível de valoração econômica e deve
corresponder a um interesse, ainda que não seja patrimonial do credor”.
Acontece o
mesmo no Direito das Coisas. Nada impede que o direito de propriedade recaia
sobre bens ou coisas de genuíno valor afetivo. O filho que guarda o chapéu
usado pelo seu pai, os óculos que foram de sua mãe. Ninguém contesta o seu
direito de proprietário sobre essas coisas. Outros exemplos podem ser colacionados:
as fotografias de família, cartas e outros documentos. Leonardo Boff em uma de
suas obras conta, com adentrada sensibilidade, o fato de a caneca de alumínio
que ficava exposta sobre o pote de água, dela se servindo toda família. Ora,
perdida ou deteriorada qualquer uma dessas coisas nomeadas, poderá lhe ser
atribuída certa importância monetária a título de satisfação, de ressarcimento
por dano moral. Portanto, ao afirmar que a patrimonialidade é uma
característica inerente às obrigações, está se referindo que a solução
obrigacional poderá ser resolvida em perdas e danos, que é uma indenização em
dinheiro.[33]
e) O adimplemento da prestação
é garantido pelo patrimônio do devedor.
Não adimplida
a obrigação, suscita a responsabilidade patrimonial do devedor conforme providencia
o art. 391: “Pelo inadimplemento das
obrigações respondem todos os bens do devedor”. Regra que admite restrições
dissertadas no capítulo seguinte.
Responsabilidade
patrimonial que atua em duas frentes e com funções diversas. A uma, é a própria
garantia contra eventual descumprimento da relação jurídica obrigacional. A duas,
é o caráter psicológico-coercitivo, pois constrange o devedor a satisfazer
voluntariamente a prestação.
Há
de advertir, por fim, que a neutralidade e a assepsia dos conceitos, de um modo
geral, nem sempre apresentam a dimensão valorativa dos institutos jurídicos, uma
vez que eles devem ser interpretados na consideração dos valores a que se
referem.
2 ELEMENTOS DA ESTRUTURA DAS OBRIGAÇÕES
Do
conceito de obrigações são retirados os elementos de sua estrutura.
a)
Elemento subjetivo ou pessoal: duplo sujeito devedor e
credor.
b) Elemento objetivo ou material: biparte-se em objetivo
imediato ou prestação debitória e objeto mediato ou
objeto da prestação.
c) Elemento espiritual ou vínculo jurídico: bifurca-se em débito e
responsabilidade.
a) Elemento Subjetivo ou Pessoal
O elemento subjetivo, também denominado de
pessoal, concerne aos sujeitos.
Trata-se do sujeito passivo, o devedor, e do sujeito ativo, o credor. Reafirma-se,
pode ser pessoa natural ou pessoa jurídica, pois somente as pessoas são capazes
de direitos e deveres na ordem civil (CC art. 1º).
O
absolutamente incapaz obriga-se por meio de representação (CC art. 3º), se não
representado por seu responsável torna a obrigação nula (CC art. 166, I); o
relativamente incapaz por meio de assistência (CC art. 4º), se não assistido
por seu responsável torna a obrigação anulável (CC art. 171, I).
A pessoa jurídica pode
ser regular, irregular e de fato. Regular
é a que tem o seu ato de constituição inscrito no Registro Público. Se
sociedade o seu contrato social na Junta Comercial, se associação o seu estatuo
no Cartório de Registro de Imóveis (CC art. 985). Irregular é aquela cujo ato constitutivo não está inscrito no
Registro Público, ou está de forma inadequada. Pode ser ainda uma sociedade de fato a que não possui nem mesmo
contrato social ou estatuto. A irregular e a de fato compõem a categoria de
sociedade em comum (CC art. 986). Assim entende o Enunciado 209, do Centro de
Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal: “o art. 986 deve ser interpretado em sintonia com os arts. 985 e 1.150,
de modo a ser considerada [sociedade]
em comum a sociedade que não tenha seu ato constitutivo inscrito no registro
próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (CC art.
1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé.” Exemplo
da de fato é a comissão de formatura, que contrata com terceiros os eventos
relacionados à colação de grau.
O Código de Processo Civil
no art.12, § 2º, é categórico ao dispor que a sociedade sem personalidade jurídica
não pode articular em sua defesa irregularidade na sua constituição.
Também, repita-se, os
entes propriamente despersonalizados podem figurar em um dos polos da obrigação.
Para
alguns civilistas, como Scavone Júnior, o devedor é sempre determinado, para
Maria Helena Diniz, pode ser determinado ou determinável.[34]
Põe o exemplo do art. 1.327 do Código Civil, que é o condomínio por meação de
muro ou parede divisória, em que os vicinais respondem proporcionalmente pelas
despesas de conservação, mas essa responsabilidade subsiste apenas enquanto eles
forem proprietários. Se um dos vizinhos vende o imóvel a obrigação transferirá
ao adquirente, que passará a atender a despesa para a sua manutenção. Para a
professora da PUC/SP, neste caso, o sujeito passivo não é determinado, mas determinável,
porquanto transeunte, variável, porém, em dado momento, individualiza-se,
determina-se.
O
sujeito ativo da obrigação é determinado ou determinável e aqui não cabe
dissensão. Na compra e venda determina-se, de pronto, quem é o devedor e quem é
o credor. Mas na promessa de recompensa, não. Vale a seguinte passagem: uma
casa comercial oferece prêmio para o freguês sorteado, enquanto não acontecer o
sorteio, o credor do prêmio é determinável, não determinado. Outro exemplo é o
cheque ao portador, o credor é qualquer pessoa que o apresenta na boca do caixa
para resgate. A indeterminação persevera até o momento do pagamento; o
pagamento só é possível a pessoa determinada.
Em
qualquer um dos polos o sujeito pode ser único: um único credor e um único
devedor, ou pode ser plural: dois ou mais devedores ou dois ou mais credores.
Em caso de pluralidade os codevedores ou cocredores podem ser simples ou
solidários. Simples cada um deles
responde pela sua quota-parte; solidários cada qual paga ou recebe toda prestação,
recebendo ou pagando integralmente, depois recebe ou paga ao outro a sua quota-parte.
Esta matéria será dissertada em pormenores na classificação das obrigações, especialmente
nas obrigações solidárias.
Por
fim, no estágio atual do Direito, devem ser lembradas as obrigações em que
surgem da violação dos direitos difusos, o que leva a falar de titularidade
múltipla difusa do crédito. Credora é toda a coletividade, por exemplo, nos
casos em que implica a preservação do meio ambiente.
b) Elemento Objetivo ou Material
O elemento objetivo ou material é a prestação propriamente
dita, pode ser um dar, fazer, ou não fazer.
Distingue-se
objeto imediato, também rotulado de prestação debitória, e objeto mediato,
também denominado de objeto da prestação.
O
objeto imediato é a conduta humana,
sempre. Na obrigação de dar a entrega da coisa. Na obrigação de fazer a
realização de um ato ou serviço. Na obrigação de não fazer a abstenção ou
tolerância de certa conduta que o devedor poderia realizá-la senão tivesse se
obrigado. O objeto mediato é
desvendado na resposta à seguinte pergunta: dar, fazer ou não fazer o que? Um
exemplo para clarificar: na venda de um livro o objeto imediato é a conduta do
devedor de entregar o livro ao credor, e o objeto mediato é o próprio livro, o
bem da vida. Dar o que? O livro.
A
distinção não é tão nítida nas obrigações de fazer e não fazer, em que a
atividade do devedor e o resultado podem ser confundidos. Mas mesmo assim
possível distingui-los. Na reparação de uma jóia, o objeto imediato é o serviço
do ouvires em consertá-la; o mediato é o resultado prático, a jóia consertada.
No caso de não abrir janela a menos de um metro e meio do terreno vicinal (CC
art. 1.301), o objeto imediato é a abstenção e o objeto mediato é o resultado
prático, preservar a privacidade do vizinho (CF art. 5º, X; CC art. 21).
O
objeto da prestação segue a regra do art. 104 do Código Civil, deve ser lícito,
possível, determinado ou determinável.
Prestação lícita é estar conforme à lei,
à ordem pública, à moral e aos bons costumes. Ou seja, toda conduta
recepcionada pelo ordenamento jurídico. É ilícita a venda de bens
contrabandeados, ou a venda de remédios não autorizados pela ANVISA, ou a
exploração de jogos de azar, porque proibidos. Basta verificar, a venda de
tabaco é lícita, mas de substância entorpecente não o é; é licita a exploração
de um motel, mas de um lupanar não o é. Conclui-se, quando o objeto é ilícito é
uma das formas de se torna a obrigação juridicamente impossível.
A
prestação deve ser possível.
Distinguem-se a possibilidade física e a jurídica. Possibilidade física é o que está dentro das forças humanas e das
forças da natureza. Será sempre impossível qualquer prestação que extrapole essas
forças. Os exemplos são inumeráveis, uma prestação que impõe ao devedor
prevenir e evitar a incidência de raios ou a formação de furacões. São efeitos
da natureza ainda não dominados pelo estágio atual da ciência humana, por isso
inevitáveis e irresistíveis. Um terreno nesta cidade é objeto possível, um
terreno na lua não o é. Possibilidade
jurídica é estar de acordo com o ordenamento jurídico, assim não pode ser
objeto da obrigação a herança de pessoa viva (CC art. 426), a venda de bens de
ascendente a descendente, sem a anuência dos demais descendentes e do cônjuge
do alienante (CC art. 496). São possíveis, de tal arte, as coisas que estiverem
no comércio, ou seja, aqueles suscetíveis de ser negociadas e atenderem os
preceitos legais para a sua alienação.
Logo, se o
objeto da prestação for impossível física ou juridicamente, a obrigação é nula,
mas se parcialmente impossível não a nulifica, de sorte a parte possível pode
ser útil ao credor, nada impedindo a formação do vínculo obrigacional. É bom
esclarecer que a impossibilidade física ou jurídica jamais se identifica com a
mera dificuldade.
Por outro
turno, a prestação deve ser determinada ou determinável. A compra e venda de
uma casa de morada situada na Rua dos Inconfidentes, número 21, nesta cidade, determina o objeto da prestação, desde a
celebração da obrigação. A coisa determinável
será indicada ao menos pelo gênero e quantidade, conforme a redação do art. 243
do Código Civil. Se um comerciante varejista compra vinte sacas de arroz de um comerciante
atacadista, em cujo armazém mantêm mil sacas em estoque, antes de se fazer a
escolha das unidades adquiridas a coisa é incerta, pois não estão separadas àquelas
que lhe serão entregues, apenas determinados o gênero (arroz) e a quantidade
(cem sacas). Feita a escolha e separadas as sacas, a coisa passa a determinada.
Álvaro
Villaça Azevedo pondera que melhor tivesse dito o legislador espécie e
quantidade, considerando que a palavra gênero tem sentido muito amplo. Chegou a
sugerir mudança de redação nesse sentido. Se alguém se obrigasse a entregar uma
saca de cereal, por não saber qual a sua espécie, a obrigação seria nula pela
impossibilidade de cumprimento.
Washington
de Barros Monteiro, Renan Lotufo, Arnaldo Rizzardo opõem-se à alteração, lembrando
que o termo gênero é da tradição, assim consagrado desde o Direito Romano, está
nas Ordenações do Reino.[35] Aliás,
esses renomados civilistas repetem Orosimbo Nonato, para quem a linguagem
jurídica nem sempre é parelha com a técnica, o gênero referido no artigo em
questão é o próximo não o remoto, que na linguagem técnica significa espécie.
O gênero a que alude a lei [...]
é a espécie da linguagem científica e
a indeterminação relativa permitida em direito no tocante ao objeto da
obrigação exclui o “gênero remoto” para incluir apenas o “gênero próximo”. Este,
o gênero próximo (espécie) consiste em uma classe de objetos que oferece
caracteres diferenciais – cavalo, trigo, açúcar. Valedia não fora – por
intolerável falta de determinação no objeto – a estipulação de entregar
animais, gêneros alimentícios, etc (gênero remoto).[36]
Para
as ciências naturais o vocábulo gênero é o comum das espécies, coisas que
apresentam características semelhantes, enquanto espécie é o grupo de
indivíduos semelhantes. O gênero encerra várias espécies, e a espécie encerra
vários indivíduos. Dessa forma, gênero é coleção de espécies, e a espécie é a
coleção de indivíduos.
Washington
de Barros Monteiro faz interessante estudo histórico, justificando esse
desencontro.
Em linguagem jurídica, porém,
desde o direito romano, gênero é o conjunto de seres semelhantes. Esses seres
semelhantes, isoladamente considerados, denominam-se espécie. Gênero é assim a
reunião de espécies semelhantes: espécie, o corpo certo, a coisa individuada, o
objeto determinado. Não há que estranhar essa falta de sintonia entre as
ciências naturais e a jurídica. Toda ciência aprecia diferentemente os
fenômenos e os define mediante critérios próprios. Todavia, tentando romper com
a orientação romana, quis Teixeira de Freitas harmonizar o direito com as
ciências naturais; idêntico sentido imprimiu Clóvis [Bevilaqua] ao seu projeto
definitivo. Mas, falhou tal tentativa, de modo que, na técnica jurídica,
continuam a viger os conceitos tradicionais: gênero é o conjunto de seres
semelhantes; esses seres semelhantes, isoladamente considerados, chamam-se
espécies.[37]
Oportuno
exemplificar, gênero remoto: fruto; gênero próximo ou espécie: laranja;
qualidade: lima, baiana, pêra etc., finalmente quantidade. Nos contratos
normalmente são especificados o gênero próximo ou a espécie, a qualidade e a
quantidade.
Do
que foi dito, se o objeto da prestação for ilícito, impossível ou indeterminado
o negócio jurídico será nulo (CC art. 166, inc. II).
c) Elemento Espiritual ou Vínculo Jurídico
Finalmente, a
estrutura da obrigação completa-se pelo terceiro elemento, o espiritual, sendo mais empregada a
expressão vínculo jurídico. Para
Álvaro Villaça Azevedo é elo que une, ata, liga o sujeito ativo ao sujeito
passivo, possibilitando ao credor exigir do devedor o cumprimento da prestação.
É o elemento imaterial, que retrata a coercibilidade, a jurisdicidade da
relação obrigacional.[38]
É, assim, “a relação jurídica existente entre credor e devedor”.[39]
No mais das
vezes, a obrigação é cumprida espontaneamente, todavia se o devedor não
adimplir a prestação, o vínculo jurídico arma o credor do direito de exigi-la,
investindo sobre o patrimônio daquele, por meio de ação própria junto ao Poder
Judiciário.
O
credor pode exigir a prestação tal qual contratada, é a tutela específica; mas também pode valer-se da tutela genérica representada pelas perdas e danos. Suponha-se que
alguém adquira um computador em uma casa comercial que, depois, nega-se a
cumprir o contratado entregando o bem. O credor pode recorrer ao Estado-juiz,
exigindo que o bem lhe seja entregue como contratado. É a denominada tutela
específica. Suponha-se, doutra feita, que a noiva procure a costureira para a
confecção de seu vestido de casamento. E o vestido não é confeccionado. Depois
do casamento ele perde a utilidade, a credora não tem mais interesse no
vestido. Pode, então, resolver a obrigação pela tutela genérica das perdas e
danos, isto é, certa quantia em dinheiro para compensar o dano moral por ela
sofrido. O objeto mediato da obrigação convola-se em dinheiro.
O
vínculo jurídico é, pois, que garante, em quaisquer das modalidades de obrigação,
o seu cumprimento.
Porém,
se o devedor não adimplir a prestação e não tiver patrimônio para responder
pela indenização, o crédito permanece íntegro até a prescrição, quando então
por falta de garantia real o credor absorve o prejuízo. É o patrimônio do
devedor que garante o direito do credor, se o devedor for despido de patrimônio
não há como exigir. O credor tem de se resignar no prejuízo. Bem por isso, como
será demonstrado, existem obrigações de garantia, para o efetivo resguardo do
crédito.
O
vínculo jurídico, resta dizer, desdobra-se em dois momentos o débito e a responsabilidade.
O débito é o dever jurídico
originário ou primário e a responsabilidade
é o dever jurídico sucessivo ou secundário. É a denominada teoria dualista.
O
Código Civil no art. 389 faz essa distinção: não cumprida a obrigação, dever
jurídico originário, responde o devedor por perdas e danos, dever jurídico
sucessivo. Ad exemplum, determinado
bufê foi contratado para uma festa de aniversário, aqui o débito, terá de
oferecer a refeição no dia aprazado. Trata-se de prestação de serviços
profissionais, dever jurídico originário, em favor do aniversariante que irá
receber os seus familiares e amigos. No entanto, o bufê não cumpre a sua
obrigação, transgride o dever jurídico que voluntariamente assumiu. Surge,
então, por disposição legal outro dever jurídico, portanto sucessivo, compor o
prejuízo experimentado pelo aniversariante; aqui a responsabilidade. O dever
jurídico sucessivo (responsabilidade) toma o lugar do dever jurídico originário
(débito). Serve também de exemplo o caso do vestido de noiva suscitado logo
acima.
Nota-se,
o dever jurídico originário nasce pela vontade das partes, enquanto o dever jurídico
sucessivo é a resposta do ordenamento jurídico ante o inadimplemento da
obrigação.
Essa
teoria dualista surgiu na Alemanha, com a Escola dos Pandectas,[40] sendo
da autoria de Alois Brinz. Para ele o débito, que o chama de shuld, é o pagamento espontâneo pela
realização da prestação. Compreende o dia em que a obrigação foi concluída até
o dia do vencimento, enquanto o credor tem mera expectativa de exigir o seu
crédito, podendo adotar apenas medidas preventivas para preservá-lo. Na
obrigação de dar é a entrega da coisa, na obrigação de fazer é a prestação do
ato ou serviço, na obrigação de não fazer é a abstenção ou tolerância de
determinado ato ou fato. Já a responsabilidade, que ele a chama de haftung, inicia-se no dia seguinte ao do
vencimento, é o direito do credor de exigir a prestação pela tutela específica
ou genérica, qual seja, o pagamento forçado com o socorro do Poder Judiciário. De
volta às raízes no Direito Romano são também usadas as expressões debitum e obligatio, correspondendo ao débito e à responsabilidade.
Em resumo, a
relação jurídica obrigacional, considerando o vínculo jurídico, apresenta dois
momentos bem distintos: se o devedor não pagar a prestação espontaneamente tal
qual contratado (dever jurídico originário = débito), surge, em razão desse
inadimplemento e como resposta do ordenamento jurídico, o direito de o credor
promover ação contra o devedor (dever jurídico sucessivo = responsabilidade).
Posteriormente,
os autores alemães Karl Von Amira e Otto Von Gierke demonstraram a existência
de débito sem responsabilidade e de responsabilidade sem débito.
Antes
o débito sem responsabilidade. Na
dívida de jogo proibido a obrigação é imperfeita, também denominada natural,
pois desprovida do momento sucessivo da responsabilidade. É uma obrigação
inexigível. Ao credor não pago não é deferido o direito de investir contra o
patrimônio do credor (condictio indebiti).
Resignar-se-á diante do inadimplemento. Porém, se o devedor pagar
espontaneamente é pagamento, com direito de retenção (soluti retentio), isto é, o devedor não poderá pedir a devolução,
chamada tecnicamente de repetição do indébito (repetitio indebiti). Outro exemplo são as obrigações prescritas,
também desprovidas de responsabilidade, por isso inexigíveis.
Pode
acontecer a responsabilidade sem débito.
Alguém ser responsável a pagar o credor embora não seja devedor. Nesse sentido,
avolumam-se os exemplos que podem ser extraídos nos casos em que terceiro
oferece garantia fidejussória ou real. O fiador é garante do devedor, tem responsabilidade,
conquanto não tenha contraído qualquer dívida. De efeito, se o devedor não
pagar, terá o garante de fazê-lo. Do mesmo modo, quem contrai hipoteca em
garantia de dívida alheia. Está limitado ao valor do bem dado em garantia,
porque não tem débito. Tanto que em uma ou na outra situação, o garante tem
ação de regresso contra o devedor.
Convém
assinalar, eméritos civilistas propugnam pela teoria clássica ou unitária, ao assegurarem
pela desnecessidade do vínculo jurídico desdobrar-se em débito e responsabilidade,
por não ter nenhum efeito prático. No direito comparado é o pensamento do
lusitano Antunes Varela,[41] e
no direito pátrio pontifica Serpa Lopes depois de fazer minuciosa digressão do
Direito alemão e italiano.[42]
3 FONTES DAS OBRIGAÇÕES
Etimologicamente,
fonte significa o local onde nasce a água. São os fatos que fazem nascer a
obrigação, ou como diz com elegância Sílvio Rodrigues são os atos ou fatos por
meio dos quais as obrigações encontram nascedouro.[43]
No Direito
Romano clássico, as Institutas de Gaio bipartiram as fontes das obrigações em contractus e delicto.
No Direito
Romano pós-classico com Justiniano, no Corpus
Juris Civilis quadriplicou-as: em contractus,
quasi contractus, delicto e quasi delicto. Leia-se: contrato: negócio jurídico bilateral; quase contrato: negócio jurídico
unilateral; delito: ato ilícito
doloso; quase delito: ato ilícito
culposo.
Pothier
acrescentou a lei como quinta fonte. E justifica:
A lei natural é causa, pelo
menos mediata, de todas as obrigações: pois, se os contratos, delitos e quase
delitos produzem obrigações, é porque a priori
a lei natural ordena que cada um cumpra o que promete e repare o dano causado
por sua falta... É também essa mesma lei que torna obrigatórios os atos dos
quais resulta alguma obrigação, e que, como já notamos, por esse efeito são
chamados de quase-contratos. Há
obrigações que possuem como causa, única e imediata, a lei. Por exemplo, não é
em virtude de algum contrato ou quase-contrato que os filhos, quando tenham
condições, estejam obrigados a fornecer alimentos a seus pais quando estes
estiverem na indigência; esta obrigação, só a produz a lei natural.[44]
O Código Civil
alemão no § 823 e seguintes assinala o negócio jurídico e a lei. O italiano no art.
1.173 indica explicitamente o contrato e o fato ilícito, referindo-se ainda a
outros eventos indicados pelo ordenamento. Já para o português no art. 473º são
os contratos, negócios unilaterais, gestão de negócios, enriquecimento sem
causa e responsabilidade civil. No
Direito pátrio, os Códigos Civis revogado e o atual não sugerem quais seriam as
fontes das obrigações.
Na verdade, o
estudo das fontes das obrigações perdeu importância na atualidade por
representar pouca relevância prática, na medida em que a tendência moderna privilegia
o estudo das obrigações considerando a própria natureza que as envolve e não
mais as suas origens.[45] Ademais,
o estudo das fontes das obrigações traz sensíveis discordâncias entre os
civilistas.
Álvaro Villaça
Azevedo, Maria Helena Diniz, Silvio de Salvo Venosa, dentre outros, acolhem
Pothier ao entenderem que a fonte imediata das obrigações é a vontade do
Estado, traduzida na lei.[46] São
aquelas obrigações que surgem diretamente do ordenamento jurídico positivo. Segue
o Código Civil francês no seu art. 1.370, ao dispor que “certos compromissos
[...] resultam [...] exclusivamente da autoridade da lei.” Decorrem da lei a
obrigação de o proprietário ou possuidor de um prédio não emitir interferências
prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam a propriedade
vizinha (CC art. 1.277); a obrigação aos alimentos (CC art. 1.696); a criação de
um tributo municipal, estadual ou federal. Justifica Álvaro Villaça Azevedo que
a lei é fonte primeira das obrigações, pois ela é fonte imediata da própria Ciência
do Direito.[47]
Escutados na
lição de Orlando Gomes, Paulo Luiz Netto Lôbo e Fernando Noronha entendem que a
lei não pode ser tida como fonte da obrigação, de sorte somente criaria uma
obrigação se acompanhada de um fato jurídico.[48]
Não carecem argumentos para as duas interpretações, contudo não cabe aprofundar
em assunto complexo e de quase nenhum efeito prático.
Impera
unanimidade, o contrato é a principal
fonte das obrigações. É a vontade
das partes que cria obrigações. Quem contrata a prestação de um serviço, tem a
animar esse contrato uma obrigação de fazer. Se o contrato é guardar segredo, a
obrigação é de não fazer, consiste em uma abstenção. Se for de permuta, a
obrigação é de dar, implica na entrega de uma coisa por outra.
As obrigações
contratuais são quase sempre sinalagmáticas, as quais se caracterizam pelas
partes serem, na mesma obrigação, credora e devedora entre si. Na compra e
venda, o comprador é credor da coisa e devedor do preço, o vendedor é credor do
preço e devedor da coisa. Na prestação de serviço, quem o presta é devedor do
serviço e credor do salário, e a quem o serviço é prestado credor do serviço e
devedor do salário. Há prestação e contraprestação ou prestações recíprocas,
ainda chamadas de bilaterais; aqui reside a sinalagma.
Existem contratos
com obrigações unilaterais, quando a prestação cabe apenas a um dos polos da
obrigação, é o caso do comodato, que é o empréstimo gratuito de coisa
infungível (CC art. 579). Ainda assim na doação pura e simples, em que o doador
entrega gratuitamente uma coisa ao donatário (CC art. 538).
Também é fonte
de obrigação a declaração unilateral da
vontade na medida em que vincula o comportamento de uma pessoa à sua
palavra. Pelo Código Civil revogado estavam inseridos nesta figura os títulos
ao portador e a promessa de recompensa. O atual preveja a promessa de
recompensa, a gestão de negócios, o pagamento indevido e o enriquecimento sem
causa (Título VII, arts. 854 a
886 “Dos atos unilaterais”).
Como exemplo basta
se lance rápido olhar para as publicidades. É comum, mormente os grandes
magazines oferecerem recompensa para os seus fregueses mediante sorteio. A
entrega da recompensa prometida é uma obrigação com toda força que a lei lhe
empresta. Decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Indenização – Responsabilidade
civil – Inadimplemento de premiação obtida mediante sorteio – Hipótese de
promessa de recompensa, vinculando o promitente – Verba devida – Recurso
provido – A oferta de prêmios mediante sorteio configura promessa de recompensa,
a qual, efetuada publicamente, vincula o promitente.
Do corpo
do acórdão destaca-se o seguinte trecho:
Tal espécie de negócio,
entretanto, não é contratual. Trata-se de obrigação que o promitente contrai
por ato unilateral de sua vontade, gênero do qual é espécie nominada a figura
da “promessa de recompensa”, do Código Civil: feita de público a promessa de
benefício, o promitente está vinculado; esta obrigação já por seu próprio ato.
O fato de o prêmio ser atribuído por sorteio não desfigura a promessa e a
obrigação: para quem preencheu a condição da recompensa, é possível atribuição
por sorteio (2ª Câm. de Férias, rel. Des. Walter Moraes, j. 20.8.93, JTJ Lex
150/83).
Com
o advento do atual Código Civil, o ato ilícito deve ser substituído pela responsabilidade
civil, pois nasce obrigação de indenizar tanto do dano causado pelo ato ilícito
absoluto que depende de culpa (responsabilidade civil subjetiva ou com culpa,
arts. 186 e 927 caput), como do abuso
de direito, ato ilícito que independe de culpa, e até pela exploração de
atividade lícita de risco, quando implica em prejuízo a outrem
(responsabilidade civil objetiva ou sem culpa, arts. 187 e 927, parágrafo
único).
Para ser mais explicativo, destacam-se no ato ilícito duas figuras: o ato ilícito absoluto e o abuso de direito. O ato ilícito absoluto
do art. 186 do Código Civil traz a obrigação de indenizar o dano causado a
outrem, tendo por substrato a conduta culposa. Assim, o motorista negligente ou
imprudente que embate seu veículo na traseira do automóvel que percorre o mesmo
trajeto logo à sua frente. A conduta já nasce culposa. Quanto ao abuso de
direito o art. 187 do Código Civil dispõe que também comete ato ilícito o
titular do direito, que ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A conduta
nasce lícita pelo exercício regular de um direito reconhecido, mas se o
exercício desse direito extrapola a normalidade, em razão da abusividade
torna-se ilícita. Conjeturar-se o direito de greve que somente pode ser
exercido com o propósito de beneficiar os trabalhadores, se o seu intuito desvirtua
e causa dano decorre o dever de indenizar, pois se a greve é um exercício
regular de direito, o seu desvirtuamento é abuso de direito. É a letra do
Enunciado 37 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “A
responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa, e
fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.”
Ademais,
quem exerce atividade lícita, mas que implica em risco se produzir dano, é
obrigado a indenizar, é dizer, nasce obrigação do ato lícito lesivo (CC art.
927, parágrafo único). Um exemplo esclarece a questão. Suponha-se a prospecção
de petróleo em alto mar pela Petrobrás, ato lícito, inclusive a empresa é
devidamente autorizada para tanto. Por um fato estranho indeterminado, ou mesmo
por um fato irresistível e inevitável da natureza, propicie o rompimento do
oleoduto poluindo as águas, com danos ecológicos, a Petrobrás terá de compor o
prejuízo, mesmo não tendo praticado ato ilícito.
De todo o
expendido, surge certeira sentença romanista: “omnis obligatio vel ex delicto vel ex contratus”: as obrigações ora nascem
por imposição da lei, ora pela vontade das partes.
RESUMO
1 Conceito de obrigação: é
a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor
e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa,
devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu
patrimônio.
2 Elementos da estrutura das obrigações: os considerados essenciais são
retirados da própria conceituação de obrigação.
a) Elemento subjetivo ou pessoal
são os personagens que encenam a obrigação. De um lado, o devedor quem tem de
cumprir a prestação; do outro lado, o credor aquele que tem o direito de exigir
e receber essa mesma prestação.
Pode ser a pessoa natural.
Se menor absolutamente incapaz deve ser representado, sob pena de nulidade. Se
relativamente incapaz deve ser assistido, sob pena de anulação.
A pessoa jurídica pode ser
regular, irregular e de fato, tanto as sociedades com finalidade lucrativa,
como as associações sem finalidade lucrativa. O art. 12, § 2º, do CPC é
categórico ao dispor que a sociedade sem personalidade jurídica não pode arguir
em sua defesa a irregularidade na sua constituição. Também os entes
despersonalizados podem celebrar obrigações, como a massa falida, o espólio, o
condomínio. Ainda os sujeitos da obrigação podem ser determinados ou
determináveis, único ou plural, simples ou solidário.
b) Elemento objetivo ou material
é a prestação propriamente dita, pode ser um dar, fazer ou não fazer. A
prestação deve ser lícita, possível, determinada ou determinável. Distinguem-se
o objeto imediato ou prestação debitória, do objeto mediato ou objeto da
prestação. O objeto imediato é a conduta do devedor, e o objeto mediato é o bem
da vida, desvendado pela resposta a seguinte pergunta: dar, fazer ou não fazer
o que?
c) Elemento espiritual ou vínculo
jurídico retrata a coercibilidade da relação jurídica obrigacional.
Possibilita ao credor exigir o cumprimento da prestação obrigacional. Dá à
obrigação a jurisdicidade. Decompõe-se em débito, que é pagamento voluntário
tal qual contratado, e a responsabilidade que é o pagamento forçado por meio do
Poder Judiciário, é uma indenização em dinheiro. Pode ,
ademais, existir débito sem responsabilidade como no caso da obrigação
prescrita ou responsabilidade sem débito assim o fiador, que é o garante do
devedor.
3) Fontes das obrigações: são os fatos que fazem nascer a obrigação.
Conforme a teoria dualista as obrigações nascem da lei ou pela vontade das
partes.
a) Fonte imediata: a lei imposta pela vontade do Estado. b) Fontes mediatas: o contrato e a declaração
unilateral da vontade criam obrigações pela vontade das partes; e a responsabilidade civil de sorte tanto o
ato ilícito como o ato lícito causadores de dano podem gerar obrigações.
CAPÍTULO IV
1 Importância da matéria; 2 Distinção entre Direito
das Obrigações, Direitos da Personalidade e Direito Reais; 3 Obrigação proper rem.
1 IMPORTÂNCIA DA MATÉRIA
Ao disciplinar o direito patrimonial em débito e crédito, o
Direito das Obrigações se faz presente nas relações corriqueiras do cotidiano,
a partir de quando a pessoa exerce tarefas das mais triviais como a compra pela
manhã do pão e do leite; tomar o ônibus para se locomover até ao trabalho; ir
ao cinema, ao teatro, ao campo de futebol no gozo de lazer. Também se faz presente nas relações mais
onerosas, como a aquisição de bens imóveis ou móveis de alto valor; na
contratação de serviços dispendiosos como a celebração de contrato de
empreitada para a construção de grandes obras, ou na contratação de mão de obra
altamente especializada, e demais contratos em geral nominados ou típicos
aqueles previstos em lei (CC arts. 481 a 853), bem assim nos contratos regulados
por leis especiais ou em microssistemas, podendo destacar dentre outros a Lei
das Sociedades Anônimas, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do
Idoso.
Ainda nascem obrigações por meio dos
contratos inominados ou atípicos, aqueles não previstos em lei porquanto, como
será exposto, o direito obrigacional é numeros
apertos, as partes podem criar novos contratos no exercício da liberdade
contratual. Em todo esse vasto campo de
oportunidades basta que a prestação seja pessoal econômica para que nasçam
obrigações.
Então
se pode afirmar, o Direito das Obrigações contamina todos os livros do
Código Civil, microssistemas e um universo de leis especiais, fornecendo
abundantes conceitos e informações, o que leva a considerar a regra segunda a
qual as normas de alcance mais amplo devem preceder as demais. Isto significa
que, na prática, ao se deparar com um caso concreto, por exemplo, o
inadimplemento de um contrato de transporte de pessoas ou de coisas não se deve
investigar a solução apenas nas normas relativas à sua disciplina específica
(CC arts. 743 e ss.). A solução poderá estar provavelmente nas normas relativas
ao adimplemento e extinção das obrigações (CC arts. 304 e ss.), ou no
inadimplemento das obrigações (CC arts. 386 e ss.), quando não nos preceitos
legais relacionados ao negócio jurídico onde se localizam, entre outras, a
condição, termo ou encargo (CC arts. 121 e ss.), e matérias da importância das
nulidades e anulabilidades (CC arts. 166 e 171), da prescrição e da decadência (CC
arts. 189 e 207).
Demais
disso, a partir do momento em que se domina a Teoria Geral das Obrigações é possível
melhor entender os outros setores especializados do Direito Civil, que compõem os
livros que lhe são posteriores dentro da Parte Especial.
De
efeito, no Direito das Coisas há uma relação obrigacional causal, antes do
registro de bens imóveis (CC art.1.245) e antes da tradição de bens móveis (CC art.
1.267); somente depois se tipificam as hipóteses previstas no art. 1.225 do
Código Civil, com a outorga do direito de propriedade. Não bastasse, os arts.
1.419 e 1.510 do Código Civil prevejam que o penhor, a hipoteca e a anticrese
são direitos reais que garantem o adimplemento das obrigações; cabe dizer, estas
três figuras, inseridas no Direito das Coisas, são também modalidades de
obrigações.
O
Direito de família patrimonial, arts. 1.639 e 1.694 a 1.710 do Código
Civil, regula o regime de bens e os alimentos entre cônjuges, parentes e
sobreviventes, impondo verdadeiras relações obrigacionais ex legis.
O
Direito das Sucessões, ao disciplinar o testamento como negócio jurídico
unilateral e gratuito, é fonte de obrigações com eficácia post mortem;
assim os arts. 1.923 e seguintes do Código Civil reportam-se à obrigação de
cumprir legados instituídos em testamento. Ainda são constituídas obrigações nos
arts. 1.997 e seguintes do mesmo diploma que regulamentam o adimplemento das
dívidas da herança, que são aquelas deixadas pelo falecido.
O
Código Civil em vigor acrescentou maior importância ao Direito das Obrigações
ao unificar as obrigações civis e comerciais, tal qual o Código Civil italiano
de 1942. Colocou termo à duplicidade de códigos com sistemas de normas
concorrentes entre si, por conseguinte, os contratos civis e comerciais
passaram a seguir a mesma disciplina jurídica.
Na
verdade, o Direito Empresarial nasceu para tutelar direitos que não eram
devidamente considerados pelo direito obrigacional. Especialmente a partir do
final do século XVII, com a ascensão de nova classe social, a dos comerciantes,
que exigia a normatização de transações comerciais que facilitassem os negócios
e a realização de lucros proporcionados por eles, o que, por si só, justifica o
atual Código Civil discipliná-lo no Livro III, da Parte Especial. Persevera,
contudo, a sua autonomia por expressa disposição constitucional (art. 22, I). Adverte
Miguel Reale que o novo Código Civil não tentou unificar o Direito Privado, mas
consolidou e aperfeiçoou o que estava sendo seguido pela doutrina e pela
jurisprudência, a unidade do Direito das Obrigações (CC art. 2.045).[49]
A
ideologia liberal, elegendo a máxima: “o contratado é justo”, com a concepção
formalista de igualdade, submetia os hipossuficientes a aceitar contratos
desequilibrados, com maiores vantagens a uma das partes em detrimento da outra.
Surgiu, então, em fins do século XIX, na Alemanha, o delineamento do Direito do
Trabalho, que se consolidou a partir da Primeira Guerra Mundial, objetivando
dar proteção jurídica à classe social dos trabalhadores assalariados. No
Brasil, em 1943, veio a lume o Decreto-lei nº 5.452, que aprovou a Consolidação
das Leis do Trabalho, dessa forma, as relações do trabalho foram destacadas do
contrato de locação de serviços, isto é, do Direito das Obrigações.
Depois
da primeira metade do século passado, o Direito do Consumidor passou a ganhar
autonomia, também na defesa de outra classe social considerada mais fraca, cujo
núcleo essencial é o contrato celebrado entre fornecedor e consumidor. Portanto
as relações obrigacionais, que visam ofertas de serviços e produtos, não passam
de obrigações de fazer no caso dos serviços e de dar no caso dos produtos, com
disciplina específica em relação à responsabilidade pelos vícios de serviços e
produtos, penalizando as cláusulas abusivas. É, assim, um microssistema que
também se desdobrou do Direito das Obrigações e ao mesmo tempo do Direito de
Empresa.
Considera-se
assim, que o Direito das Obrigações está em diálogo permanente com os Direitos
de Empresa, do Trabalho e do Consumidor, pois estão em uma relação de direito
comum para direitos especiais, e são aplicáveis aos direitos especiais os
princípios gerais e as normas reguladoras do direito comum. Na reflexão do
princípio de que a regra especial derroga a geral, tem-se que o Direito das
Obrigações é subsidiariamente aplicável a esses ramos do Direito (Empresarial,
Trabalhista e Consumerista), pois sempre em que neles existirem lacunas que não
possam ser colmatadas com a aplicação analógica, aplicam-se os princípios e as
normas reguladoras do Direito das Obrigações.
Mais
acentuadamente na atualidade, pois Cláudia Lima Marques, tributando Erik Jayme,
trouxe para doutrina e a jurisprudência acolheu, o diálogo das fontes assim
chamado pelos juristas ou intercomplementaridade pelos pedagogos, um método de interpretação
da nova teoria geral do Direito, em que as diversas leis, sobre um mesmo tema,
devem completar-se na busca da melhor justiça. Nesse sentido providencia o art.
7º do Código de Defesa do Consumidor, basta conferir.
Cuida-se
ressaltar ainda, que o Direito das Obrigações exerce ponderável influência em
dois ramos do Direito Público: o Direito Administrativo e o Direito Tributário.
Apesar
de suas peculiaridades, o contrato administrativo é regrado pela Teoria Geral
das Obrigações. A Administração contratante é uma parte ordinária, despida do fait
du prince, da sua soberania, de sorte ligada com o seu cocontratante
privado pela convenção resultante do acordo de vontades. O direito aplicável na
celebração e execução do contrato administrativo não difere quanto ao fundo
daquele aplicado no contrato civil. É a lição de Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello ao assegurar que os contratos entre a Administração Pública e os
particulares são equiparáveis aos contratos do Direito Privado, ressalvadas as
suas peculiaridades.[50]
O
lançamento de um tributo, por sua vez, corresponde à verdadeira obrigação prevista diretamente na lei, que tem
por objeto uma prestação pecuniária exigível pela Fazenda Publica como credora
e o contribuinte como devedor, respeitada a sua capacidade contributiva.
Demais
disso, leis especiais contêm matéria respeitante ao Direito das Obrigações.
Ressalta-se a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que trata dos direitos autorais,
especialmente na parte dos direitos patrimoniais do autor, assegurando-lhe
utilizar, fruir e dispor de obra literária, artística ou científica. Outra que
pode ser citada é a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91). E também a Lei das
Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76). O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003)
que deu roupagem nova ao contrato.
O
Código de Processo Civil contém inúmeras disposições sobre obrigações, de
maneira particular ao disciplinar as execuções das obrigações de dar, fazer e
não fazer, arts. 497, 498, 806 a 823.
Enfim, pode-se
imaginar uma pessoa que não necessite conhecer o Direito das Sucessões, basta
que não receba herança ou legado. Pode-se imaginar uma pessoa que desconheça
grande parte do Direito de Família, por exemplo, aquele que não se casa com
relação aos regimes de bens, ainda aquele que não se obriga a prestar
alimentos. Ou mesmo imaginar uma pessoa que nunca terá alcance do Direito das
Coisas, caso não seja proprietário ou possuidor. Contudo, impossível imaginar
alguém que durante sua vida não celebre relações jurídicas obrigacionais, tão
vasto o seu âmbito de aplicação se a singela compra de pequeno bem é uma
obrigação.
Daí em França,
Jacques Flour e Jean-Luc Aubert assegurarem que se pode ser comercialista ou
administrativista sem conhecer todo Direito Civil, mas nenhum jurista, qualquer
que seja a sua especialidade, pode ignorar o Direito das Obrigações. Na Itália,
Polaco adverte que o Direito das Obrigações é “qual planta viçosa que estende
as suas raízes a todas as outras zonas do Direito Civil.”[51]
Maria Helena Diniz, citando Josserand, observa que o Direito das Obrigações
constitui a base não só do Direito Civil, mas de todo Direito, por ser seu
arcabouço e substrato, visto que todos os ramos jurídicos funcionam à base de
relações obrigacionais.[52]
São
palavras de estimulo ao estudo do Direito das Obrigações.
CAPÍTULO V
1
Distinção entre o Direito das Obrigações e os Direitos da Personalidade e
Direitos das Coisas. 2 Direitos das Obrigações e Direitos da Personalidade. 3
Direitos das Obrigações e Direitos das Coisas. 4 Obrigações propter rem. 5 Obrigações com eficácia
real.
1 DISTINÇÃO ENTRE O DIREITO DAS
OBRIGAÇÕES, DIREITOS DA PERSONALIDADE E OS DIREITOS REAIS.
Oportuno, nesse entretanto, relatar as principais
distinções entre os direitos obrigacionais, os direitos da personalidade e os
direitos reais.
O
Direito moderno elaborou o conceito de obrigação atendendo à natureza jurídica
do direito e ao conteúdo da prestação. Desse modo a seguinte classificação:
1 Direitos pessoais:
1.1 direitos da personalidade;
1.2 direitos obrigacionais.
2 Direitos patrimoniais:
2.1 direitos reais;
2.2 direito obrigacionais.
3 Direitos absolutos:
3.1 direitos da personalidade;
3.2 direitos reais.
4 Direitos relativos:
4.1 direitos obrigacionais.
2 DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DA PERSONALIDADE
A
expressão direitos pessoais designa
tanto os direitos da personalidade como o direitos obrigacionais. Contudo, os
direitos da personalidade se inserem no grupo dos direitos subjetivos
relacionados à tutela dos atributos fundamentais do ser humano, enquanto o
Direito das Obrigações dispõe sobre as relações jurídicas patrimoniais.
Os
direitos da personalidade visam resguardar a pessoa de lesões que possam
macular os seus elementos internos e essenciais por constituírem categoria
própria de direitos segundo a qual a pessoa é considera em si mesma (iura in
re ipsa). A pessoa não é considerada em meio às relações com a família
(estado familiar), ou com a sociedade (estado civil), ou com a profissão
(estado profissional), ou com o Estado (estado político), mas pelo fato de ser
pessoa humana. Qualquer pessoa merece o mesmo respeito, desde a pessoa mais
virtuosa até a mais venal, pois independe do estado; basta ser pessoa para
tê-los e merecer proteção.
Como Limongi França, filiando-se
entre os naturalistas, Carlos Alberto Bittar entende que são direitos comuns da
existência, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los, ora na
órbita constitucional, ora na orbita da legislação ordinária, existindo antes e
independentemente do Direito Positivo, como inerentes à própria pessoa humana,
considerada em si e nas suas manifestações.[53]
Sendo assim, os direitos
da personalidade expandem a defesa da pessoa humana:
a) na sua
integridade física: a vida,
o próprio corpo vivo ou morto, ou parte dele, o corpo alheio vivo ou morto, os
alimentos necessários a sua subsistência.
b) na sua
integridade intelectual: a
liberdade de pensamento, a autoria científica, artística e literária;
c) na sua
integridade moral: a honra,
a boa fama, a imagem, o nome, a vida privada, a intimidade.
Em
síntese, representam a concretização do princípio constitucional da dignidade
humana no Direito Privado, mas ao mesmo tempo precedem ao próprio Direito. Mesmo
se a lei não os outorgasse, eles existiriam por si só, dado que pertencem ao
homem pelo simples fato de ser pessoa humana.
Estes
direitos têm as seguintes características:
a)
são inatos, pois não dependem da lei para outorgá-los,
o que permite identificá-los
como precedentes até ao Estado, acautelando o ser humano desde a sua
concepção;
b)
são oponíveis contra todos, uma vez que à pessoa é
permitido defender os seus atributos essenciais perante toda comunidade;
c)
são vitalícios, daí a sua imprescritibilidade;
acompanham a pessoa em toda a sua trajetória e não se transmitem por sucessão,
salvo exceções;
d)
são de relativa disponibilidade, somente em casos
excepcionais a lei faculta a sua cessão, como no caso de transplante
terapêutico de órgãos ou a licença para o uso da imagem e do nome.
Por
seu turno os direitos obrigacionais podem ser entendidos como se segue:
a)
são relativos, oponíveis àquele que figura no polo contraposto
da relação jurídica;
b)
são transmissíveis, porque passíveis de aquisição inter
vivos e mortis causa;
c)
são patrimonializados, pois sujeitos à execução se
inadimplidos;
d)
são transitórios ou temporários, resolvem pelo
adimplemento, ou pela própria prescrição;
e)
são ilimitados, permitindo a criação de novas figuras pela
livre convenção das partes.
Nada impede,
no entanto, que a expressão patrimonial de um direito da personalidade seja
objeto do Direito das Obrigações, assim se uma atriz cede o seu direito de
imagem à publicidade de determinado produto, ou mesmo o seu nome para designar
um empreendimento.
3 DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS
DAS COISAS
Os direitos patrimoniais dividem-se em
Direitos das Obrigações e Direito das Coisas, também denominados Direitos
Reais. Estas categorias remontam a antiga origem, pois Gaio, século II d.C.,
classificou as ações em reais e obrigacionais, distinção de que, muito tempo
depois, serviu-se Savigny para substituir a palavra ações por direitos. Esta
classificação estrutural é a base da arquitetura do Código Civil, que dedica o
Livro I da Parte Especial ao Direito das Obrigações e o Livro III ao Direito
das Coisas. Todavia, vislumbra-se a corrente dos negativistas, negando uma
diferença fundamental entre esses dois ramos.
O
principal elemento diferencial está na caracterização do sujeito passivo. O Direito
das Obrigações implica na relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo,
determinados ou determináveis, criando a faculdade de o primeiro exigir do
segundo uma prestação positiva ou negativa, portanto o credor só pode buscar a
prestação junto ao devedor. Constitui-se em um direito relativo, só obriga as
partes contratantes. Ao revés, o Direito das Coisas, com um sujeito ativo
determinado, proprietário ou possuidor, tem por sujeito passivo a generalidade
anônima dos indivíduos, toda coletividade, efetiva-se mediante a imposição de
uma abstenção dirigida a todos que a ela devem se subordinar. Constitui-se em
um direito absoluto oponível erga omines.
Por conseguinte a relação jurídica obrigacional é um vínculo entre pessoas,
enquanto no Direito das Coisas subsiste um vínculo jurídico social, de natureza
difusa, como lucidamente adverte Roberto Senise Lisboa.[54]
Observa-se
que o credor de uma obrigação somente goza de seu direito com a intervenção do
devedor, é dizer, não usufrui diretamente de seu direito; ao contrário nos Direitos
Reais em que se dá o exercício direto pelo titular do direito sobre o bem da
vida, dele podendo usar e gozar, dispor e reivindicar, sem intermediário, diretamente,
observados os parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
Outra
distinção é que o Direito das Obrigações é ilimitado, porquanto vinga a
autonomia privada, permitindo a criação de novas figuras de lege ferenda,
que são os denominados contratos inominados ou atípicos, como já dito aqueles
não previstos em lei. É, pois, numerus apertus. Ao contrário dá-se com o
Direito das Coisas que, não podendo ser objeto de livre convenção, está
limitado nos casos de lege lata, são tipos, exaustivamente, previstos em
lei. É, dessa forma, numerus clausus. Estão previa e exaustivamente
estabelecidos no art. 1.225 do Código Civil.
Possível
ainda distingui-los quanto à duração, os direitos obrigacionais têm caráter
transitório, pois tendem a desaparecer com o cumprimento da obrigação, ao passo
que os reais são perpétuos, permanentes, sua tendência é durar indefinidamente.
Deduz, pois, que o
Direito das Coisas tem as seguintes características:
a) são
direitos absolutos, oponíveis erga omines;
b)
são transmissíveis, porque passíveis de transmissão inter vivos e mortis causa;
c)
são patrimonializados, posto que sujeitos à execução se
inadimplidos;
d)
são vitalícios, acompanham o seu proprietário enquanto
deles não dispor;
e)
são limitados, previamente previstos em lei.
Como no caso
dos direitos da personalidade, pode um direito real gerar outro obrigacional,
como no condomínio em que cada condômino é obrigado a uma prestação para
conservação das áreas de uso comum, ou o proprietário de imóvel obrigado ao
pagamento do imposto correspondente, o que equivale a uma espécie de obrigação hibrida,
que passa a ser considerada. São as obrigações denominadas propter rem.
4 OBRIGAÇÃO PROPTER REM
Apesar das
dessemelhanças persiste uma zona de crise ou fronteiriça entre esses dois ramos
do direito patrimonial, é o que se denomina de obrigação propter rem,
uma categoria intermediária ou figura híbrida, constituindo na aparência um
misto de obrigação e direitos reais.
A expressão
latina propter rem significa em razão da coisa, sendo assim essa modalidade de obrigação manifesta-se quando
alguém, possuidor ou proprietário de um bem, é constrangido a atender certa
prestação obrigacional. Em outras palavras, determinada pessoa por estar
investido de um direito real deve cumprir uma prestação de direito
obrigacional.
São inúmeros
os exemplos, a começar pela Súmula 326, do Supremo Tribunal Federal: “é
legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a
transferência do domínio útil”. Outro exemplo, o art. 17, do Decreto-lei número
25/1937, que impõe ao proprietário de bens incorporados ao patrimônio histórico
e artístico nacional de não destruí-los ou de não realizar obras que lhes
modifiquem a aparência.
Dois exemplos
emblemáticos. Um sobre os direitos de vizinhança. Os arts. 1.277 a 1.313 do Código
Civil dispõem que o proprietário ou possuidor de um prédio não pode usá-lo de
modo anormal ou perigoso à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos. O
outro é o que se refere ao meio ambiente. O art. 1.228 caput do Código Civil outorga ao proprietário de terreno urbano ou
rural ampla faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la
de quem injustamente a possua ou detenha. Por sua vez, o § 1º impõe limites ao aprontar
que a propriedade deve ser exercida em consonância com as suas atividades
econômicas e sociais, preservando a flora e a fauna, de acordo com o estabelecido
em lei especial. Aliás, este preceito do Código Civil é consectário lógico das
disposições constitucionais acerca do meio ambiente, especialmente o inc. VII,
do § 1º, do art. 225. Ora, a proibição de uso anormal da propriedade de modo
que prejudique vizinhos e a preservação da flora e da fauna são obrigações propter rem impostas em razão da
propriedade.
Por
conseguinte, na obrigação propter rem
quando alguém deixa de ser proprietário da coisa (direito real) não tem mais a
obrigação de adimplir a prestação (direito obrigacional). Essa modalidade de
obrigação é assim transeunte, também chamada de ambulatorial, passa para o novo
proprietário.
Precisa a ponderação de Orlando
Gomes:
Caracterizam-se [as obrigações
propter rem] pela origem e transmissibilidade automática. Consideradas em sua origem,
verifica-se que provêm da existência de um direito real, impondo-se a um seu
titular. Esse cordão umbilical jamais se rompe. Se o direito de que se origina
é transmitido, a obrigação o segue, seja qual for o titulo translativo. A
transmissão ocorre automaticamente, isto é, sem ser necessária a intenção
específica do transmitente. Por sua vez, o adquirente do direito real não pode
recusar-se a assumi-la.[55]
Maria,
proprietária de uma unidade condominial, tem a obrigação propter rem de pagar a quota de condomínio. Caso venda o imóvel a
Isabel, a obrigação lhe é transmitida independentemente da vontade das partes.
Passa, ipso facto, a obrigação de Isabel
atender a prestação condominial correspondente.
5 OBRIGAÇÃO COM EFICÁCIA REAL
A
obrigação com eficácia real também se situa no terreno fronteiriço dos direitos
obrigacionais e reais e não se confunde com a obrigação propter rem. É quando terceiro adquire, em razão do registro
público, direito que gera eficácia erga omines.
Na
Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, Lei de Locação, nos seus artigos 27 a 34 outorga o direito de
preferência ao locatário na aquisição do imóvel locado, no caso em que o locador
pretenda alienar no curso do contrato de locação. Se o locador aliená-lo a
terceiro, sem antes notificar o locador para exercer sua preferência, poderá
este, depositando judicialmente o preço tanto por tanto, dentro do prazo
decadencial de noventa dias, adquirir o bem, nos termos expressos do art. 33.
Disposição a respeito também está no art. 576 do Código Civil, sendo requisito a
averbação do contrato de locação, em Títulos de Documentos do domicílio do
locador.
Da mesma forma os arts. 1.417 e 1418 do Código
Civil dão preferência ao promitente comprador, mediante promessa de compra e
venda em que não se pactuou arrependimento. Alienado o bem a terceiro,
desrespeitada a preferência do promitente comprador, está este armado do
direito de exigir a escritura definitiva de compra e venda, conforme os termos
dispostos no instrumento preliminar e, havendo recusa, requerer ao juiz a
adjudicação do imóvel.
RESUMO
1 Importância da matéria: as pessoas naturais e jurídicas e mesmo
entes despersonalizados celebram obrigações desde as relações mais simples do
cotidiano como a compra e venda de pequena coisa até nas relações mais onerosas
como a aquisição de bens de alto valor. Bem por isso, o Direito das Obrigações
repercute em todos os Livros da Parte Especial do Código Civil, assim no
Direito de Empresa, das Coisas, de Família e das Sucessões. Também repercute em
outros ramos do Direito, de maneira especial no Direito do Consumidor,
Empresarial, Administrativo, Tributário etc. O seu estudo é essencial para o
bom entendimento dessas matérias. E tal influência ficou mais acentuada com a
unificação parcial do Direito Privado, os contratos.
2 Distinções entre os direitos
obrigacionais, direitos da personalidade
e reais:
a) Direitos da personalidade: a) são inatos; b) oponíveis contra todos; c)
vitalícios; d) em regra indisponíveis.
b) Direitos das Coisas: a) são absolutos, oponíveis contra
generalidade anônima dos indivíduos; b) objeto incide sobre uma coisa; c) são
transmissíveis d) são patrimonializados e) vitalícios; f) são limitados (numeros clausus), somente aqueles
previstos em lei.
c) Direitos das Obrigações: a) são relativos oponíveis apenas contra
àquele que figura no contraposto da relação jurídica; b) objeto é uma prestação
pessoal econômica; c) são transmissíveis; d) são patrimonializados; e) são
transitórios; f) são ilimitados (numerus
apertus) pela existência de contratos inominados ou atípicos.
3) Obrigações propter rem: figura hibrida, misto de Direito das Coisas
e Direito das Obrigações. Manifestam-se quando alguém é proprietário ou
possuidor de um bem e, por isso, constrangido a atender uma prestação
obrigacional. Por exemplo: o proprietário de um imóvel rural tem a obrigação de
preservar a flora e a fauna, ou o condômino tem a obrigação de pagar a taxa de
condomínio. É uma modalidade de obrigação transeunte, pois alguém deixa de ser
proprietário da coisa (direito real), não tem mais a obrigação adimplir a
prestação (direito obrigacional), que passa para o novo proprietário.
4) Obrigações com eficácia real: também figura hibrida, que outorga preferência a determinada pessoa,
sobre um bem, em razão do registro público, o que as distinguem das obrigações propter rem. O locatário tem o direito
de preferência em caso de venda do bem locado, ou o adquirente de um imóvel,
também tem preferência o promitente comprador, mediante a promessa de compra e
venda que não se pactuou arrependimento.
CAPÍTULO VI
Princípios Gerais do Direito das
Obrigações
1 Exato
adimplemento; 2 Autonomia privada. 3 Função social; 4 Boa-fé objetiva. 5 Responsabilidade
patrimonial.
1 PRINCÍPIO DO EXATO ADIMPLEMENTO
Dispõe o art. 313 do Código Civil:
“O credor não é obrigado a receber
prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.”[56]
De sua leitura isonômica segue que a regra tem consequência tripartida. A uma,
consiste na garantia de se atender a justa expectativa do credor em receber o
seu crédito. A duas, é uma conduta de moderação do próprio credor, que não
poderá exigir algo diferente do contratado, tampouco exacerbar o débito. A
três, a obrigação deve ser cumprida no tempo, lugar e modo previamente
contratados (CC art. 394, última parte). Isto é, o devedor deve oferecer ao
credor a prestação obrigacional convencionada, é a milenar parêmia pacta sunt servanda: o contrato deve ser
cumprido.
Nota-se, o devedor compromete parte
de sua liberdade, uma vez que passa a ter o dever jurídico de compatibilizar a
sua conduta ao adimplemento da prestação a que se obrigou. Não pode ter o mesmo
comportamento de antes, deve pautar doravante os parâmetros exigidos à obtenção
do adimplemento. Se a dívida é em dinheiro e o rendimento do devedor permanece
o mesmo, deverá abdicar-se de despesas. É o que se aguarda por parte de quem
pretende resgatar a palavra empenhada, o homem honesto. Conjetura a boa-fé
objetiva, a conduta acertada com o fato.
Por sua vez, o art. 314 do Código
Civil estabelece, como regra geral, o impedimento de o devedor efetuar o
pagamento parcelado se assim não se ajustou, vale afirmar, se o convencionado
foi o pagamento de uma só vez, dessa forma deverá ser feito, não cabe a
pretensão de pagar por partes, o que será tratado mais minuciosamente quando da
forma de pagamento, pois existe nuanças previstas na lei processual.
Atenta-se também que devedor e
credor podem acordar em pagar e receber prestação diversa do pactuado, se assim
for de conveniência recíproca, é a chamada figura da dação em pagamento (CC
art. 356), que também será motivo de abordagem adiante. O que a lei não
recepciona é a pretensão unilateral de mudança da forma de pagamento, pois as
partes são tratadas paritariamente. Qualquer alteração da obrigação adrede
contratada há de ter o consenso das partes.
O exato adimplemento conduz ainda
a outra conclusão: o direito de o devedor se alforriar da obrigação pelo
pagamento. O credor não pode dificultar esse direito do devedor. Tanto que o
art. 334 do Código Civil preveja o pagamento em consignação. O
extinto 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo decidiu:
Transparecendo, pelo comportamento do credor,
sua injusta recusa em receber seu crédito, legitimado está o devedor em
promover a sua consignação judicial, nos termos do art. 890 do Código de
Processo Civil [art. 539 do novo CPC] (ap. 746.668-00/4, j. 3.09.2002, rel.
Juiz Paulo Ayrosa).
A consignação é o depósito
judicial em estabelecimento bancário da prestação, ante a recusa injusta do
credor em recebê-la.
Pela digressão deflui, que o
pagamento é direito do credor em receber o que lhe é devido, o seu crédito. A relação
jurídica obrigacional como processo caminha para esse desate, sua finalidade
primária, o cumprimento do débito com o respectivo recebimento do crédito conforme
o exato modo acordado pelas partes. E, ao mesmo tempo, é direito do devedor, para
que possa honrar o compromisso assumido e recuperar parte de sua liberdade
econômica comprometida.
2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA
O vocábulo autonomia deriva do
grego, auto significa próprio, em si mesmo, enquanto nomos designa
regra; autonomia é, assim, o poder de
estabelecer normas próprias. É o escólio de Rosa Maria de Andrade Nery ao afirmar
que a autonomia privada é princípio específico de Direito Privado e está ligado
“à ideia de poder o sujeito de
Direito criar normas jurídicas
particulares que regerão seus atos”.[57]
De efeito, o Direito Objetivo, com
suas regras gerais abstratas que se aplicam indistintamente a todas as pessoas,
permite que elas estabeleçam entre si a forma que devem agir, emprestando força
especial a esse acordo. E dentro desse enfoque, a autonomia privada revela o
valor da liberdade individual, possibilitando que os obrigados exteriorizem
conforme a sua vontade o teor do contrato e como viabilizar a sua execução. É
um postulado democrático, por isso mesmo inarredável do negócio jurídico.
Esse princípio, todavia, foi
energicamente modificado no trepidar do tempo, merecendo ajuste na sua
concepção.
No Estado Liberal era vedado ao Poder
Público interferir nas atividades jurídicas dos particulares. A livre expressão
da vontade humana, como criadora exclusiva de direito, não podia sofrer
intervenção autoritária destinada a limitá-la.
Ao Direito não cabia compelir ou
impedir alguém de contratar, nem com quem contratar, nem o que contratar. Predominava
a doutrina do laissez faire laissez passer,
a lógica do mercado regulava as relações intersubjetivas. Acreditava-se que a mão invisível do mercado, no controle do
preço e da livre concorrência, era fonte harmoniosa natural e toda intervenção
estatal poderia redundar em falseamento do contrato, lei entre as partes.[58]
Era o tempo do individualismo categórico: o contrato é justo, tão apregoado
pela Escola dos Pandectas, na Alemanha do século XIX, pugnando pela onipotência
da vontade individual, por entendê-la como inexpugnável dogma.
Kant chegou a afirmar que se
alguém decide de alguma coisa a respeito de outro, é sempre possível que se
faça alguma injustiça, mas toda injustiça é impossível quando ele decide por si
próprio.[59]
Vigorava a plenitude da incidência do brocardo pacta sunt servanda: o contrato deve ser cumprido; nada
justificando a incidência de outro brocardo rebus
sic stantibus: desde que as coisas permaneçam como estão. Ou seja, por esta
última cláusula nas obrigações em que as partes realizam um negócio mediante
pagamento que se projeta no futuro[60],
o vínculo obrigacional entende-se subordinado à continuação do estado vigente
ao tempo da sua estipulação, permitindo a sua revisão, ou até a sua resolução, em
caso de haver desigualdade superveniente por motivos imprevisíveis.
O respeito ao pacta sunt servanda cede passo quando
surgem fatos supervenientes, suficientemente fortes para caracterizar a
alteração da base em que o negócio foi realizado, que tornem insuportáveis o
cumprimento da obrigação para uma das partes. Nessa hipótese, cabe revisão
judicial do contrato, ou mesmo sua resolução (STJ, REsp. 73370/AM, 4ª T., j. 21.11.1995,
rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 12.2.1996).
O advento da revolução industrial demonstrou
que esse voluntarismo, imposto pelo individualismo liberal-libertário, era
forma de exploração do mais forte em detrimento do mais fraco, esvaziando a
igualdade de todos que era apenas formal, o que redundava na concentração da
riqueza em mãos cada vez mais restritas.
Georges Ripert contribuiu
sobremaneira ao acusar que a doutrina da autonomia da vontade era
concomitantemente o reconhecimento e o exagero do poder absoluto do contrato.
Entre outras questões levantou as seguintes:
A vontade soberana fazendo
leis! Mas quem confere ao homem esta autoridade que é o apanágio da soberania?
Permite-lhe a liberdade ligar-se sobre um objeto ou para fim imoral, e o
consentimento dum cúmplice ou duma vítima torna, porventura, a imoralidade mais
perdoável? Supondo a convenção irrepreensível pelo seu objeto e pelo seu fim,
estão as duas partes em pé de igualdade e não será a sua desigualdade
justamente daquelas que a lei se deve esforçar por corrigir, sendo como é a mãe
da injustiça? Será permitido explorar a fraqueza física e moral do próximo, a
necessidade em que ele está de concluir, a perversão temporária da sua
inteligência e da sua vontade? Pode o contrato, instrumento da troca de
riquezas e dos serviços, servir para a exploração do homem pelo homem,
consagrar o enriquecimento injusto dum dos contratantes com prejuízo do outro?
Não é necessário, pelo contrário, manter ao mesmo tempo a igualdade das partes
contratantes e a das prestações para satisfazer um ideal de justiça que nós
encerramos quase sempre numa concepção de igualdade?[61]
Combatida de todos os lados, a
autonomia da vontade encolheu-se para que novas ideias incorporassem ao seu
conceito, pois a História do Direito denunciou que nem sempre a liberdade e a
igualdade formais garantem o contrato justo, nem a livre e consciente
manifestação da vontade das partes ou de uma das partes. Ultrapassado tal mito
liberal, no atual contexto de eticidade jurídica mais que proteger a vontade ou
consenso das partes, volta-se a atenção para o momento da execução do contrato.
Consideram-se, hoje, a primazia do
social sobre o individual (socialidade), a condenação do acúmulo de riquezas
privilegiando a menor parcela da população que, muitas vezes, vale-se do
contrato desequilibrado (eticidade). Enfim, restou claro que os negócios
jurídicos deixaram de ser de pessoa a pessoa e passaram a ser de pessoas a
grandes corporações, crescentemente poderosas com maior poder de impor a sua
vontade, desmistificando o absolutismo da consensualidade. Exemplo marcante é o
contrato de adesão, em que a liberdade de contratar do aderente está adstrita
no recepcionar as cláusulas previamente estabelecidas pela outra parte. Esta
espécie de contrato, assegura Josserand, é prevalente nos contratos de
transporte, de seguros, dos grandes magazines etc., para concluir: “a técnica
da formação do contrato se encontra desse modo gravemente modificada”,[62]
ao fazer a comparação com o contrato paritário, no qual as partes discutem as
cláusulas e condições em pé de igualdade.
Contrato de adesão. Convênio
médico-hospitalar. Liberdade ampla de contratar. Igualdade entre as partes.
Inocorrência, Serviço necessário à saúde. Relativa liberdade. Recurso não
provido. O princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os
contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de
aceitar ou rejeitar os termos do contrato. Mas isso nem sempre é verdadeiro,
pois a igualdade que reina no contrato é puramente teórica, e via de regra,
enquanto o contratante mais fraco no mais das vezes não pode fugir à
necessidade de contratar, o contratante mais forte leva uma sensível vantagem
no negócio, pois é ele que dita as condições do ajuste (TJSP, Ac. 232.777-2-São
Paulo, rel. Des. Gildo dos Santos, j. 19.5.1994).
Bem por isso, a autonomia da
vontade convola-se em autonomia privada. A autonomia da vontade é entendida por
particularizar a ampla liberdade de contratar, outorgando às partes o direito
de regular, elas próprias, todas as condições e ajustes, extensão e conteúdo de
suas convenções, afastada a intervenção estatal. Já a autonomia privada é entendida
como aquela que preserva a liberdade de contratar, entretanto essa liberdade é
balizada pelos limites estabelecidos previamente em lei, visando resguardar
valores impostos pelos fins econômicos e sociais, pela boa-fé e pelos bons
costumes (CC art. 187).
Pietro Perlingieri sintetiza a
questão: “O ato de autonomia privada não é um valor em si; pode sê-lo, e em
certos limites, se e enquanto responder a um interesse digno de proteção por
parte do ordenamento.”[63]
Daí que, sendo um postulado do
direito de natureza democrática, a autonomia privada persevera como um dos
princípios específico do Direito das Obrigações, mas sofre quatro temperamentos
em diferentes dispositivos, com o fito de não permitir o desequilíbrio das
prestações recíprocas em uma mesma obrigação.
a) Estado de perigo
O primeiro temperamento é o estado de perigo
(CC art. 156). A parte obriga-se de maneira excessivamente onerosa mediante
urgente necessidade de salvar-se ou salvar alguém de sua família de iminente
dano. Passagem da obra shakespeariana presta-se no exemplificar com a expressão
“meu reino por um cavalo”, brado do
rei Eduardo III quando derrotado em batalha se viu desmontado sem condição de
fuga das mãos inimigas. Recorrente é o
exemplo de alguém que pretenda internar-se ou pessoa de sua família em grave
estado de saúde, e o hospital exige para o atendimento emergencial garantia
fidejussória, com a emissão de cheque contemplando certa quantia.
Não procede a cobrança de despesas hospitalares e de
internação em unidade de terapia intensiva se o contrato de prestação de
serviços foi firmado por pessoa abalada emocionalmente, uma vez que a
manifestação de vontade ofertada por quem se encontra em estado de perigo não
pode ser vinculada ao negócio jurídico (Revista Jurisprudência Mineira 181/189,
maioria).
Estão presentes dois elementos, um
de ordem subjetiva: a sujeição
causada pela urgente necessidade,
quando a manifestação da vontade não é livre, e o conhecimento dessa
urgência pela outra parte que oportuniza o dolo de aproveitamento, cabe
dizer, o aproveitamento de um pelo outro denotando a falta de ética que não
pode ser acolhida pelo Direito. E outro de ordem objetiva: pelo vício de vontade dá-se a assunção de obrigação excessivamente
onerosa. Portanto, desde a fase da formação do negócio jurídico há a chocante desproporção, (expressão
retirada do § 138 do Código Civil alemão), entre as prestações. Por acarretar a
ruptura do equilíbrio das prestações, transgride o contrato comutativo, que é aquele de prestações certas,
determinadas e equivalentes, isto é, prestações mais ou menos do mesmo valor
não em um cálculo necessariamente aritmético, mas que não sejam tão díspares,
de desproporção manifesta, induvidosa e exagerada. Nota-se a desproporção entre
as prestações acontece no momento da celebração da obrigação, afastado qualquer
fato superveniente.
A consequência é a anulação da
obrigação. Poder-se-ia supor que a lei pretendeu impor uma sanção pelo abuso de
direito, pois se o serviço tivesse sido prestado ficaria sem remuneração, ou
que o prestador do serviço, não se tratando de sanção, devesse ingressar com
ação de enriquecimento sem causa para haver o pagamento. No entanto, é mais
sensato entender que o serviço, se prestado, devesse ser pago pelo preço
praticado no mercado. Bem por isso o Enunciado 148 do Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “Ao estado de perigo (art. 156)
aplica-se, por analogia o disposto no § 2º do art. 157” . Portanto, se a parte
favorecida concordar com a redução do proveito, não se decretará a anulação. O
enunciado é plenamente razoável, compatibiliza-se com o espírito do Código
Civil de conservar o negócio jurídico em caso de revisão contratual, e elege o
princípio da operabilidade.
b) Lesão
O segundo temperamento é o da lesão (CC art. 157) que, como no estado
de perigo, acarreta ruptura do equilíbrio das prestações desde a fase de
formação do negócio jurídico, e da mesma forma atenta contra o contrato
comutativo. A lesão também conjuga dois elementos, o elemento subjetivo intui vício de consentimento “quando uma pessoa
obriga-se, sob premente necessidade, a
manifestação da vontade não é livre, ou por
inexperiência, a manifestação da vontade não é consciente. Premente
necessidade e inexperiência que não se presumem, devem ser devidamente
provadas.[64]
O elemento objetivo diz respeito ao
objeto do negócio jurídico, é exatamente o resultado conduzido pelo
constrangimento da vontade, como na hipótese de alguém que se obriga “a prestação manifestamente desproporcional
ao valor da prestação oposta”. A sua mensuração deve ser “segundo os valores vigentes ao tempo em que
foi celebrado o negócio jurídico” (CC art. 157, § 1º). Arreda-se, como no
estado de perigo, a possibilidade de invocar qualquer fato superveniente.
Lesão. Cessão de direitos
hereditários. Engano. Dolo do cessionário. Vício de consentimento. Distinção
entre lesão e vício da manifestação da vontade. Prescrição quadrienal. Caso em
que os irmãos analfabetos foram induzidos à celebração de negócio jurídico
através de maquinações, expedientes astuciosos, engendrados pelo inventariante-cessionário.
Manobras insidiosas levaram a engano os irmãos cedentes que não tinham, de
qualquer forma, compreensão do valor da coisa. Ocorrência de dolo, vício de
consentimento. Trata-se de negócio jurídico anulável, o lapso da prescrição é
quadrienal (art. 178, § 9º, inc. V, b, do Código Civil). Recurso Especial não
conhecido (STJ, 4ª Turma, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 04.02.2002, p. 364).
Tanto no estado de perigo como na
lesão a vítima age em estado de necessidade. A distinção entre ambas está que
no primeiro é imprescindível o conhecimento de que a contraparte se obriga em
situação de grave perigo, trata-se de um abuso da situação, presente o dolo de
aproveitamento, e pode ocasionar dano físico ou pessoal. E no segundo, o estado
de premente necessidade ou de inexperiência não é de necessário conhecimento da
contraparte, dispensa, embora possa haver, o dolo de aproveitamento; o dano é somente
patrimonial.
c) Teoria da imprevisão.
O terceiro temperamento
relaciona-se à teoria da imprevisão prevista
no art. 317 do Código Civil que dispõe: “quando,
por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução”, a seu turno, “poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte”.
Ao magistrado não é dado agir de ofício, e sim provocado pela parte, e conclui:
“de modo que assegure, quanto possível, o
real valor da prestação”, aqui reside a razão ontológica, a mens legis, que contempla a cláusula rebus sic stantibus. Decorre de fato
superveniente.
Os motivos imprevisíveis devem ser
interpretados conforme aconselha o Centro de Estudos Judiciários do Conselho de
Justiça Federal no Enunciado 17: “A interpretação da expressão ‘motivos
imprevisíveis’, consoante o art. 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto
causas de desproporção não previsíveis, como também causas previsíveis mas de
resultados imprevisíveis.” E não pode ser atribuído à parte prejudicada.
Em resumo, se um fato posterior à
celebração da obrigação torna a prestação de tal forma desproporcional, que uma
das partes é colocada em estado de iniqüidade, é possível a sua revisão para
restabelecer o equilíbrio.
Por conseguinte, na teoria da
imprevisão incide, invariavelmente, um acontecimento superveniente e
imprevisível, diferente do estado de perigo e da lesão que não admitem esse
pressuposto, pois nestas, repita-se, a desproporção entre as prestações é verificada
na formação do contrato, ou seja, concomitantemente à celebração da obrigação.
d) Onerosidade excessiva
O quarto temperamento é a
resolução do contrato por onerosidade
excessiva (CC arts. 478 a
480), que se aplica também nos contratos de trato sucessivo ou diferido, e da
mesma forma reporta-se à cláusula rebus
sic stantibus. “se a prestação de uma
das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra,
em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” (CC art. 478).
É dizer, em se tratando de contratos comutativos, se houver substancial
modificação da conjuntura, em função de fatores externos e incontroláveis pelas
partes, que provocam benefício desmedido e imotivado para uma delas e
onerosidade descabida para a outra, admite-se a resolução do contrato. E assim
é porque se a parte soubesse que a obrigação assumida se tornaria excessiva
quando do cumprimento, não a teria contratado. Decorre, a toda evidência, de
fato superveniente.
Decidiu o Superior Tribunal de
Justiça:
Os requisitos para
caracterização da onerosidade excessiva são: o contrato de execução continuada
ou diferida, vantagem extrema de outra parte e acontecimento extraordinário e
imprevisível, cabendo ao juiz, nas instâncias ordinárias, e diante do caso
concreto, a averiguação da existência de prejuízo que exceda a álea normal do
contrato, com consequente resolução do contrato diante do reconhecimento de
cláusulas abusivas e excessivamente onerosas para a prestação do devedor (STJ,
4ª T., REsp. 1.034.702-ES, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15.4.2008, DJ
5.5.2008).
O acontecimento extraordinário e
imprevisível, como na teoria da imprevisão, não pode ser imputado à parte
prejudicada, por motivo óbvio. Pois se foi ela a causadora do desequilíbrio não
é equânime que se aproveite da própria desídia.
Às partes é possibilitada a
composição consensual, desde que a favorecida modifique equitativamente as
condições do contrato (CC art. 479). Além do que, em caso de ação judicial,
cabe ao juiz conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do contrato e
não a sua resolução, em observância ao princípio da conservação dos negócios
jurídicos, assim dispondo os Enunciados 176 e 367 do Centro de Estudos
Judiciários do Conselho de Justiça Federal.[65]
Andou bem o legislador no
estabelecimento destes dois últimos institutos (teoria da imprevisão e
onerosidade excessiva), conjecturando um e outro, pois a teoria da imprevisão
preveja a revisão do contrato, corrigindo uma das prestações para guardar equipolência
para com a outra, não a resolução, pois esta é própria apenas da onerosidade
excessiva. Outra distinção está na oportuna lição de Álvaro Villaça Azevedo ao
afirmar que a teoria da imprevisão não se aplica à inflação, conforme já decidira
o Supremo Tribunal Federal,[66]
mas pode ser aplicada na onerosidade excessiva, quando a inflação dimana, por
exemplo, da desvalorização da moeda nacional, como entendeu o Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
[...] É direito do consumidor a
revisão das cláusulas contratuais tornadas excessivamente onerosas por fato
superveniente, assim podendo compreender a súbita e inesperada alteração da
política monetária e cambial, com elevação do dólar norte-americano, e os
reflexos causados no contrato de leasing
ajustados com cláusula de variação cambial. Recurso provido. (CPA) Vencido o
Des. Nascimento Povoas Vaz. (TJRJ, 18ª Câm., rel. Des. Jorge Luiz Habib, j.
29.2.2000).
No
mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça:
[...] O devedor, inadimplente
em virtude de onerosidade excessiva, seja por desequilíbrio resultante da
desvalorização da moeda ou de critérios para atualização das prestações, pode
pleitear a rescisão do contrato. Majoração da retenção, tendo em vista
peculiaridades da espécie. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão,
provido (STJ, 4ª T, REsp. 508.831-MG, rel. Min. César Asfor Rocha, j.
4.11.2003, DJU 20.3.2006).
O art. 6º do Código de Defesa do
Consumidor, que rege as obrigações consumeristas, no inc. V, providência na
primeira parte: “a modificação das
cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais”,
sugerindo desde o momento em que se conclui a obrigação, refere-se, assim, à lesão.
E na segunda parte: “ou sua revisão em
razão de fatos supervenientes que as tornem onerosas”, como os fatos são
posteriores a sua celebração, sugere a teoria da imprevisão. Duas diferenças
com relação ao Código Civil. Primeira, não fala em resolução, mas em
modificação de cláusulas; segunda, não exige que os fatos supervenientes sejam
imprevisíveis.
Nota-se, o estado de perigo e a
lesão referem-se a fatos contemporâneos à celebração do negócio jurídico,
enquanto a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva reportam-se a fatos
supervenientes, por conseguintes posteriores à celebração do negócio jurídico,
ensejando a incidência da cláusula rebus
sic stantibus.
Enfim, em se tratando de autonomia
privada, vale as palavras de Giorgio Del Vecchio, ao enfocar a liberdade de
contratar, consignando que essa liberdade deriva, logicamente, do poder que
todo indivíduo tem sobre si e é até uma das supremas expressões desse poder;
mas é claro, que o seu exercício para ser válido e eficaz, tem como
consequência uma restrição do arbítrio individual.[67]
Em suma, a mais importante
restrição à autonomia privada é colocar as partes em patamares diferentes com
nítida desproporção entre as prestações, de modo que uma parte prevaleça sobre
a outra. Há sempre de se exigir a equipolência entre as prestações, o que já
era caro ao Direito Romano desde a Mancipatio,
citada na Lei das XII Tábuas (450
a .C.), quando as obrigações assumidas eram pesadas em
praça pública, atestando a equivalência das prestações assumidas pelas partes
contratantes. Tanto que Celso conceituou o Direito como ius est ars boni et aequi: a arte do bem e da equidade. A quebra
dessa equidade não pode prevalecer em nome da Ciência Moral, que bafeja
diretamente o Direito.
A equivalência das prestações é
princípio elementar de justiça encontrado até nas comunidades selvagens. No
arquipélago das Trobriands, situado a nordeste da Nova Guiné, habitado por
tribo selvagem, as transações econômicas de troca de bens e serviços realizadas
em parceria permanente, por meio de uma cadeia de presentes e contrapresentes
recíprocos, ao longo prazo se equilibram, beneficiando igualmente ambos os
lados.[68]
Além das previsões da teoria da
imprevisão e da onerosidade excessiva, exemplo esclarecedor no atual Código
Civil é o parágrafo único do art. 944: “Se
houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o
juiz reduzir, equitativamente, a indenização.” Suponha-se um acidente de
trânsito por culpa levíssima de um dos condutores, pai de família de classe média
baixa, que abalroa outro veículo de altíssimo preço, produzindo danos
consideráveis. Atender a indenização pela extensão do dano, como propõe a
cabeça deste artigo, seria de graves consequências econômicas para toda
família, levando-a a dificuldades para suprir até mesmo as necessidades básicas
de vida digna.
5 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL
Para Fábio Konder Comparato a noção de função representa o poder de dar ao
objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo, e o adjetivo
social conduz a entender que esse
objetivo deve atender ao interesse coletivo no sentido de sua harmonização com
o interesse individual.[69]
Mais uma vez volta-se ao diálogo
do Código Civil com a Constituição Federal, de sorte a função social, tal qual
o princípio da socialidade, plasma-se na Lei Maior, como já afirmado, ao estabelecer
no seu prólogo que a República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático
de Direito colima realizar os valores fundamentais da dignidade da pessoa
humana, do trabalho, da livre iniciativa, da solidariedade e da função social
da propriedade, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária,
garantindo o desenvolvimento social e, para tanto, erradicando a pobreza e a
marginalidade pela redução das desigualdades sociais e regionais (arts. 1º e
3º). Valores reafirmados no art. 170, ao tratar da ordem econômica. De efeito,
há na doutrina um consenso em torno da conexão entre o princípio constitucional
da solidariedade e a função social do contrato.[70]
Cuida-se entender, impregna ao
Direito a função social, sem a qual os valores enunciados não se efetivam. Propicia
a ruptura do Estado até então mero observador das relações interpessoais (Estado
Liberal) para o Estado intervencionista (Estado do Bem-Estar Social), tendo por
objetivo a realização da justiça social garantida pela ordem pública.
Como toda ruptura exige
reconstrução, contribui o Código Civil no art. 421, ao destacar expressamente a
função social como motivo e limite para o exercício da liberdade de contratar. Por
esse dispositivo, além da função individual clássica do contrato, interessa ao Direito
também as interferências provocadas no ambiente social, mormente ao se tratar
de contratos massificados, como os de consumo e de adesão. “O contrato não deve
ser meio para alcançar o interesse das partes apenas, mas deve ser visto,
principalmente, como um instrumento de convívio social e de preservação dos
interesses da coletividade”.[71]
Nota-se outra conexão, agora com o princípio da socialidade.
O contrato paritário, é bom
repetir, deixou de ser a regra no âmbito negocial, é o contrato de quem adquire
um automóvel usado ou loca um imóvel diretamente com o proprietário, também
quem adquire mercadorias no pequeno comércio varejista. Hoje prevalece os
contratos de consumo e de adesão, até mesmo quando se ajusta uma festa de
aniversário, dado que o pequeno prestador de serviço insere-se no ramo
empresarial, ainda que seja como microempresa.
Se não se protege o consumidor e o
aderente, se não se elege a função social do contrato, as consequências serão
deletérias para a economia nacional, com uns prevalecendo contra os outros, e
estes como maioria absoluta.
Pontifica Fernando Noronha:
O interesse geral, o bem comum,
constitui limite à realização dos interesses individuais e subjetivos, do
credor. Quem se arroga a condição de credor tem necessariamente um qualquer
interesse em que o devedor realize a prestação, mas, evidentemente, o direito
não poderá tutelar interesses que porventura sejam fúteis, ou por outra forma
estranho ao bem comum. Para além dos interesses do credor e do devedor, estão
valores maiores da sociedade, que não podem ser afetados.[72]
Por conseguinte, o interesse que
envolve a obrigação como digno de proteção deve ser voltado para a ótica social
e, dessa forma, confirmar a relação jurídica daí decorrente como válida e
eficaz.
Em síntese, função é uso,
utilidade; social é o que interessa à sociedade. A função social do contrato determina,
pois, que os interesses individuais dos contratantes devam ser usados em consonância
com os interesses da sociedade à maneira que estes se façam presentes. Portanto,
essa função deve ser entendida como razão e limite para o exercício da
liberdade de contratar, no entanto razão e limite que não eliminam a autonomia
privada. Segue neste sentido o Enunciado 23 do Centro de Estudos Judiciários da
Justiça Federal: “A função social do contrato prevista no art. 421 do novo
Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou
reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou
interesse relativo à dignidade da pessoa humana.”
De todo o exposto conclui-se, o
princípio constitucional da solidariedade, o da socialidade e o da função social
do contrato estão no sentido de um dialogo estreito, como que um a reforçar e a
completar o outro, dando azo à formação de contratos mais justos e equânimes,
para que as partes preservem os seus direitos e interesses, evitando a nefasta pratica
de outrora de se levar vantagem em tudo, que o vulto denominou de lei de Gerson, por priorizar o ideal
egoístico, forjado no deplorável individualismo de tradição liberal-libertária
referido por Norberto Bobbio.
6 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
Já consignado que a relação
jurídica obrigacional é um processo, não é um esquema estático. E processo
sugere movimento, fases uma após outra, concatenadas, dirigidas para um fim colimado,
sempre uma prestação de dar, fazer ou não fazer como forma de atingir a sua
finalidade primária, que é a satisfação do interesse do credor. Clóvis do Couto
e Silva leciona:
Os atos realizados pelo
devedor, bem assim como os realizados pelo credor, repercutem no mundo
jurídico, nele ingressam e são dispostos e classificados segundo uma ordem,
atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direito. Esses atos,
evidentemente, tendem a um fim. E é precisamente a finalidade que determina a
concepção da obrigação como processo.[73]
Antes de se obrigar as partes
entram em uma fase pré-contratual,
são entabuladas tratativas para que cheguem a um acordo. Acordadas as partes, a
obrigação é contratada, é a fase da conclusão ou constituição do contrato,
momento em que a obrigação nasce para o mundo jurídico. No mais das vezes, a
obrigação tem uma vida jurídica, desenvolve-se por determinado arco de tempo, é
a fase da execução do contrato. Por
fim, extingue-se com o adimplemento, é a fase
da extinção do contrato. E ainda, podem perseverar deveres acessórios na fase pós-contratual.
Acontece, dessa forma, com o
contrato de locação, de compra e venda a prazo, de empréstimo, de prestação de
serviços etc. Não se loca um bem antes de visitá-lo se imóvel, de examiná-lo se
móvel, antes de acertar o aluguel, a forma de pagamento, o prazo de vigência.
Locado o bem paga-se o aluguel, até que a locação chega ao seu termo final com
a restituição do bem ao proprietário. São as várias fases de um mesmo contrato.
Em todas as fases incide a regra no
art. 422 do Código Civil, embora disponha que os contratantes são obrigados a guardar,
“assim na conclusão do contrato, como em
sua execução” os princípios da probidade e da boa-fé. No que é criticado
pela estreiteza redacional, dado que não consigna as fases pré e pós-contratual.[74]
É exemplo didático de quando o
legislador fala menos do que pretendia, mas lembrando Miguel Reale a lei não é
a sua letra, mas o seu espírito. Neste sentido o Enunciado 25 do Centro de
Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “O art. 422 do Código Civil
não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases
pré e pós-contratual”.
Esse artigo, uma cláusula geral,
trata da boa-fé objetiva, que não se
confunde com a boa-fé subjetiva, também
chamada de concepção psicológica da boa-fé, que é um estado de espírito,
a pessoa pratica um ato comissivo ou omissivo convicto de que age conforme a
lei. É a crença errônea da existência de um direito ou da validade de um
negócio jurídico; uma ignorância desculpável, porquanto ausente o propósito de
prejudicar direitos alheios. É a boa-fé presente no Código Civil revogado e
ainda no atual quando, por exemplo, refere-se aos efeitos da posse quanto à
percepção de frutos (CC art. 1.214), ou na aquisição da propriedade pela
usucapião ordinária (CC art. 1.242).
A boa-fé objetiva, também chamada de concepção ética da boa-fé, é um padrão de conduta social,
verdadeira regra de conduta ou arquétipo jurídico, caracterizada por uma
atuação de conformidade com a honestidade, a lealdade e a correção, de tal
sorte a não baldar a confiança da outra parte consubstanciada nas suas mais legítimas
expectativas. É examinada externamente, uma vez que não se deve analisar a
convicção de quem atua, o sentimento que o anima (boa-fé subjetiva), mas a
conformidade de sua conduta com o caso concreto, harmonizando-se com o que se
espera do homem probo na convivência comunitária, sendo, pois, princípio de
ordem pública. É a espécie de boa-fé que interessa ao Direito das Obrigações. Conjuga-se
com o princípio da eticidade, entre eles há íntima iteração.
Episódio reiteradamente citado
esclarece a questão que diferencia as duas espécies de boa-fé. O popular
sambista Zeca Pagodinho rompeu contrato com conhecida marca de bebida e se
vinculou a outra empresa concorrente. Em sua defesa o músico alegou
desconhecimento do seu compromisso de exclusividade. Apesar da eventual
presença da boa-fé subjetiva, estado de espírito ou crença, por obvio, houve
flagrante afronta ao princípio da boa-fé objetiva, pois sua conduta foi desajustada
com o caso singular, com a realidade negocial.
Pois bem, distinta a boa-fé
objetiva da subjetiva, cumpre dizer que o legislador pátrio inspirou-se no §
242 Código Civil alemão e art. 1.375 do Código Civil italiano. A sua introdução
no Direito brasileiro é mérito do Código de Defesa do Consumidor para tornar
efetivo o seu art. 4º: “A Política
Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades
dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção dos
interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a
transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos
participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de
modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170,
da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações
entre consumidores e fornecedores.
Clovis do Couto e Silva já propugnava a
adoção da boa-fé objetiva com a seguinte ensinança, referindo-se ao Código
Civil de 1916:
Contudo, a inexistência, no
Código Civil, de artigo semelhante ao § 242 do BGB não impede que o princípio
tenha vigência em nosso direito das obrigações, pois se trata de proposição
jurídica, com significado de regra de conduta. O mandamento de conduta engloba
todos os que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um
elo de cooperação, em face do fim objetivo a que visam.
E logo em seguida completa: “O
princípio da boa-fé opera, aqui, significativamente, como mandamento de
consideração.”[75]
Evidente, de consideração de um contratante para com o outro. As partes devem
pautar a conduta reta, leal, de colaboração intersubjetiva no tráfico negocial,
de modo a evitar qualquer conduta distante da ética, o que implica também em
não lesar a função social do contrato.
De início, a boa-fé objetiva tem a
função interpretativa, é regra de
interpretação dos negócios jurídicos, assim dispondo o art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração.”
Tem ainda a função integrativa como fonte de deveres anexos, ou seja, devedor e
credor devem praticar a boa-fé objetiva não apenas nos deveres principais: o
devedor pagar e o credor ter o direito de exigir e receber a prestação. Abrange
também os deveres colaterais, ou como
denomina com muita propriedade a doutrina portuguesa deveres anexos de conduta, uma vez que essa modalidade de boa-fé há
de ser entendida como regra de vida, assim os deveres de as partes atuarem no
sentido da transparência que implica na boa informação ou aconselhamento, na
cooperação mútua por meio de uma conduta proba por isso leal, no cuidado em
abster-se de expedientes desnecessários ou meramente protelatórios etc.
a) Na fase pré-contratual
Na fase pré-contratual, também chamada de pré-negocial, sobreleva o dever
de transparência, consubstanciado
na boa informação e no correto aconselhamento. A informação é a apresentação dos fatos como eles são de modo a
elucidar a contraparte, para que manifeste o seu consentimento livre de
qualquer embaraço. A situação, além de acarretar a lesão, remete ao vício redibitório. Se o alienante
conhecia o vício oculto e de má-fé não o informou ao adquirente, restituirá o
que recebeu com perdas e danos. Se não o conhecia, tão somente restituirá o
valor recebido mais as despesas do contrato, conforme o texto do art. 443 do
Código Civil.
Acórdão do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro contempla a primeira hipótese, no caso em que o
vendedor ocultou, maliciosamente, vazamento de água no imóvel que vendia.
De certo que o
inadimplemento contratual, por si só, não contém potencial ofensivo à
personalidade do contratante, muito menos o vício redibitório, quando
desconhecido por ambas as partes. Não obstante, se a inadimplência ou o vício
ocorrem derivados da má-fé, em que se tem praticado pelo réu ato consciente
tendente a camuflar situação ou condição do imóvel que se conhecida pelo autor
o negócio não seria celebrado, o dano gerado, além dos materiais evidenciados,
tem reflexo na personalidade do autor, posto que traído na sua confiança [dano
moral] (TJRJ, 3ª Câm. Cível, rel. Des. Ronaldo Rocha Passos, j. 18.4.2003, RJ
310/104)
A teoria do vício redibitório
conduz igualmente à cautela que as partes devem guardar, procurando cada
contratante, de si mesmo, as informações notórias, o chamado cuidado objetivo, diligência
indispensável de modo que sendo o vício de fácil constatação presume-se que
houve desídia do adquirente quando da constituição do contrato.
Responsabilidade civil – Compra e venda –
Ação indenizatória – Reparação de danos – Aquisição de imóveis que, após um ano
da celebração do negócio, foi invadido por enchente – Comprador que alega
ausência de boa-fé objetiva do vendedor, ao ocultar o fato de a área em que
localizado o bem estar sujeita a inundação – Inadmissibilidade – Casa adquirida
que ostentava obras destinadas à contenção de água de chuva – Fato que deveria
ter despertado a atenção do adquirente – Verba indevida. Ementa Oficial: [...]
Casa cercada por soleiras de concreto, que deveriam ter despertado a atenção do
adquirente. Fato comum nas residências situadas nesta rua, quando as chuvas são
muito fortes (TJRJ, 7ª Câm. Cív., j. 21.5.2008, rel. Des. Carlos C. Lavigne de
Lemos, RT 876/345).
Ora, o adquirente negligente que
posteriormente invoca o vício, incide no abuso de direito, pauta o venire contra factum proprium na medida
em que o exercício desse direito reclamado é incompatível com a sua conduta
originária.[76]
O Código de Defesa do Consumidor
foi o que mais evoluiu nesse tema. Tanto que no art. 31 assegura ao consumidor
informações corretas, claras e precisas, ostensivas e em língua portuguesa,
além do preço, garantia, prazo de validade e a origem, de modo inclusivo
esclarecimentos sobre o risco que o produto apresenta à saúde e à segurança.
A atualidade caracteriza-se pela
oferta de uma gama infindável de produtos e serviços. Alguns simples, como a
compra e venda de uma peça de roupa, ou o preparo de um jardim da casa de
morada, outros de requintado conhecimento técnico, como a aquisição ou o
conserto de um computador ou mesmo de um automóvel. Aqui o adquirente, em
regra, não possui conhecimento específico do produto ou do serviço, ele esta
deslocado do ambiente que lhe é próprio. Outras vezes, a compra e venda
acontece pela internet, em que o produto não se apresenta concretamente, o
objeto da prestação é intangível, o consumidor não pode observá-lo,
manipulá-lo, dificultando o seu conhecimento. Na verdade, o objeto da prestação
é a própria informação. Sendo assim, cumpre considerar que nas atividades
tecnológicas e no espaço virtual, o que consubstancia uma situação de maior
vulnerabilidade do consumidor, surge a informação com toda a força que lhe
empresta a teoria dos deveres acessórios de conduta, ganhando relevo muito mais
significativo.
Outro aspecto da informação merece
meditação. Várias empresas de produtos alimentícios aumentaram dissimuladamente
o preço de seus produtos, utilizando expediente que frustrava o dever de
informar. Esses produtos antes continham certa quantidade, por exemplo,
trezentos gramas e passaram a duzentos e cinquenta gramas com identificação em
letras miúdas, de modo que os consumidores pouco distinguiam, pois mantida a
mesma embalagem com a mesma apresentação.
Toda mudança que acarreta aumento
de preço, ou que se relaciona à qualidade e quantidade, composição do produto e
afins, deve ser destacada para que possa ser percebida claramente. Assim
determina a informação suficiente,
aquela que pode ser constatada à primeira vista. Já ultrapassada a fase em que
era comum a omissão, a precariedade ou a ausência de informações relativamente
a dados que elucidassem o conhecimento do produto ou do serviço ofertados.
Aliás, a ausência de informação suficiente era, no mais das vezes, propositada.
Foi o acontecido com a indústria
tabagista, destacando advertências acerca dos danos à saúde, bem ainda editando
leis que proíbem o fumo em lugares fechados. É o que não acontece com a
indústria de bebidas alcoólicas, em que sobreleva o poder econômico em
detrimento do interesse social, pois a leve advertência na sua publicidade não
condiz com as consequências desagradáveis de seu uso frequente. Mormente as
consequências nefastas quando essa espécie de bebida é associada à direção de
veículos, conforme demonstram de maneira irrefragável as estatísticas. Tanto
assim, as edições da Lei nº 11.705 e Decretos nºs 6.488 e 6.489, todos de 19 de
julho de 2008, dispondo sobre restrições à comercialização de bebidas
alcoólicas. Todavia, se permite a publicidade exagerada de cerveja com
mensagens subrreptícias de alto teor psicológico, colocando-a como ingrediente
costumeiro que traz satisfação na conversa despreocupada, na alegria em
encontros da juventude, onde jovens saudáveis de corpo atlético aparecem com um
frasco nas mãos, fazendo esquecer a barriga proeminente que advém ao consumidor
contumaz. Com a palavra o legislador que tem se mostrado omisso.
O aconselhamento é algo mais. Próprio do técnico, do especialista. O
advogado consultado pelo cliente aconselha-o, pois sendo especialista sobre a matéria
em apreço deve tecer os argumentos favoráveis e contrários, alertando o cliente
dos percalços que poderá enfrentar no curso da demanda. Na mesma esteira segue
o médico ao consultar o paciente e propor, por exemplo, uma cirurgia, ou o
tratamento com drogas de efeitos colaterais. Nota-se que o aconselhamento é
mais que informação.
Em suma, a omissão de informação
ou de aconselhamento constitui o dolo por omissão como providencia o art. 147
do Código Civil: “Nos negócios jurídicos
bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou
qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa,
provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”
b) Fase de conclusão do contrato
Na fase da conclusão ou constituição
do contrato a boa-fé objetiva significa o dever de negociar que limita a
liberdade de não contratar, ou seja, a recusa de má-fé em honrar a oferta
estampada na fase pré-contratual.
A empresa Cica, produtora de massa
de tomates, como nos anos anteriores, distribuiu gratuitamente aos pequenos
agricultores do Rio Grande do Sul sementes de tomates. Feita a colheita
negou-se a comprar a produção, alegando já possuir o fruto em quantidade
suficiente para a sua demanda. Ante o prejuízo sofrido por não conseguir
mercado consumidor, os agricultores ingressaram com ações de perdas e danos, quando
alegaram ruptura das negociações e a consequente frustração de suas legítimas
expectativas baseadas na confiança da realização do negócio como acontecido nos
anos precedentes. As ações foram julgadas procedentes, tendo por fundamento o
princípio da boa-fé objetiva (TJRS, apelações 591.027.818; 591.028.725;
591.028.741; 591.028.790).
O Código Civil português tem
modelar dispositivo. No art. 227º providencia: “Quem negocia com outrem para
conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele,
proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que
culposamente causar à outra parte.”
Afirma-se com Antunes Varela, o
simples início de negociais cria entre as partes os deveres acessórios de
probidade e de lealdade, dignos de tutela jurídica. Contudo, por mais
censurável que seja a ruptura das negociações nessa fase pré-contratual, não se
chega ao extremo de obrigar a celebração do contrato, mas impõe a indenização
para cobrir as despesas feitas pela parte prejudicada ante a frustração
injustificada do negócio.[77]
Solução abraçada pelo ordenamento jurídico pátrio, embora não ostente de forma
direta um artigo de lei no mesmo teor.
c) Fase de execução do contrato
Na fase de execução do contrato enfatiza-se o dever acessório de
cooperação entre as partes. O devedor coopera com o credor ao proceder de forma
coerente para o adimplemento de sua prestação obrigacional, pautando a
probidade exigida em cada caso concreto. Prevalece a máxima pacta sunt servanda; cabe ao devedor
envidar os seus esforços a fim de satisfazer o direito do credor no lugar, no
tempo e no modo avençados.
O credor, por sua vez, também deve
pautar a probidade, colaborando de maneira especial em não dificultar a
execução da prestação obrigacional e não agravar a obrigação do devedor,
exigindo mais do que o consentido pela equidade ou pelo senso de justiça. Ensina
a respeito Pietro Perlingieri:
A obrigação não se identifica no direito ou
nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de
cooperação. Isso implica uma mudança radical de perspectiva de leitura da
disciplina das obrigações: esta última não deve ser considerada o estatuto
credor; a cooperação, e um determinado modo de ser, substitui a subordinação e
o credor se torna titular de obrigações genéricas ou específicas de cooperação
ao adimplemento do devedor.[78]
É como dispõe a lição dos
tribunais:
O dever de assistência, de cooperação entre
os contratantes decorre do princípio da boa-fé e visa à garantia da ética à
relação obrigacional, bem como o correto adimplemento da obrigação (TRF – 4ª
Região, 4ª T., j. 20.8.2003, rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, RT 819/379).
Diante desse entendimento a
obrigação não pode ser reduzida apenas sob o ponto de vista negativo, aquele
que exige de as partes absterem-se de qualquer conduta que coloque em risco ou
dificulte o cumprimento do contrato. Seria uma redução incompatível com o seu
superior significado. Ela está cometida, também, de uma conotação substantiva,
uma parte deve agir de forma a contribuir para com a outra na execução da
obrigação. Até porque o seu fundamento maior é o princípio constitucional da
solidariedade (CF art. 3º, inc. I). “Tal o entendimento que deve nortear o
estudo do Direito das Obrigações, analisando em uma perspectiva dinâmica e
funcional, em que avulta a necessidade de cooperação permanente entre os
centros de interesse da relação obrigacional, à luz da solidariedade
constitucional.”[79]
Von Tuhr põe a lição: “O credor se
constitui também em mora quando se nega a realizar os atos preparatórios que
concorram a seu cargo, e sem os quais o devedor não pode cumprir a prestação
obrigacional que lhe incumbe”.[80]
São exemplos as obrigações de dar coisa incerta e as alternativas no caso em
que a escolha couber ao credor; se ele não a fizer o devedor não tem como
adimplir a prestação. Igualmente, nas obrigações em que o pagamento deve ser
realizado no domicílio do devedor, cumprindo ao credor ir buscá-lo. É o teor do
Enunciado 168 do Centro de Estudos Judiciário da Justiça Federal: “O princípio
da boa-fé objetiva importa o reconhecimento de um direito a cumprir a favor do
titular passivo da obrigação.”
Portanto, no dever acessório de
conduta denominado de cooperação devedor e credor associam-se, um com o outro,
para alcançar benefícios recíprocos na repartição de deveres recíprocos. É a
ponderação de Luiz Otávio de Oliveira Amaral: “na cooperação, o vetor é o
sentimento de solidariedade dos homens.”[81]
d) Fase pós-contratual
Na fase pós-contratual, segundo a regra geral, a execução do contrato
alforria as partes; findo o negócio jurídico as relações dele oriundas
extinguem-se. Todavia, em determinadas situações perseveram certos deveres
acessórios de conduta entre as partes. É a designada responsabilidade post factum finitum ou simplesmente pós-contratual.
Os magazines mais sofisticados
oferecem produtos da moda feminina, por exemplo, roupas de grife como exclusivas. Divulgam que cada vestido, blusa ou outra
peça da vestimenta, é produzida em apenas uma unidade por modelo. Não pode
depois oferecer a mesma peça a outros clientes. A literatura jurídica exemplifica,
a cantora e atriz Madona adquiriu como única a jóia que usou na festa de seu
casamento. Após, o ouvires produziu jóias idênticas e as colocou no mercado.
Patente a falta de boa-fé objetiva post
factum finitum.
Antônio Junqueira de Azevedo
retira do lusitano Menezes Junqueira três situações, uma delas é a seguinte: o
proprietário de um prédio de hotel procurou o melhor e mais barato tipo de
carpete. Escolheu a fornecedora que ofereceu o menor preço, mas como a empresa
não fazia a colocação, indicou uma pessoa com prática para tanto. Deixou,
contudo, de informar que o carpete era de um tipo novo, diferente. O colocador
de carpete usou cola inadequada e, semanas depois, todo carpete estava
estragado. A fornecedora arguiu que cumpriu o contrato, entregando o carpete
adquirido e ainda fez o favor de recomendar o colocador.[82]
No entanto, pela regra da boa-fé
objetiva a fornecedora negligenciou, deveria ao menos ter advertido a propósito
do novo tipo de carpete, espécie do dever de informar. O episódio demonstra que
a desídia, na fase pré-contratual de informar, conduz a responsabilidade
pós-contratual.
Outro dever acessório de conduta,
comum no post factum finitum, é o de
manter sigilo sobre alguma coisa ou algum fato que um dos contratantes toma
conhecimento da outra parte,
constituindo-se em mais um exemplo do dever negativo: obrigação de não
fazer.
A terceira função da boa-fé
objetiva é a de controle como limite ao
exercício dos direitos subjetivos, como providencia o art. 187 do Código
Civil. Trata-se do abuso de direito, quando se extrapolam os limites impostos
pelo fim econômico e social, pela boa-fé e pelos bons costumes. Avultam as
figuras do venire contra factum proprium e
do tu quoque, podendo acrescentar a aemulatio.
e) Venire contra factum proprium
Embora já referido vale detalhar. O
venire contra factum proprium deita
origem no Direito Canônico, que inadmite a adoção de condutas contraditórias. É
regra de coerência. Veda que alguém aja em determinado momento de certa maneira
para, em momento posterior, agir de forma contrária indo contra o comportamento
tomado em primeiro lugar. Imagina-se um contrato de locação em que é proibida a
sublocação com a qual, no entanto, o locador consinta tacitamente. Em momento
posterior, ele não poderá requer despejo pela violação dessa cláusula. Seria
vir contra os seus próprios passos.
Seguro Saúde. Cláusula de
limitação de reembolso. Negativa de reembolso integral de despesas com
honorários médicos baseada em equação de suposta difícil compreensão. Contrato complementado
por manual do usuário e por comportamento concludente das partes, que por não
utilizaram do reembolso parcial. Boa-fé objetiva. Venire contra factum proprium. Impossibilidade de conduta
contraditória, para fins de questionar suposta complexidade da cláusula somente
quando acometida de grave doença, com reembolso que obedeceu os mesmos
parâmetros anteriormente aceitos palas partes. Reforma da sentença, levando em
conta as circunstâncias do caso concreto (TJSP, 4ª Câm. de Dir. Privado, Apelação
nº 0220692-86.2007.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 24.2.2011).
Neste sentido o Enunciado 362 do
Centro de Estudos Judiciário da Justiça Federal: “A vedação do comportamento
contraditório (venire contra factum
proprim) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts.
187 e 422 do Código Civil.” Por conseguinte, a confiança pode ser frustrada por
ato comissivo, no caso de se aguardar que determinada conduta será adotada,
como por ato omissivo no caso de que nada será feito como no exemplo acima da
locação ou de guardar sigilo.[83]
f) Tu quoque
O tu quoque guarda alusão a celebre frase do imperador romano Júlio
Cesar quando distingue seu filho adotivo Marco Bruto, entre os seus algozes, a
significar “até você”? Se na execução de um contrato alguém viola uma norma
jurídica, não pode posteriormente tentar tirar proveito da situação em seu
benefício. É a alegação da própria torpeza, vedada pelo direito: nemo auditur proprium turpitudinem. O
art. 1.814, inc. III, do Código Civil é hipótese marcante, se o herdeiro ou
legatário, por violência ou meios fraudulentos, inibe ou obsta o autor da
herança a dispor livremente de seus bens por ato de última vontade, não poderá,
depois, participar da herança. Também quem possui um bem de má-fé, sabe que sua
posse é violenta, clandestina ou precária, não tem direito de retenção da
importância das benfeitorias necessárias, nem poderá levantar as voluptuárias
(CC art. 1.220). Nos dois exemplos a conduta inicial é ilícita, e dela não pode
tirar proveito próprio em momento posterior.[84]
Em contrato de empréstimo
bancário, que por ato atribuído à própria instituição não foi informada a
condição de funcionário público efetivo, o banco pretendeu modificar a prática
de cobrança de juros anteriormente contratada, decidiu o Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais:
Se a condição de ser funcionário público
efetivo não esta expressa no convênio e não é informada previamente pelo banco
ao contratante, não pode a instituição financeira se beneficiar desta sua
omissão para, após fornecer o empréstimo, praticar taxas maiores em virtude da
distinção entre efetivos e contratados. Vedação ao tu quoque. A restrição de crédito do devedor, decorrente do
desconhecimento contratual pelo próprio credor, que aplica taxas superiores
àquelas anteriormente oferecidas, abusa de direito e não encontra arrimo na
escusa do exercício regular de um direito. Dano moral existente (TJMG, 11ª
Câm., Apelação Cível nº 1.061.07.050484-8/001, rel. Des. Marcelo Rodrigues, j.
21.5.2008).
Houve, no caso, a violação do dever
anexo de informação suficiente, que cabia ao banco, não poderia, pois, em
momento posterior valer-se da própria omissão, tirando proveito em seu
benefício.
g) Aemulatio
A aemulatio, no vernáculo emulação,
estabelecida desde o Direito Romano, surge sempre que o exercício regular de um
direito tem por escopo não a satisfação de uma necessidade de seu titular, como
forma de lhe trazer determinada vantagem, mas o firme propósito de causar dano
a outrem. É a rivalidade maldosa, a vontade dolosa de prejudicar. O direito
processual civil dá o exemplo na litigância de má-fé, consistente do ingresso
em juízo sem que haja qualquer fundamento jurídico, apenas com a intenção
deliberada de causar prejuízo alheio. No Direito Empresarial a concorrência
desleal. No Direito Penal a denunciação caluniosa, que no Direito Civil dá
ensanchas à reparação por dano moral.
Responsabilidade civil – Ação de reparação de
dano moral. 1 – A representação criminal fundada na alegação de “crime de
ameaça”, quando intentada com temeridade, dolo ou má-fé, assim como desprovida
de pressupostos legais e fáticos, ao constranger o representado a responder por
inquérito policial, posteriormente arquivado por sentença, afigura-se como
lesiva ao patrimônio moral e jurídico do representado. II – Ocorrência, na
hipótese, de evento danoso, culpa e nexo de causalidade entre a conduta do
agente e a ofensa à esfera jurídica e moral da pessoa do representado, a
ensejar, por conseguinte, o dever de indenizar [...] (TJCE, 2ª Câm. Cível, rel.
Des. José Mauri Moura Rocha, j. 10.11.1999, RJ 268/116).
A emulação reside exatamente na
vontade deliberada de prejudicar o representado por um crime que sabidamente
ele não cometeu.
Pondera-se, entretanto, é direito
de qualquer cidadão levar ao conhecimento da autoridade policial a ocorrência
de um fato tipificado como crime. A notitia
criminis, se destituída de má-fé, não gera lesão na pessoa indicada (RT
818/273). Nem tipifica a emulação.
Em matéria de prova é bom atentar
que toda conduta, nas diversas fases do contrato, é informada, presumivelmente,
pela boa-fé. É o brocardo latino: bona
fides semper praesumitur, nisi mala adesse probetur, isto e, a boa-fé
sempre é presumida, a má-fé deve ser provada; ao contrário do que se possa
parecer na atualidade, tão esquecida da Ética, em que, em regra, no cotidiano
da vida a pessoa presume a má-fé. E por presunção entende-se a ilação de um
fato conhecido para outro desconhecido. Lapidar o art. 1.349 do Código Civil
francês ao providenciar: “As presunções são as consequências que a lei ou o
magistrado tira de um fato conhecido para um fato desconhecido.”
5.5 PRINCÍPIO
DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL
No Direito Romano, amestra
José Carlos Moreira Alves, o vínculo existente entre o sujeito passivo e o
sujeito ativo era puramente pessoal, que ele o chama de material, pois a pessoa
do devedor era submetida à vontade do credor, assim pela manus injectio perdia
o status libertatis, chegando à capitis deminutio maxima, por
conseguinte o devedor deixava de ser considerado pessoa (personae), tornava-se
juridicamente coisa (res). É que o credor tinha a actio in personam contra o devedor, conforme disposto na Lei das
XII Tábuas, o corpo do devedor respondia pela dívida. Mais tarde, com a edição da Lex Poetelia Papiria, 326 a .C., passou a ser um
vínculo jurídico, ou um vínculo real, que Moreira Alves o chama de imaterial,
respondendo pelo débito não mais o corpo do devedor, mas o seu patrimônio.[85]
O
Direito medieval, conservando a concepção obrigacional da época clássica, introduziu
no Direito das Obrigações maior teor de espiritualidade, confundindo mesmo com
a ideia de pecado a falta de execução da obrigação, que era equiparada à
mentira, condenada toda quebra de fé jurada. Pelo amor a palavra empenhada, os
teólogos e os canonistas instituíram o respeito aos compromissos, a chamada pacta sunt servanda, que lhe instilaram
maior conteúdo de moralidade com a investigação da causa, reforçando a
patrimonialidade.[86]
O Direito moderno não abandonou a noção romanista. O Código Código Civil francês, inspirador
das codificações do século XIX e início do século XX, firmou a posição de
patrimonialidade das obrigações ao estabelecer no art. 2.093 que os bens do
devedor são a garantia de seus credores.
Hodiernamente
persevera a execução real por recair sobre o patrimônio do devedor. Contudo
remanesce resquício sobre a execução pessoal apenas em um caso no art. 5º, inc.
LXVII, da Constituição Federal, quando da recusa de alimentos,[87]
de sorte a alusão ao depositário infiel, por não constar do Pacto de São José
da Costa Rica, não mais subsiste depois da Emenda Constitucional 45.
Como
já consignado, preveja o art. 391 do Código Civil: “Pelo adimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.”
A interpretação deste dispositivo não deve ser levada no sentido draconiano. Embora
a menção de que todos os bens do devedor respondem pelo inadimplemento, na
verdade, a lei estabelece limites. A rigor, nem todos os bens são alcançados.
Aqui se verifica o diálogo das fontes, o Direito Civil deve ser interpretado em
conjunto com o Direito Processual Civil e com a lei especial.
Não
são alcançados os bens descritos no art. 833 do Código de Processo Civil, ainda
os bens de família assim considerados pela Lei n. 8.009, de 29 de março de
1990, bem como aqueles previstos a partir do art. 1.711 do Código Civil, pois
um terço do patrimônio líquido pode ser reservado, mediante escritura pública
ou testamento, como bem de família, mantida a impenhorabilidade do imóvel que
se presta como domicílio familiar.
Nesse
entretanto cumpre transcrever lúcida lição de Cristiano Chaves de Farias e
Nelson Rosenvald:
A humanização da execução se
aplica em prol de ambos os parceiros obrigacionais e o ordenamento jurídico não
pode, sob o palio da tutela à dignidade do devedor, exagerar na tutela do
executado a ponto de frustrar a legítima expectativa de confiança do titular do
crédito acerca do adimplemento. O mínimo existencial remete à proteção do
necessário à vida digna, jamais à manutenção de um padrão de vida do devedor às
expensas do sacrifício da posição jurídica do credor e de suas necessidades
econômicas.[88]
Bem
por isso, estes dois civilistas, logo acima da lição transcrita, asseguram que
uma interpretação do art. 391 do Código Civil, à luz da hermenêutica
constitucional, demanda uma releitura nestes termos: pelo inadimplemento das
obrigações respondem todos os bens do devedor que não alcancem o seu patrimônio
mínimo.
CONCEITOS DE PATRIMONIALIDADE
DESPATRIMONIALIDADE E REPERSONALIDADE
Pelo exposto, especialmente no apreço dos
princípios dissertados, o Direito das Obrigações contemporâneo traz consubstancial
mudança. Persiste na ideia de patrimonialidade
é o patrimônio do devedor que garante o credor, e inova com a despatrimonialização estabelecendo a sua
repersonalização.
A despatrimonialização deve ser entendida no sentido de que o
patrimônio não é o motivo da relação jurídica obrigacional. O vínculo de
direito existe por causa das pessoas e dos seus interesses em constituir,
modificar ou extinguir direitos, é o que se denomina de repersonalização da relação jurídica obrigacional, que elege a
pessoa como motivo primeiro da tutela do Direito das Obrigações. Na lição de
Francisco Amaral, não o sujeito abstrato do liberalismo econômico, “mas o homem
concreto da sociedade contemporânea, na busca de um humanismo socialmente
comprometido”, para completar secundado em Larenz: “restaurar o primado do
homem é o primeiro dever de uma teoria geral do direito”.[89]
É a afirmação de Maria
Celina Bodin de Moraes ao dissertar sobre o imperativo categórico de Kant:
Compõe o imperativo categórico a exigência de que o ser humano jamais seja
visto, ou usado, como um meio para atingir outras finalidades, mas sempre seja
considerado como um fim em si mesmo. Isso significa que todas as normas
decorrentes da vontade legisladora dos homens precisam ter como finalidade o
homem, a espécie humana como tal.[90]
A despatrimonialização e a repersonalização
representam, de tal arte, mudança de eixo do patrimônio para a pessoa, pois a
pessoa é valorizada como o centro do Direito, como sua principal destinatária e
não qualquer outro valor que possa substituí-la e superá-la, ou seja, a pessoa
é sempre o fim último do Direito.
Considerando essa providencial mudança de paradigma impulsionada por
princípios tão nobres, a prestação não pode ser exigida a qualquer custo, dessa
maneira o credor deve ser satisfeito sem prejuízo dos direitos da personalidade
do devedor, mormente aqueles de natureza constitucional. O credor continua,
sim, assegurado no seu legítimo direito de a prestação ser adimplida como contratada,
todavia caso exista um confronto entre os direitos da personalidade e os
direitos meramente econômicos, prevalecem os primeiros.
Acautela-se o devedor com a necessidade de lhe reservar
um patrimônio mínimo, não lhe retirando os bens indispensáveis à manutenção das
necessidades primárias do ser humano. Esse juízo de razoabilidade não deixa de
desfalcar dentro de certa medida o patrimônio do devedor, dado que a diminuição
da condição econômica é natural para quem se propõe pagar os seus débitos, até
porque entendimento contrário incentivaria o mau pagador e fragilizaria a
confiança nas relações jurídicas. Fica assim prestigiado o direito primordial
da obrigação que é o seu cumprimento tal qual convencionado, para atender o
direito do credor, sem bulir com o princípio constitucional da dignidade da
pessoa humana, pois como leciona Luiz Edson Fachin “não há pecúnia nem
patrimônio que mensurem a dignidade, esta sempre é imensurável”.[91]
Esse feliz entendimento de Fachin fundamenta-se na
Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, que assegura um mínimo
existencial para a pessoa humana, de conformidade com a disposição normativa do
seu art. 25: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para
assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para a
alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços
sociais necessários.”
Evidente, entre os serviços sociais necessários está
incluída a educação, pois a Constituição Federal, no art. 208 dispõe: “O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita a todos os que a ele não
tiveram acesso na idade própria.”
No direito comparado a tutela de um mínimo existencial
está prevista na Lei Fundamental da Alemanha, § 1.1, que estabelece uma
proteção efetiva em relação à sobrevivência de pessoa humana, tanto que naquele
país passou-se a não admitir que o indivíduo venha a ser despojado de seus bens
ou dos recursos necessários a sua existência digna.
No exame de alegação de inconstitucionalidade da penhora
sobre pensão em ação de execução, o Tribunal Constitucional de Portugal decidiu:
“perante conflito entre o direito do pensionista a receber pensão condigna e o
direito do credor, deve o legislador, para tutela do valor supremo da dignidade
da pessoa humana, sacrificar o direito do credor na medida do necessário e, se
tanto for preciso, totalmente” (Acórdão 349/91).
RESUMO
1)
Princípios gerais do Direito das
Obrigações: exato adimplemento, autonomia privada, função social, boa-fé
objetiva e responsabilidade patrimonial.
a)
Princípio do exato adimplemento: a
obrigação deve ser cumprida no tempo, no lugar e modo contratados, é a regra: pacta sunt servanda. Assim, o credor não
é obrigado a receber prestação diversa da contratada, ainda que mais valiosa,
nem pode exigir outra, ainda que menos valiosa. Também é interditado ao devedor
pagar em prestações o que foi convencionado pagar de uma só vez. O exato
adimplemento é a finalidade primária da obrigação. É, de outro lado, direito do
devedor para readquirir sua plena liberdade econômica.
b)
Princípio da autonomia privada: é primado
do Estado Democrático, por revelar o valor da liberdade individual,
possibilitando que os obrigados exteriorizem, conforme a sua vontade, o teor do
contrato e como viabilizar a sua execução. Princípio, no entanto, balizado pelo
interesse social, que não permite ao mais forte subjugar o mais fraco. Devem
prevalecer os limites legais que resguardem os valores impostos pelos fins
econômicos e sociais, pela boa-fé e bons costumes. Por isso, sofre os
temperamentos do estado de perigo, da lesão, da teoria da imprevisão e da
onerosidade excessiva.
c)
Princípio da função social: plasmado
na Constituição Federal que constitui o Estado Democrático de Direito, o qual
objetiva realizar os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana, do
trabalho, da livre iniciativa, e da solidariedade, garantindo o desenvolvimento
social na erradicação da pobreza e da marginalidade pela redução das
desigualdades sociais e regionais. A função é uso, utilidade; social é o que
interessa à sociedade. Logo, a função social é entendida como razão e limite
para o exercício da liberdade de contratar, sem, contudo, eliminar a autonomia
privada. Combate, efetivamente, o individualismo egoístico. O interesse geral,
o bem comum, constitui o limite à realização dos interesses individuais e
subjetivos.
d)
Boa-fé objetiva, também denominada de
concepção ética da boa-fé, é padrão
de conduta social, caracterizada por uma atuação conforme a honestidade, a
lealdade e a correção, de modo a não baldar a confiança da outra parte
consubstanciada nas mais legítimas expectativas. Bafeja todas as fases da
obrigação, desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual. Nela está
ínsito o princípio da eticidade. Na fase
pré-contratual manifesta-se na informação e no aconselhamento. Na fase de conclusão do contrato significa
o dever de negociar que limita a liberdade de não contratar, a recusa de má-fé
de honrar a oferta estampada na fase pré-contratual. Na fase da execução do contrato enfatiza o dever acessório de conduta
de cooperação entre as partes, que se obrigam. Na fase pós-contratual diz respeito, também, aos deveres acessórios, são
determinadas situações que perduram mesmo depois de adimplida a obrigação,
podendo ser uma conduta positiva ou negativa, exigida tanto do devedor como do
credor. Nota-se, que a boa-fé objetiva tem três funções: função interpretativa é regra de interpretação dos negócios
jurídicos; função integrativa como
fonte de deveres acessórios de conduta; e função
de controle como limite de exercício dos direitos subjetivos, avultando
três figuras: o venire contra factum
proprium a inadmissão de condutas contraditórias; o tu quoque que é o valer-se da própria torpeza; e a aemulatio quando do aparente exercício
regular de um direito a intenção não é de satisfazer uma necessidade, mas o
propósito de causar dano a outrem.
e)
Princípio da responsabilidade patrimonial.
No Direito Romano primitivo pela manus
injectio era a pessoa do devedor, com seu próprio corpo, que respondia pelo
inadimplemento da obrigação, podendo ser conduzido a condição de escravo do
credor. Pela Lex Poetelia Papira
passou a ser o patrimônio do devedor que responde pelo não cumprimento da
obrigação, o que persevera até hoje. É a regra do art. 391 do Código Civil, ao
preceituar que todos os bens do devedor respondem pelo adimplemento da
obrigação, excetuando aqueles dispostos no art. 1.711 do mesmo codex, no art. 833 do Código de Processo Civil, e na Lei 8009, de 29 de
março de 1990. No Direito pós-moderno deu-se a despatrimonialização, que deve
ser entendida no sentido de que o patrimônio não é o motivo da relação
patrimonial. O vínculo de direito existe por causa das pessoas e dos seus
interesses em constituir, modificar ou extinguir direitos, é o que se denomina
de repersonalização da relação jurídica obrigacional, que elege a pessoa como
motivo primordial da tutela do Direito das Obrigações.
[1] A
Escola da Exegese revelou significativos estudiosos do Direito, como Demolombe,
Troplong, Laurent e Marcadé. O posicionamento fundamental da Escola é o de que
o Direito revela-se pelas leis. Portanto, para os seus pensadores a
interpretação parte unicamente do direito positivo, desnecessária a utilização
de elementos que lhe são extrínsecos, como exposto no texto acima. Foi uma fase
de inovações na ciência jurídica, como em matéria de sucessão a supressão do
direito de primogenitura, no direito de família a admissão do divórcio em caso
de adultério, no direito das coisas a abolição dos direitos feudais ainda
remanescentes. Por isso, serviu de modelo para as legislações de diversos países,
a começar pela Europa, depois América Latina e em seguida Ásia e África. Ver
Henrique Garbellini Carnio et alt., Curso de sociologia jurídica, São Paulo:
RT, 2011, p. 89 a
91.
[2] Apud MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos paradigmas do direito civil. Curitiba:
Juruá Editora, 2007, p. 63 e 64.
[3]
NERY JUNIOR, Nelson et al. Código civil
anotado e legislação extravagante, 2 ed. São Paulo : RT, 2003, p. 141.
[4] NERY JUNIOR, Nelson et al, op. cit.,
p. 143.
[5]
LUZZATI, Claudio. La vaghezza delle norme, un’analisi del linguaggio
giuridico. Milano:
Giuffrè, 1990, p. 321.
[6]
Jorge Tosta, arribado em Humberto Theodoro Júnior e Teresa Arruda Alvim
Wamber, assinala: “Assim, a atividade do juiz não pode se centrar na sua
própria ideologia, na sua própria concepção de vida, nas suas crenças pessoais.
Seu dever é, segundo Benjamin Cardoso, ‘conformar aos standards aceitos da comunidade os mores da época.’ E esses parâmetros servem, não para criar, para o
caso concreto, normas diferentes da que se encontra abstratamente contida na
lei, mas para buscar, dentro do ordenamento jurídico, e graças à técnica
interpretativa, a regra aplicável a
uma situação concreta.” Para em seguida completar: “na concreção judicial
[entenda-se: na interpretação-integrativa e na aplicação] de norma abertas,
caracterizadas por termos vagos ou indeterminados e na aplicação de normas de tipo aberto em sentido lato,
caracterizadas por juízos de oportunidade, inexiste plena liberdade judicial. O
sistema jurídico como um todo contém standards
e Princípios gerais de Direito que orientam
esse poder-dever exercido pelo juiz, a fim de encontrar-se o resultado que
melhor resolva o conflito submetido à apreciação judicial.” (Manual de interpretação do código civil:
as normas do tipo aberto e os poderes do juiz. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008,
p.p. 92 e 93).
[7]
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no
direito privado. São Paulo: RT, 1999, p. 299.
[8] FARIAS,
Cristiano Chaves et al. Direito das
obrigações, 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 103.
[9] BOBBIO,
Norberto. Teoria geral da política,
tradução de Daniela Beccaccia Versiani, organizador Michelangelo Bovero. Rio de
Janeiro: Campos, 2000, p. 381. Este texto distingue com clareza a questão do
individualismo, embora sofra a crítica de que a sociedade é mais do que a soma
do livre acordo de indivíduos inteligentes.
[10]
REALE, Miguel. O projeto do novo código
civil: situação após aprovação pelo Senado Federal, 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 7. E ainda adverte Miguel Reale: “Quando entrar em vigor o
novo Código Civil, a 10 de janeiro de 2003, perceber-se-á logo a diferença
entre o código atual, elaborado para um País predominantemente rural, e o que
foi projetado para uma sociedade, na qual prevalece o sentido da vida urbana.
Haverá uma passagem do individualismo e do formalismo do primeiro para o
sentido socializante do segundo, mais atento às mudanças sociais, numa
composição equitativa de liberdade e igualdade.” (Sentido do novo Código Civil, disponível em HTTP://www.miguel-reale.com.br/).
[11] MORAES,
Maria Celina Bodin. O princípio da
solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, p. 178
[12]
VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes. Direitos
fundamentais da sociedade. Revista Jurídica da Escola Superior do
Ministério Público, volume 1. São Paulo: ESMP, 2012, p. 93 e 88
respectivamente.
[13]
PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios
constitucionais reguladores da administração pública. São Paulo: Atlas,
2000, p. 5.
[14]
MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos
paradigmas do direito civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 34 e 35. Ainda nesta
obra o autor oferece o conceito de dignidade humana: “Pico Della Mirandola teve
o mérito de, ainda no século XV, construir uma noção de dignidade humana que
não estava centrada em sua fortuna, sua posição social, sua estatura funcional.
A dignidade, o Homem a tinha por ser dotado de razão, construtor do seu futuro,
como ser que, com liberdade, pode optar entre decisões possíveis e
constituir-se num próprio ser divino.”
Ingo Sarlet, na sua obra Dignidade
da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal, Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001, define dignidade humana: “temos por
dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado
e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante ou desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos.” Dissertando sobre a dignidade humana na obrigação,
Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald afirmam: “Obrigação e relação
obrigacional. Estrutura e função. Autonomia privada, boa-fé e função social.
Indivíduo e pessoa. Patrimônio e existência. Solidão e solidariedade. A
dignidade da pessoa humana se coloca em todos esses momentos. Em seu perfil ativo,
convida os indivíduos isolados ao contrato social e ao entabulamento da
obrigação, garantindo condições para o pleno desenvolvimento da liberdade
humana. A dignidade, porém, age em outra vertente. O homem se converte em
pessoa no mundo solidário das relações obrigacionais. Qualquer sociedade só se
afirma em cooperação, traduzida esta pela boa-fé e função social no reino dos
negócios jurídicos.” (Direitos das
obrigações, 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 8).
[15] MAIA,
Lauro Augusto Moreira; Novos paradigmas
do direito civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 30
[16]
MENDONÇA, Jacy de Souza et al. Inovações ao novo código civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p.
25.
[17]
REALE, Miguel. O projeto do novo código
civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, 2 ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 10.
[18] BOBBIO,
Norberto. A era dos direitos,
tradução de Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 63.
[19]
REALE, Miguel. O projeto do novo código
civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 4.
[20]
Augusto Teixeira de Freitas foi contratado pelo Governo Imperial para elaborar o
Código Civil à nação brasileira, em cumprimento ao disposto na Constituição
Imperial de 1824. Daí surgiu a Compilação das Leis Civis, que não foi
aproveitada na legislação brasileira, serviu, no entanto, de base para que
Vélez Sarsfield elaborasse o Código Civil da Argentina.
[21] FIÚZA,
Ricardo. Novo Código Civil: estrutura
do projeto e etapas de elaboração, in Revista
Jurídica, vol. 292, fevereiro de 2002 – Doutrina Civil, p. 28 a 31.
[22]
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil, v. 2: Teoria geral das obrigações, 22 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 3 e 4,
[23] GOMES,
Orlando. Transformações gerais do direito
das obrigações. São Paulo: RT, 1967, p. 1 e 2.
[24] VARELA,
Antunes. Das obrigações em geral,
vol. I, 10 ed. Coimbra: Almedina, p. 58.
[25] VARELA,
Antunes. Das obrigações em geral,
vol. I, 10 ed. Coimbra: Almedina, p. 55, nota 1 de rodapé: “Chama-se direito potestativo (gestaltungsrecht ou Kannretcht, na terminologia dos autores alemães – Zitelmann,
Ennecerus, Hellwig e Seckel – que foram os criadores e primeiros defensores do
conceito) o poder conferido a
determinadas pessoas de introduzirem uma modificação na esfera jurídica de outras
pessoas (criando, modificando ou extinguindo direitos), sem a cooperação destas.”
[26] GOMES,
Orlando. Obrigações, 17 ed., atual.
por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 17 e 18.
[27]
NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações:
generalidades – espécies, vol. I, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.63.
[28]
Subindo ao trono de Roma, Justiniano nomeou, em 528 d.C., uma comissão de dez
notáveis jurisconsultos, sob a presidência de Triboniano, para compilar as
constituições imperiais vigentes, daí surgiram as Institutas, logo no ano seguinte (ver José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, vol. I, 13 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 46).
[29] MONTEIRO,
Washington de Barros. Curso de direito
civil, v. 4, 32 ed. atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 8.
[30] BARROS,
Flávio Augusto Monteiro. Manual de
direito civil, v. 2: direito das obrigações e contratos. São Paulo: Método,
2005, p. 29.
[31]
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de
direito civil, v. 4, 32 ed. atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 9.
[32] SILVA,
Clovis Veríssimo do Couto e. A obrigação
como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 71 e sgtes.
[33] Essa
conclusão é encontrada na lição de Mário Júlio de Almeida Costa no comento do
art. 398º, 2, em confronto com o art. 496º, 1: “[...] em qualquer dos casos, o
credor poderia obter a reparação pecuniária dos danos não patrimoniais causados
pela inexecução do contrato, contanto que eles, pela sua gravidade, mereçam a
tutela do direito.” (in Direito das obrigações,
7 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 626). CC português, art. 496º, 1: “Na fixação
da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua
gravidade, mereçam a tutela do direito.”
[34] SCAVONE
JUNIOR, Luiz Antonio. Obrigações:
abordagem didática, 4 ed. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p. 10.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito
civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações, 24 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 32.
[35] FIUZA,
Ricardo. O novo Código Civil e as
propostas de aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 65.
[36] NONATO,
Orosimbo. Curso de obrigações:
generalidades – espécies, 1 ed., vol. I,
Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 271.
[37]
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de
direito civil: 1ª parte, das modalidades de obrigações, dos efeitos das
obrigações, 29 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 81.
[38]
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das
obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 16.
[39] SENISE
LISBOA, Roberto. Manual de direito civil,
v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 41.
[40] Escola
dos Pandectas é a versão alemã da Escola da Exegese, que enaltecia a lei e os
códigos. Teve à frente os pandectistas do século XIX, a exemplo de Windischeid,
Brinz e Glück, partindo das fontes romanas, cultivou a história do Direito
Romano e a interpretação dos textos da compilação justiniana, com o fim de
aplicá-los como fonte direta do Direito alemão. Os pandectistas desembocaram em
um sistema rígido de fetichismo pelos textos e construções sistemática,
apregoando o uso do método dedutivo, exigindo a aplicação das leis de acordo
com um processo silogístico, cujo argumento consiste em três proposições:
premissa maior, premissa menor e conclusão.
[41] VARELA,
Antunes. Das obrigações em geral, 10
ed. Coimbra: Almedina, 2000, vol. I, p. 147 e ss.
[42] LOPES,
Miguel Maria de Serpa. Obrigações em
geral, 6 ed. rev. e atual. por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1995, vol. II, p. 10 e ss.
[43]
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, v.
2, Parte geral das obrigações, 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 8.
[44]
POTHIER, Robert Joseph. Tratado das
obrigações, tradução de Adrian Sotero De Witt Batista e Douglas Dias
Ferreira. Campinas: Sevanda, 2001, p. 116.
[45] AZEVEDO,
Álvaro Villaça. Teoria geral das
obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 22.
[46]
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das
obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 24.
DINIZ, Maria Helelena. Curso de direito
civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações, 24 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 41. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 50.
[47] AZEVEDO,
Álvaro Villaça. Teoria geral das
obrigações e responsabilidade civi, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 24.
[48] GOMES,
Orlando. Obrigações, 17 ed.,
atualizada por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 33 e 34. Paulo
Luiz Netto Lôbo. Teoria geral das
obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 46. Fernando Noronha. Direito das obrigações: fundamentos ao
direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 343 e 344.
[49] REALE,
Miguel. O projeto do novo código civil:
situação após a aprovação pelo Senado Federal, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999,
p. 5.
[50] MELLO,
Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios
gerais de direito administrativo, volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1969,
p. 605.
[51] POLACO,
V. Le obbliigazione nel diritto civile
italiano. Romana, 1915, p. 19:
“quale pianta rigogliosa che estende le sue radice in ogni altra zona del
diritto civile”.
[52]
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito
civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações, 24 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 5.
[53]
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da
personalidade, 6 ed., atualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 7 a 10.
[54] SENISE
LISBOA, Roberto. Manual de direito civil,
vol. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil, 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2009, p. 25.
[55] GOMES,
Orlando. Obrigações, ed. 17, rev.
atual. por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 29 e 30.
[56] Este
artigo 313 do CC encontra historicamente origem no Digesto 12,1,2,1: debitor aliud por alio, invito creditore
solvere nos potest: o devedor não pode dar, contra a vontade do credor, uma
coisa por outra.
[57]
NERY, Rosa Maria de And0rade. Noções
preliminares de direito civil. São Paulo: RT, 2002, p. 116.
[58]
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral
dos contratos no novo código civil. São Paulo: Método, 2002, p. 2.
[59] Apud RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Brookseller, 2000, p. 54.
[60] Como
ver-se-á são as denominadas obrigações de trato sucessivo e diferidas.
[61]
RIPERT, Georges. A regra moral nas
obrigações civis. Campinas: Brookseller, 2000, p. 54 e 55.
[62]
JOSSERAND, Louis. Derecho Civil, tomo
II do vol. I, rev. e atual. por André Brun, tradução de Santiago Cunchillos y
Manterola. Buenos Aires: Bosch y Cia.
Editores, 1950, p. 31: “Pertenecen a esta categoría la inmensa mayoría de los contratos de transporte: no se discute
el precio de una expedición de mercancías o de un billete de ferrocarril; los contratos de seguro, las compras efectuadas
en grandes almacenes que tienen
precios fijos, establecidos ne varietur;
las diferentes empresas, administraciones de ferrocarriles, compañías de
seguros, grandes almacenes están en condiciones de ofertas permanentes e
irreductibles al público, al que presentan clisés definitivos: la técnica de la formación del contrato se
encuentra de ese modo gravemente modificada.”
[63] PERLIGIERI, Pietro. Perfis de Direito Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.
279.
[64]
Enunciado 290 do Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal: “A
lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação
deste, a desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, não
se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado.”
[65]
Enunciado 176: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos,
o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à
revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.” Enunciado 367:
“Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham
por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz
modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua
vontade e observado o contraditório.”
[66] AZEVEDO,
Álvaro Villaça. Teoria geral das
obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p 128 e
129: jurisprudência referida: JSTF-Lex 61/132. No mesmo sentido: RT 669/175;
664/127; 659/141; 655/151; 654/157; 635/226; 619/87. Mais recentemente: STJ, 2ª
T., REsp. 744.446, rel. Min. Humberto Martins, j. 17.4.08, in Theotonio Negrão: CC e legislação em vigor, 30 ed. p. 204.
[67] DEL
VECCHIO, Giorgio. Princípios gerais do
direito, tradução de Fernando de Bragança.
Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 51;
[68]
BRONISLAW, Malinowski. Crime e costume na
sociedade selvagem, 2 ed., tradução de Maria Clara Corrêa Dias. Brasília:
Ed. Universidade de Brasília, 2008, p. 37.
[69]
COMPARATO, Fábio Konder. Direito
empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 32.
[70] RENTERÍA,
Pablo. Considerações acerca do atual
debate sobre o princípio da função social do contrato, in Princípios
do direito civil contemporâneo, Maria Celina Bodin de Morais, coordenadora.
Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 284.
[71] LÔBO.
Paulo Luiz Netto, Código Civil anotado,
coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 197.
[72] NORONHA,
Fernando. Direito das obrigações:
fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil,
volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27.
[73] SILVA,
Clóvis Veríssimo do Couto e Silva. A
obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 10. Processus,
de procedere, tem origem canônica e
indica uma série de atos relacionados entre si, condicionados um ao outro e
interdependentes.
[74] O
Código Civil italiano de 1942 tem dispositivo similar: “Art. 1.337: le parti,
nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contrato, devono
comportarsi secundo buona fede.”
[75] SILVA,
Clovis Veríssimo do Couto e. A obrigação
como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 30.
[76]
ROSENVALD, Nelson. Código Civil comentado,
coordenação de Cezar Peluzo. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 335.
[77] VARELA,
Antunes. Das obrigações em geral,
vol. I, 10 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 270 e 271.
[78] PERLINGIERI,
Pietro. Perfis de direito civil.
Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 212.
[79] TEPEDINO
et alt. Código Civil interpretado
conforme a Constituição Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 494.
[80] TUHR, Von. Tratado de las obligaciones, primeira edicion, traduzido do alemão
por W. Roces. Madrid: Editorial
Réus, tomo II, p. 63, tradução livre do seguinte texto: “El acreedor se
contituye tambien en mora cuando se niegue a realizar los atos preparatorios que
corran a cargo suyo y sin los cuales el deudor no puede cumplir la prestación
que le incumbe.”
[81] AMARAL,
Luiz Otávio de Oliveira. Teoria Geral do
Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 18.
[82]
AZEVEDO, Antônio Junqueira. Estudos e
pareceres de direitos privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p.151 e 152.
[83]
DUARTE, Ronnie Preuss. Boa-fé, abuso de
direito e o novo código civil brasileiro. RT 817, novembro de 2003, p. 72.
[84]
Para Antônio Junqueira de Azevedo aplica-se o tu quoque na exceção do contrato não cumprido (Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004,
p. 169). É este entendimento de Teresa Negreiros (Princípios do direito civil contemporâneo, coordenação de Maria
Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 236). Para Ronnie
Preuss Duarte estas duas figuras não se confundem, pois enquanto a exceção do
contrato não cumprido exige a sinalágma, o tu
quoque independe de prestações correspectivas (Boa-fé, abuso de direito e o novo CC brasileiro, in RT 817/73 e 74).
[85] ALVES,
José Carlos Moreira. Direito romano,
volume 1, 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 121 e volume 2, p. 10.
[86]
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição
de direito civil: volume II: Teoria geral das obrigações, 22 ed., atual.
por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 11.
[87]
Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do
alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que
vencerem no curso do processo”.
[88] FARIAS,
Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito
das obrigações, 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 7.
[89] AMARAL,
Francisco. Direito civil: introdução,
5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 169.
[90]
MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios
de direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 12.
[91] FACHIN,
Luiz Edson. Estatuto do patrimônio mínimo,
p. 311.
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