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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES NA SALA DE AULA



CAPÍTULO I
1 Do sistema fechado ao semiaberto. 2 Cláusulas gerais. 3 Conceitos legais indeterminados. 4 Princípio da socialidade. 5 Princípio da eticidade. 6 Princípio da operabilidade.

1 DO SISTEMA FECHADO AO SEMIABERTO

              Até pouco antes de alvorecer a metade do século passado, a fórmula casuística de legislar, denominada de regulação por fatispécie, foi fartamente utilizada nos textos normativos. Essa fase, conhecida como a Era da Codificação, propiciou na França, em 1804, o surgimento do Códe Napoléon, sistema fechado em que a atividade do interprete resumia-se a isolar o fato e identificá-lo à norma aplicável. Tudo se resolvia pela casuística: a subsunção do fato à lei.
              Em torno dos códigos inaugurou-se a Escola da Exegese[1], que debatia a respeito da literalidade dos textos legais, pautando a ideia de que nos códigos estariam as soluções para todos os fatos que o Direito propunha-se a regular. Ao juiz o código. E servindo-se do código o juiz infalivelmente resolveria o caso concreto. Do código o juiz não podia afastar-se, pois ele era la bouche de la loi.
              No curso de tal panorama jurídico foram concebidos o Código Civil do Chile de 1855, o primeiro Código Civil de Portugal de 1867, o primeiro Código Civil da Itália de 1895, o Código Civil da Alemanha de 1900, o Código Civil e o Código das Obrigações da Suíça de 1904, o primeiro Código Civil brasileiro de 1916, e outros mais, tendo o modelo francês a inspirá-los.
              Com o fim da última Guerra Mundial, o mundo experimentou expressivo processo de transformações e incertezas, quando os juristas passaram a conceber a ideia de que a técnica da perfeição da lei já estava ultrapassada. A sociedade deixou de ter uma estrutura simples em que era possível ler em tábuas o que é justo e injusto, o que é lícito e ilícito. A atual sociedade é altamente complexa, aberta e de célere transformação, de modo que a prévia previsão dos fatos criando leis que os regulamentam torna-se tarefa legislativa inexequível. É o oportuno ensinamento do lusitano Paulo Otero:
A alternativa subjacente a um cenário contrário, procurando encontrar na lei a resposta exacta para cada problema concreto, isto num quadro idílico da mais completa vinculação decorrente de um modelo silogístico-subsuntivo da aplicação da lei pela administração e pelos tribunais, revelaria ainda uma muito maior imperfeição da lei, observando-se que o cristalizador das previsões normativas conduziria à sua rápida desactualização e a uma visível formulação lacunar da norma legal, tal como uma estatuição fechada não responderia à multiplicidade de situações diferentes e mostraria a incapacidade de adaptação da lei ao imprevisto. Em vez de um Direito sujeito a um rápido processo de envelhecimento, a existência de normas elásticas, permite que a lei respire a atmosfera social que a envolve, adaptando-se melhor à vida através da imperfeição resultante da mobilidade do seu conteúdo.[2]

              Dentro dessa perspectiva contemporânea, ou se preferir pós-moderna, deu-se o advento do segundo Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. O sistema passou de fechado para semi-aberto. Ao lado das normas casuísticas outras foram introduzidas, permitindo maior liberdade ao julgador na busca da justiça acordada na realidade social. São as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados.

2 CLÁUSULAS GERAIS
              As cláusulas gerais são normas elásticas, apresentam conceitos cujos vocábulos empregados pelo legislador têm densidade semântica intencionalmente vaga e aberta, permitindo ao juiz preenchê-las com valores a serem empregados no julgamento de cada caso singular. Não oferece a solução a ser dada, de sorte não prevê a consequência jurídica, consentindo ao juiz criar soluções, vale dizer, abre-lhe à função criadora.
              São exemplos de maior interesse ao Direito das Obrigações, o art. 421 que dispõe sobre a função social do contrato, sem explicitar o que é função social; assim o art. 422 ao referir-se a boa-fé objetiva e a probidade; o art. 1.228, § 1º, que adere ao direito de propriedade o exercício em consonância com as finalidades econômicas e sociais, etc. 

3 CONCEITOS LEGAIS INDETERMINADOS
              Os conceitos legais indeterminados, com significado paralelo às cláusulas gerais, são também normas elásticas, nas quais são introduzidos conceitos propositadamente vagos e abertos, proporcionando ao juiz preenchê-los com valores a serem empregados no julgamento de cada caso singular, com a diferença de preverem a consequência jurídica, isto é, propõem como o caso deva ser solucionado. Atiça a função criadora do juiz conquanto com menor ênfase, pois cabe a ele a escolha de valores sociais que irão presidir o caso em julgamento.
              Assim, o art. 122 do Código Civil ao dispor sobre a liceidade das condições que não contrariam a ordem pública e os bons costumes; o art. 188, II, ao dispor que não constituem atos ilícitos os praticados para remover perigo iminente; art. 927, parágrafo único, que preveja as atividades de risco que conduzem à responsabilidade civil objetiva, dentre outros.
              Embora nem todos civilistas façam a distinção entre essas duas figuras, preferindo a denominação genérica de cláusulas gerais, cumpre atentar à lição do casal Nelson e Rosa Nery:
[...] à primeira vista poderia haver confusão entre as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados. Ocorre que em ambos há a extrema vagueza e generalidade, que tem de ser preenchida com valores pelo juiz. Quando a norma já prevê a consequência, houve determinação de conceito legal indeterminado: a solução a ser dada pelo juiz é aquela prevista previamente na norma. Ao contrário, quando a norma não prevê a consequência, dando ao juiz a oportunidade de criar a solução, dá-se ocasião de aplicação da cláusula geral: a consequência não estava prevista na norma e foi criada pelo juiz para o caso concreto. O juiz pode dar uma solução em um determinado caso, e outra solução diferente em outro caso, aplicando a mesma cláusula geral.[3]

              Há de se notar, todas essas expressões, standards do Direito inglês, que compõem a norma, têm como principal característica a impossibilidade de elucidação de seus conceitos sem o recurso aos mais variados parâmetros de valoração ético-social ou do costume.
              De tal modo essas duas figuras mitigam as regras mais rígidas ao dar maior mobilidade ao Código Civil, impedindo o seu envelhecimento precoce em uma sociedade tão dinâmica como a atual. Nem por isso evitam as críticas, pois trazem certo grau de incerteza ante a característica de sua flexibilidade, uma vez que outorgam ao juiz grande margem discricionária ao preencher o seu conteúdo com valores.[4]
              Convenha-se, a liberdade judicial não é plena, pois os valores não são aqueles próprios da convicção pessoal do magistrado, mas sim os prevalentes na consciência social, que implicam no dever ético de lealdade e cooperação nas relações intersubjetivas. Ou conforme prefere Claudio Luzzati, a aplicação de tais conceitos exige a concreção da regra ética e de costume preexistente, não significando um arbítrio às opiniões pessoais do julgador.[5] Tais valores, portanto, devem ser extraídos diante do caso concreto na criteriosa análise de suas circunstâncias fáticas e jurídicas, para que se encontre a solução mais conveniente sob a ótica da justiça social.[6]
              E não se olvide, o Direito Privado e o Direito Público estão sempre submetidos aos valores e princípios constitucionais. É a Constituição Federal que oferta a visão unitária e coerente do Direito, e que eleva essa visão do interprete para o telos do conjunto sistemático de normas. É dizer, a luz que ilumina a interpretação das normas abertas deve ser sempre a constitucional, valores outorgados e não escolhidos pelo aplicador da lei.
              Bem por isso, na interpretação dessas normas abertas a jurisprudência é de grande valia na função de estabelecer o seu alcance e conteúdo, além de oferecer no correr do tempo certa segurança jurídica. É o que assegura Judith Martins-Costa: “não pretendem as cláusulas gerais dar resposta, previamente, a todos os problemas da realidade, uma vez que estas respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência.”[7]
              Valendo-se, pois, das cláusulas gerais e dos conceitos legais indeterminados foram introduzidos três princípios que Miguel Reale chama-os de fundantes e, em profissão de fé adverte “não por um vício de amar o trino”, que são: o da socialidade, o da eticidade e o da operabilidade.
              Os princípios são diretrizes maiores do ordenamento jurídico, oferecendo às normas o seu verdadeiro sentido e alcance. Impõem a realização de valores e sua característica essencial é a indefinição em relação à situação fática, podendo aplicar-se a um número indeterminado de casos concretos. Atuam como elos de ligação entre as normas com o que garantem o ordenamento jurídico como um bloco sistemático harmonioso, consentindo a sua renovação diante das transformações sociais.

4 PRINCÍPIO DA SOCIALIDADE
              O princípio da socialidade leva ao entendimento de que os interesses individuais, embora significativos para o ordenamento jurídico, não podem sobrelevar os interesses sociais, por serem estes informativos da consciência coletiva. É a lição de Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald:
O ordenamento jurídico concede a alguém um direito subjetivo para que satisfaça um interesse próprio, mas com a condição de que a satisfação individual não lese as expectativas coletivas que lhe rodeiam. Todo direito de agir é concedido à pessoa, para que seja realizada uma finalidade social; caso contrário, a atividade individual falecerá de legitimidade e o intuito do titular do direito será recusado pelo ordenamento.[8]

              Busca suplantar o individualismo condenável sem cair no coletivismo, cujo engano é despersonalizar um em favor do todo.
              Pondera Norberto Bobbio:

Há individualismo e individualismo. Há individualismo de tradição liberal-libertaria e o individualismo de tradição democrática. O primeiro arranca o indivíduo do corpo orgânico da sociedade e o faz viver fora do regaço materno, lançando-o ao mundo desconhecido e cheio de perigos da luta pela sobrevivência, onde cada um deve se cuidar de si mesmo, em luta perpétua, exemplificada pelo hobbesiano bellum ominium contra omnes [a luta do homem contra o homem]. O segundo agrupa-o a outros indivíduos semelhantes a ele, que considera seus semelhantes, para que da sua união a sociedade venha a se compor não mais como um todo orgânico do qual saiu, mas como uma associação de indivíduos livres. O primeiro reivindica a liberdade do indivíduo em relação à sociedade. O segundo reconcilia-o com a sociedade fazendo da sociedade o resultado de um acordo entre indivíduos inteligentes. O primeiro faz do indivíduo um protagonista absoluto, fora de qualquer vínculo social. O segundo faz dele protagonista de uma nova sociedade que surge das cinzas da sociedade antiga, na qual as decisões coletivas são tomadas pelos próprios indivíduos ou por seus representantes.[9]
             
              Daí a assertiva de Miguel Reale: “Se não houve a vitória do socialismo, houve o triunfo da socialidade.” E prossegue, o atual Código Civil distingue-se por maior aderência à realidade contemporânea, o que leva a repensar, dentro desta ótica, os direitos e deveres dos cinco principais personagens do Direito Privado: o proprietário, o contratante, o empresário, o pai de família e o testador.[10]
              O Código Civil refere-se ao social explicitamente em vários dispositivos. Pinçam-se alguns deles afetos à área do Direito das Obrigações: a) ao considerar abusivo o exercício de um direito (art. 187); b) ao falar diretamente na função social do contrato (art. 421); c) ao prever a probidade e a boa-fé (art. 422); d) ao estabelecer a fixação de indenização razoável pela interrupção da empreitada (art. 623); e) ao dispor que o gestor de negócio responde pelos danos causados por caso fortuito, quando realizar operações arriscadas (art. 868); f) ao inovar com a responsabilidade civil objetiva decorrente da atividade de risco (art. 926, parágrafo único); g) ao exigir que a propriedade deva ser exercida conforme as finalidades econômicas e sociais (art. 1.228, § 1º).
              Na verdade, a finalidade social integra a própria natureza do Direito. Fora da sociedade não há Direito; vem desde os romanos o apotegma ubi societas, ibi ius: onde está a sociedade, aí está o direito. Qualquer homem isolado, tal qual o asceta ou o ermitão, pode ter problema moral na relação consigo mesmo, ou problema religioso na relação com Deus, mas não problema jurídico. Da obra de Daniel Defoe sai o exemplo de Robison Crusoé, que viveu isolado em uma ilha do Caribe, não tinha problema jurídico, enquanto não encontrou o nativo Sexta-Feira, ao relacionar-se com ele passou a ter. É nesse contexto que o princípio da socialidade, como valor, centra as suas atenções no interesse social, entendendo o interesse individual como referência relativa, mas, repita-se, não sem lhe dar reconhecida importância.
              Abrolha a questão: o princípio da sociedade pode colidir com os direitos fundamentais (CF art. 5º) e os direitos da personalidade (CC art. 11 a 21)?
              A princípio a resposta é negativa. O princípio da socialidade compromete-se com a inadiável busca de se construir uma sociedade livre, justa e solidária, pela erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais (CF, art. 3º, III), plasmadas na dignidade da pessoa humana (CF art.1º, III), impondo rigoroso reconhecimento dos direitos fundamentais e dos direitos da personalidade, o que se constitui política humanista e humanizadora. Maria Celina Bodin de Moraes assegura que a solidariedade “é a expressão mais profunda de sociabilidade que caracteriza a pessoa humana.” E conclui, na atualidade a Carta Magna exige “que nos ajudemos, mutuamente, a conservar nossa humanidade, porque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária cabe a todos e a cada um de nós”.[11]
              Do exposto surge uma conclusão lógica, o princípio da socialidade compõe uma ordem de complementaridade com o individualismo democrático, encontrando vasto estuário nos direitos fundamentais e nos da personalidade, porquanto o que ele pretende é expurgar o individualismo liberal-libertário, evidentemente perverso, jamais despersonalizar o indivíduo em favor do todo.
              Em outro enfoque é lídimo afiançar, se no caso concreto estabelecer-se a colisão proposta, prevalecem os princípios imanentes do sistema e do bloco de constitucionalidade, segundo os quais o centro do direito é a dignidade da pessoa humana e os valores que lhe são intrínsecos. É a prevalência dos direitos humanos imposição expressa da Carta Magna (art. 4º, II).
              Todavia, nada no Direito é absoluto, dessa forma cumpre outra ordem de consideração que é o dever de proteção em face da coletividade. No Estado Democrático de Direito os direitos fundamentais e os direitos da personalidade não podem ser vistos pelo estreito enfoque individual, sem a indispensável proteção dos direitos integrantes da sociedade. Se eles prevalecerem, em todas as circunstâncias, será danoso à ordem pública e às liberdades alheias. Afirma com lucidez Ernani Menezes Vilhena Júnior: “Privilegiar o direito fundamental do indivíduo com grave prejuízo aos direitos fundamentais da sociedade implica inexorável ofensa a valores assegurados a todos.”
              Escorado na doutrina portuguesa de Dayse de Vasconcelos Mayer, o citado autor prossegue enumerando as seguintes e apertadas circunstâncias:
a) quando necessário assegurar a própria continuidade e sobrevivência da ordem jurídica;
b) se estiver em grave risco um bem jurídico que somente pode ser preservado pela restrição da liberdade;
c) quando todos e não alguns sejam abrangidos por medidas de excepcionalidade adotadas pelo Estado;
d) nas situações excepcionais e transitórias, isto é, que dure apenas enquanto permanecer a situação de perigo iminente.[12]
              Para tanto dois princípios são indicados, os da razoabilidade e da proporcionalidade. Sem dúvida, seus conceitos são relativos por excelência, devendo ser inferidos a partir do senso comum ou padrão médio dos indivíduos. É razoável e proporcional tudo o que o corpo social admite como solução equânime para determinada situação singular, por estar de conformidade com o interesse público.[13]

5 PRINCÍPIO DA ETICIDADE
              Agir com eticidade significa elevar-se como pessoa humana, procedendo de maneira proba e leal na consideração de valores que exigem o respeito e o apreço aos direitos e interesses alheios.
              Evidente que a eticidade evoca a ética, e esta significa o “eu” reconhecer, respeitar e reverenciar o “outro”, assim entendendo: “o outro sou eu mesmo”, são palavras do Apóstolo Paulo: “... cada um de nós somos membros um do outro” (Romanos 12, 5). Machado de Assis, no conto “O Espelho”, um esboço de uma nova teoria da alma humana, coloca na boca do taciturno Jacobina, que o homem, metafisicamente falando, é uma laranja, quem perde uma das metades, perde metade da sua existência, ou seja, uma metade é o “eu” e a outra metade é o “outro”.
              A eticidade, contudo, não se alarga ao ponto de o Direito consagrar tudo que é moral, por comportar normas amorais, assim as que se referem ao trânsito como, por exemplo, ao estabelecer uma rua de mão única ou direcioná-la do centro para o bairro. Mas o Direito nega e rejeita a imoralidade.
              Pode-se afirmar, porém, que os fundamentos da eticidade permeiam o ordenamento jurídico, incutindo-lhe os valores de justiça, solidariedade e dignidade da pessoa humana. De efeito, a eticidade é valor que abrolha do princípio da dignidade humana. Princípio abrigado praticamente em todas as legislações dos países ocidentais, como nas Constituições de Portugal e Alemanha.[14]
              São exemplos que tocam os direitos obrigacionais: a) art. 50 do Código Civil: em caso de abuso da personalidade jurídica, o juiz poderá desprezá-la e sancionar os sócios abusivos (falta de eticidade); b) art. 110: pune-se a reserva mental (falta de eticidade) na manifestação da vontade quando da realização do negócio jurídico; c) art. 113: os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé (eticidade); d) art. 167 caput: é nulo o negócio jurídico simulado (falta de eticidade), mas são ressalvados os direitos de terceiro de boa-fé (eticidade), art. 167, § 2º; e) art. 187: considera-se ato ilícito o exercício abusivo de um direito (falta de eticidade); f) art. 421: a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato (eticidade); g) art. 422: os contratantes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé (eticidade); h) art. 589, V: é ineficaz o mútuo feito a menor, salvo se ele obteve o empréstimo maliciosamente (falta de eticidade); i) art. 896: protege o portador de boa-fé (eticidade) contra a reivindicação de título de crédito; j) art. 1.258 e parágrafo único: aquele que constrói em seu solo e invade parcialmente solo alheio, se agiu de boa-fé (eticidade) adquire a parte do solo invadido, indenizando o valor da área perdida e a desvalorização da área remanescente, mas se agiu de má-fé (falta de eticidade) a indenização será em décuplo.
              Dos exemplos colacionados muitos são comuns aos princípios da socialidade e da eticidade que se entrelaçam, um completando o outro, de modo são duas veredas aplainadas por valores similares. Tanto assim, que o princípio da socialidade nasce de um dever ético, que obriga o titular de um direito subjetivo harmonizar o seu interesse ao interesse social. De outra face, a eticidade, tendo por proposta o comprometimento do Direito com ideais de alta estima de uma comunidade, está intimamente ligada ao paradigma socialidade, pois somente assim poderá ter um significado realmente edificante.[15] É a sabedoria nata dos africanos, que usam a palavra ubuntu a significar: “eu sou o que sou porque pertenço à comunidade”, ou “eu sou o que sou através de você, e você é você através de mim”, portanto “todos precisamos uns dos outros; somos interdependentes.”
              O certo é que esses dois princípios trouxeram ao Código Civil uma nova dinâmica, ou se constituem em paradigmas que rompem com o formalismo técnico-jurídico próprio do individualismo que antecede a metade do século passado, ampliando as normas inscritas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. O art. 4º ao atribuir maior valoração à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito. E o art. 5º em que o juiz deverá atender aos fins sociais e às exigências do bem comum. De efeito, ao juiz é assegurada a necessária liberdade de distribuir, em cada caso singular, o julgamento mais equânime, o que conduz ao justo anseio dos jurisdicionados.
              Cabe uma ressalva, o Código Civil de Reale acrescentou, com relação ao Código Civil de Bevilaqua, novos artigos, nos quais da boa-fé ou da má-fé decorrem consequências jurídicas, ampliando e melhorando o princípio da eticidade, logo não lhe é exclusivo. De efeito, são exemplos de eticidade no Código Civil revogado, dentre outros, os artigos 510, 513 a 515, 550, 551, 612, 613, 616, 933, parágrafo único, 968, 1.002, 1.072, 1.073, 1.318 e 1;321, 1.443.[16]
6 PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE
              O princípio da operabilidade foi inspirado no Direito alemão, e segundo Miguel Reale: “o Direito é feito para ser executado; Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora – é chama que não aquece, luz que não ilumina.”[17] Lembra a parábola da lâmpada: “Por acaso toma-se uma lanterna para colocar debaixo do alqueire ou do leito? Por acaso não é para colocar sobre o candelabro” (Mc. 8, 21). Explica Norberto Bobbio: “Finalmente, descendo do plano ideal ao plano real, uma coisa é falar dos direitos do homem, direitos sempre novos e cada vez mais extensos, e justificá-los com argumentos convincentes; outra coisa é garantir-lhes uma proteção efetiva.”[18]
              Proteção efetiva significa que as novas normas têm mais clareza redacional, tornando-as de mais fácil operabilidade no caso concreto, de modo a estabelecer soluções normativas que facilitem sua interpretação pelo operador do Direito, isto é, o acesso da vida dos textos para a vida prática. Para tanto, o Código vigente abandonou a redação esmerada, até clássica do Código revogado, mormente depois da revisão de Ruy Barbosa. Sua linguagem é menos rebuscada, mais inteligível, ao alcance do jurisdicionado e de tal modo devem ser dirigidas as decisões judiciais.
              Supera também as dúvidas remanescentes do sistema passado, por meio de metódica análise da jurisprudência. Exemplo marcante é o art. 330 do Código Civil, que abraçou a jurisprudência ao introduzi-la em preceito escrito.
              O mesmo se deu com a prescrição e a decadência. Afastaram as dúvidas suscitadas pelas teorias estéreis que até então proliferaram, pouco esclarecendo. Ficou nítida a diferença entre ambas. A orientação geral é a seguinte: os casos de prescrição estão contidos nos arts. 205 e 206, da Parte Geral. Em todos os demais casos, em regra, o prazo extintivo é decadencial.   
              Ademais, cabe uma nova leitura do direito processual. Há de convir, o direito material sobreleva o instrumental. Quem ingressa em juízo visa à efetivação, por meio do direito subjetivo, o que lhe confere o direito objetivo, não para discutir normas puramente processuais. São cada vez mais arcaicas e odiosas as decisões privilegiadamente processuais, quando a forma supera o conteúdo. Direito material e direito instrumental devem manter um diálogo permanente de maneira que o segundo facilite com normas claras e de fácil operabilidade o primeiro, inclusive preocupando-se com as decisões em tempo útil, desburocratizando o processo que deve contemplar a verdade material.
              De todo o expendido a conclusão é dual. A uma, indica que o Livro do Direito das Obrigações e os demais Livros do Código Civil devem ser lidos na consideração dos três princípios expostos, para a boa e cabal interpretação de suas normas dentro de novos paradigmas que os afetam diretamente, tornando-os atuais e efetivos em uma sociedade que experimenta mudanças constantes ante o dinamismo que caracteriza a vida contemporânea. A duas, as decisões judiciais não podem mais se contentar com a verdade formal, chamada por alguns de segurança jurídica, a nova leitura está a exigir a busca da verdade material, pois só assim se restabelece a paz social quebrada pelo conflito de interesses. É um basta à perfídia “do faz de conta” de que a justiça foi distribuída, fazendo crer que o Poder Judiciário apenas dirime conflitos de interesses.
              Assim entendendo há de se admitir, o Código Civil de Reale é principiológico, um sistema semiaberto, pois ao lado das normas casuísticas perfilam as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados, dando flexibilidade ao sistema.
RESUMO
Sistemas de codificação:
1) Sistema fechado: é a casuística, resolve-se pela fatispécie: a subsunção do fato à lei. O juiz não pode afastar-se do texto legal. Sistema pugnado pelas Escolas da Exegese e dos Pandectas. Perdeu importância, especialmente a partir de meados do século XX.
2) Sistema semiaberto: além da casuística figuram as cláusulas gerais e conceitos legais indeterminados.
As cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados são normas propositadamente vagas e abertas, que se ajustam ao caso concreto mediante valoração, permitindo mobilidade ao sistema, evitando o seu precoce envelhecimento diante de uma sociedade dinâmica, em constante mudança. As primeiras não preveem a consequência jurídica; as segundas, sim. Ofertam maior elasticidades às decisões judiciais, sempre na busca de se fazer justiça no caso concreto.
3) Princípios: são diretrizes maiores do ordenamento jurídico e oferecem às normas seu real sentido e alcance. Podem ser aplicados a um número indeterminado de casos. Dão unidade ao ordenamento jurídico e também lhe permitem constante renovação diante das transformações sociais.
a) Princípio da socialidade: dá ênfase ao interesse social, pois o Direito, sendo uma forma realista, não pode ser concebido sem que se considere a sociedade que ele deve regular, dando, porém, a reconhecida importância aos direitos individuais. Os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e os direitos da personalidade previstos no Código Civil são amplo estuário desse princípio. Devem ser conjugados harmoniosamente, uma vez que o exercício desses direitos individuais, em sentido absoluto, pode trazer grave ofensa à ordem pública e às liberdades alheias.
b) Princípio da eticidade: a ética deve informar o Direito, isto é, o Direito é, sobretudo, ético. E Ética é entender o outro como se fosse o próprio eu. O Direito não consagra tudo que é moral, mas o Direito não se compadece com a imoralidade. Está em constante diálogo com o princípio da socialidade.
c) Princípio da operabilidade: a lei deve ser clara, para que todos possam entendê-la e para que opere a sua transferência da vida do texto para a vida prática, afastadas interpretações meramente protelatórias, que trazem morosidade à distribuição da justiça. Direito Civil e Direito Processual Civil devem manter um diálogo profícuo, sendo que o segundo é instrumento do primeiro, devendo facilitar o reconhecimento dos direitos de quem procura a justiça, especialmente editando normas que possibilitem decisões em tempo hábil.

                                                           CAPÍTULO II
1 Topografia no Código Civil: Livro I da Parte Especial. 2 Conceito de Direito das Obrigações. 3 Acepção da palavra obrigação. 4 Acepções de dever jurídico, ônus e sujeição.

1 TOPOGRAFIA DA TEORIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES NO CODIGO CIVIL       O Código Civil de Bevilaqua é um monumento do Direito, negar seus extraordinários méritos é inconcebível, porquanto o seu texto representa um patrimônio jurídico de valor inestimável. Sob a sua vigência foram esculpidas doutrina e jurisprudência hoje muito aproveitáveis, constituindo um acervo obrigatório de consulta e pesquisa. Contudo, é fruto de sua época o Estado Liberal e de uma sociedade predominantemente agrária.[19] Era, pois, uma sociedade estável e conservadora, recém liberta da mácula da escravidão. Seguiu o modelo da Compilação das Leis Civis de Augusto Teixeira de Freitas,[20] o grande jurista pátrio do século XIX, ao contemplar duas partes. Uma, a Parte Geral, detalhando o negócio jurídico nos seus aspectos subjetivo e objetivo; outra, a Parte Especial, em cinco Livros cada qual dedicado à matéria específica. Preferiu a ordem de valores, por isso normatizou antes o Direito de Família, seguido pelo Direito das Sucessões e reservou o Livro III para o Direito das Obrigações.
A inovação do Código Civil de Reale foi deslocar para o Livro I o Direito das Obrigações, imediatamente depois da Parte Geral, antecedendo o Direito de Empresa (Livro II), o Direito das Coisas (Livro III), o Direito de Família (Livro IV) e o Direito das Sucessões (Livro V).
            É a sequência do Código Civil da Alemanha, seguida pelo Código Civil de Portugal. Disposição mais didática, porquanto os demais Livros da Parte Especial contêm matéria relacionada às obrigações o que, por lógico raciocínio, torna-se mais fácil entendê-los depois de conhecer o Direito das Obrigações.
Considera-se ainda que a sociedade atual, marcadamente urbana, além de contaminada pelo problema econômico em que, de modo geral, a pessoa contrata antes de tornar-se titular de algum direito real, isto é, antes de ser proprietário de alguma coisa, também se obriga antes de constituir família pelo casamento, ou mesmo de adquirir patrimônio por sucessão, em regra.[21]
            Por sua vez, a Parte Geral do Código Civil dispõe matérias que serão imprescindíveis ao estudo do Direito das Obrigações, destacando entre outras no Livro I a pessoa natural e a jurídica que protagonizam o Direito, pois são capazes de direitos e deveres na órbita civil (CC art. 1º). Com ênfase especial aos direitos da personalidade (CC arts. 11 a 21), matéria de há muito contemplada pela Constituição Federal, sistematizada pela primeira vez no Direito Privado passa a ser de especial consideração na interpretação e na aplicação prática das normas do Direito das Obrigações. Ademais, a sua ofensa é fonte de obrigação, tipifica o dano moral.
            O Livro II da Parte Geral aborda os bens imóveis e móveis, fungíveis e consumíveis, divisíveis e indivisíveis, singulares e coletivos (CC arts. 79 a 103), os quais são de significativa importância para a Teoria Geral das Obrigações ao estudar mormente as obrigações de dar.
            Quanto ao Livro III, o mais extenso dos três que compõem a Parte Geral, prepondera a necessidade de se rememorar o negócio jurídico (CC arts. 104 a 114), pois a obrigação é um negócio jurídico, é uma relação entre pessoas, somente a pessoa natural e a jurídica têm personalidade, apenas elas são capazes de exercer direitos e de assumir obrigações, como regra geral, o que não exclui uma ou outra exceção ao tratar dos entes despersonalizados.
            Os efeitos do negócio jurídico, existência, validade e eficácia, bem ainda os vícios de consentimento: erro ou ignorância, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores são aplicados ao direito obrigacional (CC arts. 138 a 165). Entram nesse contexto as anulabilidades e as nulidades (CC arts. 166 a 184). Ver-se-á também que a condição, o termo e o encargo correspondem modalidades de obrigações (CC arts. 121 a 137).
            Outra matéria de vital consideração para o estudo das obrigações é ato ilícito, o absoluto previsto no art. 186 e o do art. 187 ao conceituar o abuso de direito.
            A Parte Geral estuda ainda a prescrição e a decadência, que é a extinção da pretensão do direito de ação ou a perda do próprio direito pelo decurso de tempo, o que se aplica ao negócio jurídico obrigacional (CC arts. 189 a 211).
            Bem por isso, a Parte Geral, que incorporou no seu texto princípios constitucionais, constitui o pórtico de entrada do Código Civil, sendo indispensável o seu conhecimento para que se entenda os demais Livros da Parte Especial.
Eis o Livro I da Parte Especial do Código Civil:

PARTE ESPECIAL
Livro I
Do Direito das Obrigações
Composto por dez títulos, este livro aborda as regras atinentes à Teoria Geral das Obrigações, aos contratos em espécies, à responsabilidade civil e às preferências e privilégios creditórios.
Título I
Das Modalidades das Obrigações (arts. 233 a 285)
Trata as modalidades de obrigações, com destaque para as três divisões básicas: as obrigações de dar, fazer e não fazer.
Título II
Da Transmissão das Obrigações (arts. 286 a 303)
As obrigações podem ser transmitidas de um devedor para outro, ou de um credor para outro.
Título III
Do Adimplemento e Extinção das Obrigações (arts. 304 a 388)
Demonstra que o pagamento direto ou indireto extingue a obrigação, alforriando o devedor de sua prestação por satisfazer o direito do credor.
Título IV
Do Inadimplemento das Obrigações (arts. 389 a 420)
Trata da obrigação não cumprida pelo devedor e as suas consequências, especialmente o direito do credor de investir contra o patrimônio do devedor até que tenha o seu crédito satisfeito.
Os Títulos V a XIII (arts. 421 926)
Disciplina os contratos em geral, desde as disposições gerais, as formas de extinção, até as suas várias espécies, os denominados típicos ou nominados, os atos unilaterais e os títulos de crédito.
Título IX
Da Responsabilidade Civil (arts. 927 a 954)
Para se exigir o cumprimento da obrigação, emergem duas espécies de tutela a específica em que o adimplemento é perseguido conforme a obrigação foi contratada, e a genérica pelas perdas e danos, uma indenização em dinheiro, nesta última entra no cenário a responsabilidade civil.
Título X
Das Preferências e Privilégios Creditórios (arts. 955 a 965)
Preveja a insolvência civil e distingue os créditos entre os de igual preferência e os que gozam de privilégio em geral sobre os bens do devedor.


2 CONCEITO DE DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Do clã primitivo à cibernética, a humanidade escreve a sua história timbrada pela sociabilidade, é a convivência ou a comum união (comunhão), por imperativo de sua própria natureza. Nesse ambiente compartilhado, com sua capacidade inventiva a pessoa humana cria meios hábeis e idôneos para conseguir a satisfação de suas necessidades materiais e imateriais, tanto as primárias como as supérfluas. E a sociedade exige ordenamento, cabendo ao Direito, com suas regras, disciplinar as relações sociais que se estabelecem cada vez mais intrigantes e complexas.
A vida humana trata-se, por conseguinte, de incessante interação intersubjetiva estabelecendo relações jurídicas, algumas delas de caráter patrimonial, porquanto criam um vínculo entre pessoas, limitando sua liberdade, de sorte obriga uma pessoa, chamada devedor, a fornecer determinada prestação à outra pessoa, chamada credor.
            Pode-se, assim, conceituar o Direito das Obrigações:

É o ramo do Direito Civil que conjuga as normas que disciplinam as relações jurídicas patrimoniais, tendo por objeto a prestação de um sujeito em proveito de outro.

            O Direito das Obrigações rege, dessa forma, as relações jurídicas entre o débito e o crédito, regulamentando as relações interpessoais em que uma pessoa, ou mais, encontra-se na situação de débito, e outra pessoa, ou mais, com o direito de receber um crédito. É o ramo do Direito Civil que disciplina as relações jurídicas de caráter econômico.
Dessa interação entre devedor (debitor) e credor (creditor) surge a obrigação (obrigatio), ou relação jurídica obrigacional, que obriga o devedor a cumprir a prestação debitória, e arma o credor com o direito de exigir e receber essa mesma prestação, para ele creditória. Logo, a finalidade da relação jurídica obrigacional é a satisfação de um interesse legítimo do credor. Interesse legítimo é todo interesse útil e sério sob o ponto de vista do ordenamento jurídico.
Demais disso, é o ramo do Direito em que o hermeneuta, diz Caio Mário da Silva Pereira, deve reportar-se mais do que em outros setores ao Direito Romano. E completa:

É certo que fatores diferentes têm atuado na sua etiologia, sem contudo alterar-lhe a essência. Se focalizarmos o excessivo rigor individualista do Direito Romano, o notório pendor espiritualista medieval, ou a influência socialista marcante do direito moderno, e analisarmos, às respectivas luzes, a estruturação dogmática da obrigação, não encontramos diversidade essencial.[22]

            Em outras palavras, o Direito das Obrigações tem início no Direito Romano e guarda as suas raízes históricas, assim porque, mesmo apegados ao exagerado formalismo até relegando o conteúdo, os jurisconsultos romanos desenvolveram lucidamente os fundamentos essenciais das relações jurídicas obrigacionais, dessa forma as diversas alterações sofridas tiveram por objetivo a adaptação às realidades sociais que se sucederam. O Direito não é estático, é dinâmico, sempre experimenta mudança, isto é, acompanha as mudanças do meio social que ele se dispõe regulamentar.
            E na atualidade o Direito das Obrigações caminha na direção de melhor realizar o equilíbrio social, sendo que não se direciona apenas na preocupação moral de impedir a exploração do fraco pelo forte, como ainda de sobrelevar o interesse coletivo arredando os interesses individuais de cunho deploravelmente egoístico, o referido individualismo de tradição liberal-libertária.
            Corrige as injustiças a que foi conduzido, na órbita política e econômica, pelo liberalismo eminentemente materialista. Seu conteúdo é mais humano, social e ético. Enfim, tende para a eticidade e a socialidade na conformidade das convicções a esse respeito dominantes.[23]

3 ACEPÇÕES DA PALAVRA OBRIGAÇÃO
            Na linguagem comum, a palavra obrigação é emprestada para designar, de modo indiscriminado, todos os deveres e ônus de natureza jurídica ou extrajurídica. Na primeira acepção, a jurídica, se diz que o vendedor é obrigado a entregar a coisa vendida, e o comprador a pagar o preço correspondente. Na segunda, a extrajurídica, pode referir-se a dever religioso: todo crente tem a obrigação de amar a Deus; ou a dever moral: todos têm a obrigação de respeito para com o outro; ou a dever de cortesia: o mais jovem tem a obrigação de ceder o seu lugar ao mais idoso, ou o homem à mulher etc.
            Nesse sentido amplo, o vocábulo obrigação é sinônimo de dever. Deveres jurídicos e não jurídicos são designados ordinariamente de obrigação. São comuns expressões como: todos são obrigados a respeitar a vida, a integridade física e moral das demais pessoas; todos são obrigados a respeitar a propriedade alheia. Também guarda sinonímia com ônus. Da mesma forma ouve-se: quem alega é obrigado a provar; quem tem escritura pública é obrigado a registrá-la para se tornar proprietário de um bem imóvel. E por vezes, a palavra obrigação é empregada no sentido de sujeição. São sentidos ou significados impróprios pela falta de precisão técnico-jurídica.
            O sentido ou significado técnico-jurídico que interessa, como já salientado, é muito mais estreito. Obrigação se presta para significar a regulamentação do vínculo jurídico estabelecido entre devedor e credor, seja em virtude da lei (ex legis) ou do contrato (ex contractus), tendo por objeto determinada prestação.

4 ACEPÇÕES DE DEVER JURÍDICO, ÔNUS E SUJEIÇÃO

Cabe recordar o que são direitos objetivo e subjetivo. Direito objetivo é o conjunto de normas jurídicas que rege a conduta humana na vida em sociedade, prescrevendo uma sanção direta ou indireta no caso de sua transgressão. É norma de agir dotada de sanção. Está nos códigos, nos microssistemas, nas leis. Vale a clássica máxima romana: jus est norma agendi. Daí o dever jurídico trata-se de uma imposição do direito objetivo dirigida a todos indistintamente, a fim de que seja adotado determinado comportamento coerente com a vida em sociedade, sob pena de, violando-o, submeter-se à sanção prescrita.
Toma-se o direito de propriedade que outorga ao proprietário as prerrogativas de usar, gozar, dispor e reivindicar os seus bens (CC art. 1.228). Se alguém atentar contra essas prerrogativas, a lei impõe ao transgressor uma sanção. Outro exemplo, o dever jurídico de respeitar a vida e a integridade física e moral das pessoas, se alguém matar a lei impõe uma sanção, não apenas penal (CP art. 121), mas também cível, pois o art. 948 do Código Civil dispõe que no caso de homicídio a indenização consiste no pagamento de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, além de outras verbas. No caso de lesão corporal (CP art. 129) o art. 949 do Código Civil impõe ao ofensor indenizar o ofendido das despesas de tratamento e dos lucros cessantes até final convalescência. São imposições cogentes que a todos cabem cumpri-las. O desrespeito ao dever jurídico corresponde a submeter à sanção prescrita. Nota-se, o cumprimento do dever jurídico satisfaz um direito subjetivo alheio.
            Direito subjetivo que é o poder de ação contido na norma, a faculdade de exercer o direito objetivo. Ou o poder atribuído à vontade da pessoa de exigir o que lhe é deferido pelo direito objetivo, respeitados os seus limites.  É o aforismo repetido secularmente: jus est facultas agendi. No âmbito civil, a vítima de lesões corporais pode resignar-se, como pode insurgir-se contra o ofensor; é uma faculdade que lhe é dada e nessa faculdade encontra-se o direito subjetivo.
Daí o ônus também implica na necessidade de se conduzir de certa forma no exercício do direito subjetivo, não por imposição direta do direito objetivo, nem para satisfazer direito de outrem, pelo contrário, volta-se no resguardo ou defesa de direito próprio. E por não ser imposição do direito objetivo, não gera sanção. Suponha-se que uma pessoa invente determinada coisa, ela só terá a titularidade de seu invento se tirar patente. O direito objetivo oferece ao descobridor a faculdade para que patenteie o seu invento, não o obriga. Por conseguinte, o ônus é um meio de se obter uma vantagem ou, pelo menos, de se impedir uma desvantagem, por isso trata-se de um dever livre, na expressão de Antunes Varela,[24] exercitá-o quem assim o quiser. Outras vezes, o ônus pode recair sobre um bem, é o ônus real como a cláusula de inalienabilidade, que não permite, como se deduz, a alienação do bem clausulado, o que será objeto de estudo no Direito das Coisas.
            Sujeição é o contrapolo do direito potestativo, aquele que depende de uma só vontade.[25] Na sujeição a relação jurídica se caracteriza por uma parte encontrar-se em posição de potestade, em situação de poder em relação à outra, que assim está em situação de submissão ou sujeição. O contrato de seguro de pessoa (CC art.789), que já foi denominado de contrato de seguro de vida, conjuga três personagens: o segurado, a seguradora e o beneficiário. O segurado nomeia na apólice de seguro, por exemplo, como beneficiária a sua esposa. Depois, entretanto, prefere que os beneficiários sejam os filhos. Considerando simplesmente a sua única vontade, o segurado substitui a esposa pelos filhos. Depende somente de sua vontade, é um direito potestativo. A esposa por estar em situação de sujeição não pode opor-se. Outra passagem também se presta: quem outorga uma procuração pode a qualquer momento revogá-la, depende de uma única vontade, a do outorgante, dispensado o consentimento da outra parte, o do outorgado.
Dever jurídico, ônus e sujeição, expressões com significados diferentes, também não guardam sinonímia com obrigação.
Como já dito e vale reforçar, a obrigação é uma relação jurídica estabelecida entre dois polos contrapostos, de um lado o devedor (polo passivo), aquele a quem cabe adimplir a prestação, e de outro lado o credor (polo ativo), aquele que tem o direito de exigir e receber essa prestação. Sempre pressupõe esse binômio: devedor e credor. Cumprida a prestação exaure-se a obrigação. O aluno que cursa uma escola tem a obrigação de pagar a mensalidade, por seu turno, a escola tem a obrigação de ministrar aulas e demais atividades didático-pedagógicas inerentes ao curso; o locador tem a obrigação de entregar a coisa locada ao locatário, e este a obrigação de pagar o aluguel àquele.
A obrigação sempre conjuga três elementos: o elemento subjetivo: devedor e credor; o elemento objetivo: a prestação propriamente dita; e o elemento espiritual, também chamado de vínculo jurídico, que é a disciplina que une o devedor ao credor e obriga ao cumprimento da prestação avençada, como será abordado logo adiante. Para Orlando Gomes, com muito acerto, a obrigação é uma espécie do gênero dever jurídico.[26] O dever jurídico é muito mais amplo porque também se refere à relação jurídica não patrimonial, como o dever dos cônjuges de mútua assistência, ao passo que a obrigação é sempre uma relação jurídica patrimonial.

RESUMO

1) O Direito das Obrigações está inserido no Livro I, da Parte Especial, do Código Civil, arts. 233 a 965. Contamina os diversos livros do Código Civil, que lhe são posteriores, e é bafejado por inúmeros institutos da Parte Geral, os quais merecem revisão.

2) Conceito de Direito das Obrigações: é o ramo do Direito Civil que conjuga as normas que disciplinam as relações jurídicas patrimoniais, tendo por objeto a prestação de um sujeito em proveito de outro.

3) Acepções de obrigação, dever jurídico, ônus e sujeição
a) Obrigação, no sentido técnico-jurídico, presta-se para significar a regulamentação do vínculo estabelecido entre devedor e credor, seja em virtude da lei ou do contrato, tendo por objeto determinada prestação.
b) Dever jurídico é uma imposição do direito objetivo dirigida a todos indistintamente, a fim de que seja adotado determinado comportamento coerente com a vida em sociedade, sob pena de, violando-o, submeter-se à sanção prescrita. O cumprimento do dever jurídico satisfaz direito subjetivo de outrem.
c) Ônus é um meio de se obter uma vantagem ou, pelo menos, evitar uma desvantagem, tratando-se de um dever livre. Volta-se no resguardo ou defesa de direito próprio. Não gera sanção.
d) Sujeição é a relação jurídica que se caracteriza por uma parte encontrar-se em posição de poder em relação à outra, que assim está em situação de submissão ou sujeição.




CAPÍTULO III
1 Conceito de obrigação. 2 Elementos estruturais das obrigações: subjetivo, objetivo e vínculo jurídico. 3 Fontes das obrigações: imediata e mediatas.


1 CONCEITO DE OBRIGAÇÃO
            Conceituar é tarefa da doutrina, não da lei. Em regra, o legislador somente conceitua quando a enunciação do conceito abstrato torna-se necessária ou conveniente ao conhecimento e aplicação fiel das normas práticas.[27] O conceito de obrigação não foge à regra, é dado pela doutrina.
            O conceito moderno, ainda que mais detalhado, tem o seu ponto de partida nas Institutas, que é a consolidação das leis de Justiniano, a denominada Corpus Juris Civilis do Direito Romano, datada de 529 d. C.,[28] que dispõe: obligatio est juris vinculum quo necessitate adstringimur, alicuius solvendae rei, secundum nostrae civitatis jura, no vernáculo: obrigação é um vínculo jurídico, pelo qual somos constrangidos a pagar a alguém qualquer coisa, segundo as leis da cidade. Esta última frase segundo as leis da cidade está relacionada à situação particular dos romanos, devendo ser arredada do conceito atualizado, que fica assim resumido: obrigação é um vínculo jurídico, pelo qual somos constrangidos a pagar a alguém qualquer coisa.
            Washington de Barros Monteiro, com a lucidez que lhe é peculiar, formula conceito mais explicativo, no entanto não diferente na essência:

É a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.[29]

      Detalhando o conceito.

a) A obrigação é uma relação jurídica.

Relação jurídica é o vínculo existente entre pessoas, em virtude da lei ou do contrato, que cria direitos e deveres. Pressupõe a manifestação da vontade livre de quaisquer vícios, para que opere a sua validade e eficácia. Logo, é toda relação prevista e regulada pelo direito que as pessoas estabelecem na vida em sociedade. Em regra, é instrumento da autonomia privada, isto é, da vontade das partes que se obrigam, disciplinando os seus interesses e criando condições de realizá-los.
            Excluem-se da relação jurídica os deveres alheios ao Direito, como os religiosos, morais, filantrópicos, sociais, dentre outros.

b) A obrigação é de caráter transitório.

            Extraem-se do cancioneiro popular versos que bem se empregam à obrigação: “é nuvem passageira que com o vento se vai, é como cristal bonito que se quebra quando cai”; de fato, a obrigação é passageira, efêmera, vinga por certo arco de tempo.
            À obrigação contrapõe-se o pagamento. Celebrada a obrigação entre devedor e credor, com o pagamento ela se extingue, alforriando o devedor e exaurindo o direito do credor. Se a obrigação liga, ata, une; o pagamento desliga, desata, desune.
            No momento da contratação, a obrigação abrolha para o mundo jurídico por determinado prazo, é o transcurso de sua existência jurídica para, por fim, extinguir-se normalmente pelo pagamento: um dar, fazer ou não fazer.
            Segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros o elemento transitoriedade ocorre comumente, mas não de maneira obrigatória, por isso não deve compor o conceito de obrigação, exemplifica com a obrigação de não fazer, assim guardar um segredo.[30]
            A maioria dos civilistas discorda. Washington de Barros Monteiro elucida que mesmo quando a obrigação incida em atos contínuos, outros prolongados, cuja persistência fosse indeterminada, como na locação de serviços, sempre haverá um limite de duração.[31]   
            Concebida como um processo, na lição de Couto e Silva,[32] não há como negar a sua transitoriedade, uma vez que o processo não é estático, mas implica em movimento na busca do fim colimado que, atingido, exaure-se.
           

c) A obrigação é uma relação estabelecida entre devedor e credor.

            Devedor e credor serão sempre pessoa natural ou jurídica. Somente as pessoas têm personalidade, somente elas podem exercer direitos e contrair obrigações. Excepcionalmente, admitem-se entes despersonalizados como o espólio, a massa falida, o condomínio.
Toda relação jurídica obrigacional é composta por esse inevitável binômio: devedor e credor. Sem um ou outro não há obrigação. São polos contrapostos, mas não antagônicos: o devedor no polo passivo, o credor no polo ativo. Daí a afirmação de direito relativo, somente as partes se obrigam; surte efeitos apenas entre pessoas determinadas, dado a sua eficácia entre as partes (inter partes). O credor tem de buscar o seu direito em face do devedor.
Essa relatividade, no entanto, não impede que a obrigação possa surtir efeitos jurídicos em relação a terceiro. Terceiro, aqui, é toda pessoa estranha à obrigação, equidistante do devedor e do credor. Exemplo típico é mais uma vez o contrato de seguro de pessoa (CC art. 789), no qual se vislumbram os três personagens já referidos. Os dois primeiros são os contratantes, aqueles que se obrigam: segurado e seguradora; terceiro é o beneficiário, quem receberá a aleatória indenização, conquanto não tenha contratado. Ainda dessa forma no seguro de responsabilidade civil (CC art. 787) em que a seguradora garante o pagamento das perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro, vítima do prejuízo, que nada contratou.
            Possível ainda surtir consequências jurídicas com relação a terceiro pela sucessão hereditária. Se morto o credor, seus herdeiros sucedem-no nos créditos existentes. Se morto o devedor, os herdeiros respondem pelas dívidas, mas com a cláusula do benefício do inventário, não mais do que o quinhão hereditário, isto é, cada herdeiro responde até a quota de bens que recebe na partilha da herança (CC art. 1.792).

d) O objeto da obrigação consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa.

            O objeto da prestação é de natureza pessoal, só obriga a pessoa vinculada na relação obrigacional, impondo-lhe adimplir o prometido, que é, ademais, de caráter econômico, por ser necessário que a prestação positiva dar ou fazer e a negativa não fazer, seja possível de valoração monetária.
            Convém meditar a respeito de que o objeto da prestação tenha sempre caráter econômico, ante a divergência estabelecida por renomados civilistas, não sem razão. Há casos em que o interesse da prestação é meramente moral, mas mesmo assim deve ser suscetível de aferição monetária.
            A patrimonialidade do objeto da prestação assim entendida constitui caráter específico da obrigação, distingue-se de outros deveres jurídicos de natureza diversa, a exemplo do dever de fidelidade entre os cônjuges; dos pais zelarem pela guarda e educação dos filhos; de as partes agirem com lealdade nas relações processuais.
            No contrato de compra e venda (CC art. 481), o vendedor de um bem está interessado na contraprestação em dinheiro, o comprador matuta no valor econômico do bem que está adquirindo. No contrato de trabalho (CLT art. 442), outro exemplo, o empregador visa o benefício econômico do trabalho para sua empresa, o empregado objetiva o salário retribuição. Quem propõe ação de reparação de dano material, por ter sofrido a perda ou deterioração de um bem móvel ou imóvel, pretende a recomposição de seu patrimônio no estado anterior ao dano.
            Não há negar, contudo, que determinados interesses não se revestem, primordialmente, de caráter econômico. No domínio das obrigações negociais é o caso de quem adere como sócio de um clube recreativo; ou adquire um bilhete para assistir um evento cultural; assim ainda o doente que procura assistência médica; também o doador de um bem à pessoa querida; ou quem contrata a confecção de um busto para enaltecer a memória de antepassado. São exemplos que se mostram isentos de preocupação econômica.
No domínio da responsabilidade civil são encontradas diferentes prestações sem valor econômico, como no caso da obrigação de retratação pública pela veiculação de notícia desacertada com a realidade, quando não a compensação de um dano puramente moral.
            Acontece o mesmo na análise de certas obrigações legais, como nos direitos de vizinhança. A obrigação de não imitir interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde de propriedade vicinal tem a animá-la a necessidade de convivência, do respeito ao direito de outrem de não produzir incômodos evitáveis (CC art. 1.277).
Em todas essas relações jurídicas encontram-se obrigações, cujas prestações não se revestem de interesse econômico. Há, sim, interesses de lazer, social, intelectual, cívico ou de resguardo dos direitos da personalidade. No entanto, caso haja descumprimento da prestação obrigacional, poderá o objeto da prestação, mesmo que desprovido de valor econômico propriamente dito, ser representado por indenização pecuniária. É o que importa.
Cai a fiveleta a lição do direito comparado. O Código Civil português preveja regra modelar no art. 398º, 2: “A prestação não necessita ter valor pecuniário, mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal”. Mais específico é o art. 1.174, do Código Civil italiano: “A prestação que constitui objeto da prestação deve ser suscetível de valoração econômica e deve corresponder a um interesse, ainda que não seja patrimonial do credor”.
Acontece o mesmo no Direito das Coisas. Nada impede que o direito de propriedade recaia sobre bens ou coisas de genuíno valor afetivo. O filho que guarda o chapéu usado pelo seu pai, os óculos que foram de sua mãe. Ninguém contesta o seu direito de proprietário sobre essas coisas. Outros exemplos podem ser colacionados: as fotografias de família, cartas e outros documentos. Leonardo Boff em uma de suas obras conta, com adentrada sensibilidade, o fato de a caneca de alumínio que ficava exposta sobre o pote de água, dela se servindo toda família. Ora, perdida ou deteriorada qualquer uma dessas coisas nomeadas, poderá lhe ser atribuída certa importância monetária a título de satisfação, de ressarcimento por dano moral. Portanto, ao afirmar que a patrimonialidade é uma característica inerente às obrigações, está se referindo que a solução obrigacional poderá ser resolvida em perdas e danos, que é uma indenização em dinheiro.[33]

e) O adimplemento da prestação é garantido pelo patrimônio do devedor.
Não adimplida a obrigação, suscita a responsabilidade patrimonial do devedor conforme providencia o art. 391: “Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor”. Regra que admite restrições dissertadas no capítulo seguinte.
            Responsabilidade patrimonial que atua em duas frentes e com funções diversas. A uma, é a própria garantia contra eventual descumprimento da relação jurídica obrigacional. A duas, é o caráter psicológico-coercitivo, pois constrange o devedor a satisfazer voluntariamente a prestação.
            Há de advertir, por fim, que a neutralidade e a assepsia dos conceitos, de um modo geral, nem sempre apresentam a dimensão valorativa dos institutos jurídicos, uma vez que eles devem ser interpretados na consideração dos valores a que se referem.

2 ELEMENTOS DA ESTRUTURA DAS OBRIGAÇÕES
            Do conceito de obrigações são retirados os elementos de sua estrutura.
            a) Elemento subjetivo ou pessoal: duplo sujeito devedor e credor.                               
b) Elemento objetivo ou material: biparte-se em objetivo imediato ou prestação              debitória e objeto mediato ou objeto da prestação.
c) Elemento espiritual ou vínculo jurídico: bifurca-se em débito e responsabilidade.
                                                                                  
a) Elemento Subjetivo ou Pessoal
O elemento subjetivo, também denominado de pessoal, concerne aos sujeitos. Trata-se do sujeito passivo, o devedor, e do sujeito ativo, o credor. Reafirma-se, pode ser pessoa natural ou pessoa jurídica, pois somente as pessoas são capazes de direitos e deveres na ordem civil (CC art. 1º).
            O absolutamente incapaz obriga-se por meio de representação (CC art. 3º), se não representado por seu responsável torna a obrigação nula (CC art. 166, I); o relativamente incapaz por meio de assistência (CC art. 4º), se não assistido por seu responsável torna a obrigação anulável (CC art. 171, I).
            A pessoa jurídica pode ser regular, irregular e de fato. Regular é a que tem o seu ato de constituição inscrito no Registro Público. Se sociedade o seu contrato social na Junta Comercial, se associação o seu estatuo no Cartório de Registro de Imóveis (CC art. 985). Irregular é aquela cujo ato constitutivo não está inscrito no Registro Público, ou está de forma inadequada. Pode ser ainda uma sociedade de fato a que não possui nem mesmo contrato social ou estatuto. A irregular e a de fato compõem a categoria de sociedade em comum (CC art. 986). Assim entende o Enunciado 209, do Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal: “o art. 986 deve ser interpretado em sintonia com os arts. 985 e 1.150, de modo a ser considerada [sociedade] em comum a sociedade que não tenha seu ato constitutivo inscrito no registro próprio ou em desacordo com as normas legais previstas para esse registro (CC art. 1.150), ressalvadas as hipóteses de registros efetuados de boa-fé.” Exemplo da de fato é a comissão de formatura, que contrata com terceiros os eventos relacionados à colação de grau.
          O Código de Processo Civil no art.12, § 2º, é categórico ao dispor que a sociedade sem personalidade jurídica não pode articular em sua defesa irregularidade na sua constituição.
          Também, repita-se, os entes propriamente despersonalizados podem figurar em um dos polos da obrigação.
            Para alguns civilistas, como Scavone Júnior, o devedor é sempre determinado, para Maria Helena Diniz, pode ser determinado ou determinável.[34] Põe o exemplo do art. 1.327 do Código Civil, que é o condomínio por meação de muro ou parede divisória, em que os vicinais respondem proporcionalmente pelas despesas de conservação, mas essa responsabilidade subsiste apenas enquanto eles forem proprietários. Se um dos vizinhos vende o imóvel a obrigação transferirá ao adquirente, que passará a atender a despesa para a sua manutenção. Para a professora da PUC/SP, neste caso, o sujeito passivo não é determinado, mas determinável, porquanto transeunte, variável, porém, em dado momento, individualiza-se, determina-se.
            O sujeito ativo da obrigação é determinado ou determinável e aqui não cabe dissensão. Na compra e venda determina-se, de pronto, quem é o devedor e quem é o credor. Mas na promessa de recompensa, não. Vale a seguinte passagem: uma casa comercial oferece prêmio para o freguês sorteado, enquanto não acontecer o sorteio, o credor do prêmio é determinável, não determinado. Outro exemplo é o cheque ao portador, o credor é qualquer pessoa que o apresenta na boca do caixa para resgate. A indeterminação persevera até o momento do pagamento; o pagamento só é possível a pessoa determinada.
            Em qualquer um dos polos o sujeito pode ser único: um único credor e um único devedor, ou pode ser plural: dois ou mais devedores ou dois ou mais credores. Em caso de pluralidade os codevedores ou cocredores podem ser simples ou solidários. Simples cada um deles responde pela sua quota-parte; solidários cada qual paga ou recebe toda prestação, recebendo ou pagando integralmente, depois recebe ou paga ao outro a sua quota-parte. Esta matéria será dissertada em pormenores na classificação das obrigações, especialmente nas obrigações solidárias.
            Por fim, no estágio atual do Direito, devem ser lembradas as obrigações em que surgem da violação dos direitos difusos, o que leva a falar de titularidade múltipla difusa do crédito. Credora é toda a coletividade, por exemplo, nos casos em que implica a preservação do meio ambiente.

b) Elemento Objetivo ou Material
O elemento objetivo ou material é a prestação propriamente dita, pode ser um dar, fazer, ou não fazer.
            Distingue-se objeto imediato, também rotulado de prestação debitória, e objeto mediato, também denominado de objeto da prestação.
            O objeto imediato é a conduta humana, sempre. Na obrigação de dar a entrega da coisa. Na obrigação de fazer a realização de um ato ou serviço. Na obrigação de não fazer a abstenção ou tolerância de certa conduta que o devedor poderia realizá-la senão tivesse se obrigado. O objeto mediato é desvendado na resposta à seguinte pergunta: dar, fazer ou não fazer o que? Um exemplo para clarificar: na venda de um livro o objeto imediato é a conduta do devedor de entregar o livro ao credor, e o objeto mediato é o próprio livro, o bem da vida. Dar o que? O livro.
            A distinção não é tão nítida nas obrigações de fazer e não fazer, em que a atividade do devedor e o resultado podem ser confundidos. Mas mesmo assim possível distingui-los. Na reparação de uma jóia, o objeto imediato é o serviço do ouvires em consertá-la; o mediato é o resultado prático, a jóia consertada. No caso de não abrir janela a menos de um metro e meio do terreno vicinal (CC art. 1.301), o objeto imediato é a abstenção e o objeto mediato é o resultado prático, preservar a privacidade do vizinho (CF art. 5º, X; CC art. 21).
            O objeto da prestação segue a regra do art. 104 do Código Civil, deve ser lícito, possível, determinado ou determinável.
            Prestação lícita é estar conforme à lei, à ordem pública, à moral e aos bons costumes. Ou seja, toda conduta recepcionada pelo ordenamento jurídico. É ilícita a venda de bens contrabandeados, ou a venda de remédios não autorizados pela ANVISA, ou a exploração de jogos de azar, porque proibidos. Basta verificar, a venda de tabaco é lícita, mas de substância entorpecente não o é; é licita a exploração de um motel, mas de um lupanar não o é. Conclui-se, quando o objeto é ilícito é uma das formas de se torna a obrigação juridicamente impossível.
            A prestação deve ser possível. Distinguem-se a possibilidade física e a jurídica. Possibilidade física é o que está dentro das forças humanas e das forças da natureza. Será sempre impossível qualquer prestação que extrapole essas forças. Os exemplos são inumeráveis, uma prestação que impõe ao devedor prevenir e evitar a incidência de raios ou a formação de furacões. São efeitos da natureza ainda não dominados pelo estágio atual da ciência humana, por isso inevitáveis e irresistíveis. Um terreno nesta cidade é objeto possível, um terreno na lua não o é. Possibilidade jurídica é estar de acordo com o ordenamento jurídico, assim não pode ser objeto da obrigação a herança de pessoa viva (CC art. 426), a venda de bens de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais descendentes e do cônjuge do alienante (CC art. 496). São possíveis, de tal arte, as coisas que estiverem no comércio, ou seja, aqueles suscetíveis de ser negociadas e atenderem os preceitos legais para a sua alienação.
Logo, se o objeto da prestação for impossível física ou juridicamente, a obrigação é nula, mas se parcialmente impossível não a nulifica, de sorte a parte possível pode ser útil ao credor, nada impedindo a formação do vínculo obrigacional. É bom esclarecer que a impossibilidade física ou jurídica jamais se identifica com a mera dificuldade.
Por outro turno, a prestação deve ser determinada ou determinável. A compra e venda de uma casa de morada situada na Rua dos Inconfidentes, número 21, nesta cidade, determina o objeto da prestação, desde a celebração da obrigação. A coisa determinável será indicada ao menos pelo gênero e quantidade, conforme a redação do art. 243 do Código Civil. Se um comerciante varejista compra vinte sacas de arroz de um comerciante atacadista, em cujo armazém mantêm mil sacas em estoque, antes de se fazer a escolha das unidades adquiridas a coisa é incerta, pois não estão separadas àquelas que lhe serão entregues, apenas determinados o gênero (arroz) e a quantidade (cem sacas). Feita a escolha e separadas as sacas, a coisa passa a determinada.
            Álvaro Villaça Azevedo pondera que melhor tivesse dito o legislador espécie e quantidade, considerando que a palavra gênero tem sentido muito amplo. Chegou a sugerir mudança de redação nesse sentido. Se alguém se obrigasse a entregar uma saca de cereal, por não saber qual a sua espécie, a obrigação seria nula pela impossibilidade de cumprimento.
            Washington de Barros Monteiro, Renan Lotufo, Arnaldo Rizzardo opõem-se à alteração, lembrando que o termo gênero é da tradição, assim consagrado desde o Direito Romano, está nas Ordenações do Reino.[35] Aliás, esses renomados civilistas repetem Orosimbo Nonato, para quem a linguagem jurídica nem sempre é parelha com a técnica, o gênero referido no artigo em questão é o próximo não o remoto, que na linguagem técnica significa espécie.

O gênero a que alude a lei [...] é a espécie da linguagem científica e a indeterminação relativa permitida em direito no tocante ao objeto da obrigação exclui o “gênero remoto” para incluir apenas o “gênero próximo”. Este, o gênero próximo (espécie) consiste em uma classe de objetos que oferece caracteres diferenciais – cavalo, trigo, açúcar. Valedia não fora – por intolerável falta de determinação no objeto – a estipulação de entregar animais, gêneros alimentícios, etc (gênero remoto).[36]

            Para as ciências naturais o vocábulo gênero é o comum das espécies, coisas que apresentam características semelhantes, enquanto espécie é o grupo de indivíduos semelhantes. O gênero encerra várias espécies, e a espécie encerra vários indivíduos. Dessa forma, gênero é coleção de espécies, e a espécie é a coleção de indivíduos.
            Washington de Barros Monteiro faz interessante estudo histórico, justificando esse desencontro.

Em linguagem jurídica, porém, desde o direito romano, gênero é o conjunto de seres semelhantes. Esses seres semelhantes, isoladamente considerados, denominam-se espécie. Gênero é assim a reunião de espécies semelhantes: espécie, o corpo certo, a coisa individuada, o objeto determinado. Não há que estranhar essa falta de sintonia entre as ciências naturais e a jurídica. Toda ciência aprecia diferentemente os fenômenos e os define mediante critérios próprios. Todavia, tentando romper com a orientação romana, quis Teixeira de Freitas harmonizar o direito com as ciências naturais; idêntico sentido imprimiu Clóvis [Bevilaqua] ao seu projeto definitivo. Mas, falhou tal tentativa, de modo que, na técnica jurídica, continuam a viger os conceitos tradicionais: gênero é o conjunto de seres semelhantes; esses seres semelhantes, isoladamente considerados, chamam-se espécies.[37]

Oportuno exemplificar, gênero remoto: fruto; gênero próximo ou espécie: laranja; qualidade: lima, baiana, pêra etc., finalmente quantidade. Nos contratos normalmente são especificados o gênero próximo ou a espécie, a qualidade e a quantidade.
            Do que foi dito, se o objeto da prestação for ilícito, impossível ou indeterminado o negócio jurídico será nulo (CC art. 166, inc. II).

c) Elemento Espiritual ou Vínculo Jurídico
Finalmente, a estrutura da obrigação completa-se pelo terceiro elemento, o espiritual, sendo mais empregada a expressão vínculo jurídico. Para Álvaro Villaça Azevedo é elo que une, ata, liga o sujeito ativo ao sujeito passivo, possibilitando ao credor exigir do devedor o cumprimento da prestação. É o elemento imaterial, que retrata a coercibilidade, a jurisdicidade da relação obrigacional.[38] É, assim, “a relação jurídica existente entre credor e devedor”.[39]
No mais das vezes, a obrigação é cumprida espontaneamente, todavia se o devedor não adimplir a prestação, o vínculo jurídico arma o credor do direito de exigi-la, investindo sobre o patrimônio daquele, por meio de ação própria junto ao Poder Judiciário.
            O credor pode exigir a prestação tal qual contratada, é a tutela específica; mas também pode valer-se da tutela genérica representada pelas perdas e danos. Suponha-se que alguém adquira um computador em uma casa comercial que, depois, nega-se a cumprir o contratado entregando o bem. O credor pode recorrer ao Estado-juiz, exigindo que o bem lhe seja entregue como contratado. É a denominada tutela específica. Suponha-se, doutra feita, que a noiva procure a costureira para a confecção de seu vestido de casamento. E o vestido não é confeccionado. Depois do casamento ele perde a utilidade, a credora não tem mais interesse no vestido. Pode, então, resolver a obrigação pela tutela genérica das perdas e danos, isto é, certa quantia em dinheiro para compensar o dano moral por ela sofrido. O objeto mediato da obrigação convola-se em dinheiro.
            O vínculo jurídico é, pois, que garante, em quaisquer das modalidades de obrigação, o seu cumprimento.
            Porém, se o devedor não adimplir a prestação e não tiver patrimônio para responder pela indenização, o crédito permanece íntegro até a prescrição, quando então por falta de garantia real o credor absorve o prejuízo. É o patrimônio do devedor que garante o direito do credor, se o devedor for despido de patrimônio não há como exigir. O credor tem de se resignar no prejuízo. Bem por isso, como será demonstrado, existem obrigações de garantia, para o efetivo resguardo do crédito.
            O vínculo jurídico, resta dizer, desdobra-se em dois momentos o débito e a responsabilidade. O débito é o dever jurídico originário ou primário e a responsabilidade é o dever jurídico sucessivo ou secundário. É a denominada teoria dualista.
            O Código Civil no art. 389 faz essa distinção: não cumprida a obrigação, dever jurídico originário, responde o devedor por perdas e danos, dever jurídico sucessivo. Ad exemplum, determinado bufê foi contratado para uma festa de aniversário, aqui o débito, terá de oferecer a refeição no dia aprazado. Trata-se de prestação de serviços profissionais, dever jurídico originário, em favor do aniversariante que irá receber os seus familiares e amigos. No entanto, o bufê não cumpre a sua obrigação, transgride o dever jurídico que voluntariamente assumiu. Surge, então, por disposição legal outro dever jurídico, portanto sucessivo, compor o prejuízo experimentado pelo aniversariante; aqui a responsabilidade. O dever jurídico sucessivo (responsabilidade) toma o lugar do dever jurídico originário (débito). Serve também de exemplo o caso do vestido de noiva suscitado logo acima.
            Nota-se, o dever jurídico originário nasce pela vontade das partes, enquanto o dever jurídico sucessivo é a resposta do ordenamento jurídico ante o inadimplemento da obrigação.
            Essa teoria dualista surgiu na Alemanha, com a Escola dos Pandectas,[40] sendo da autoria de Alois Brinz. Para ele o débito, que o chama de shuld, é o pagamento espontâneo pela realização da prestação. Compreende o dia em que a obrigação foi concluída até o dia do vencimento, enquanto o credor tem mera expectativa de exigir o seu crédito, podendo adotar apenas medidas preventivas para preservá-lo. Na obrigação de dar é a entrega da coisa, na obrigação de fazer é a prestação do ato ou serviço, na obrigação de não fazer é a abstenção ou tolerância de determinado ato ou fato. Já a responsabilidade, que ele a chama de haftung, inicia-se no dia seguinte ao do vencimento, é o direito do credor de exigir a prestação pela tutela específica ou genérica, qual seja, o pagamento forçado com o socorro do Poder Judiciário. De volta às raízes no Direito Romano são também usadas as expressões debitum e obligatio, correspondendo ao débito e à responsabilidade.
Em resumo, a relação jurídica obrigacional, considerando o vínculo jurídico, apresenta dois momentos bem distintos: se o devedor não pagar a prestação espontaneamente tal qual contratado (dever jurídico originário = débito), surge, em razão desse inadimplemento e como resposta do ordenamento jurídico, o direito de o credor promover ação contra o devedor (dever jurídico sucessivo = responsabilidade).
Posteriormente, os autores alemães Karl Von Amira e Otto Von Gierke demonstraram a existência de débito sem responsabilidade e de responsabilidade sem débito.
            Antes o débito sem responsabilidade. Na dívida de jogo proibido a obrigação é imperfeita, também denominada natural, pois desprovida do momento sucessivo da responsabilidade. É uma obrigação inexigível. Ao credor não pago não é deferido o direito de investir contra o patrimônio do credor (condictio indebiti). Resignar-se-á diante do inadimplemento. Porém, se o devedor pagar espontaneamente é pagamento, com direito de retenção (soluti retentio), isto é, o devedor não poderá pedir a devolução, chamada tecnicamente de repetição do indébito (repetitio indebiti). Outro exemplo são as obrigações prescritas, também desprovidas de responsabilidade, por isso inexigíveis.
            Pode acontecer a responsabilidade sem débito. Alguém ser responsável a pagar o credor embora não seja devedor. Nesse sentido, avolumam-se os exemplos que podem ser extraídos nos casos em que terceiro oferece garantia fidejussória ou real. O fiador é garante do devedor, tem responsabilidade, conquanto não tenha contraído qualquer dívida. De efeito, se o devedor não pagar, terá o garante de fazê-lo. Do mesmo modo, quem contrai hipoteca em garantia de dívida alheia. Está limitado ao valor do bem dado em garantia, porque não tem débito. Tanto que em uma ou na outra situação, o garante tem ação de regresso contra o devedor.
            Convém assinalar, eméritos civilistas propugnam pela teoria clássica ou unitária, ao assegurarem pela desnecessidade do vínculo jurídico desdobrar-se em débito e responsabilidade, por não ter nenhum efeito prático. No direito comparado é o pensamento do lusitano Antunes Varela,[41] e no direito pátrio pontifica Serpa Lopes depois de fazer minuciosa digressão do Direito alemão e italiano.[42]

3 FONTES DAS OBRIGAÇÕES
            Etimologicamente, fonte significa o local onde nasce a água. São os fatos que fazem nascer a obrigação, ou como diz com elegância Sílvio Rodrigues são os atos ou fatos por meio dos quais as obrigações encontram nascedouro.[43]
No Direito Romano clássico, as Institutas de Gaio bipartiram as fontes das obrigações em contractus e delicto.
No Direito Romano pós-classico com Justiniano, no Corpus Juris Civilis quadriplicou-as: em contractus, quasi contractus, delicto e quasi delicto. Leia-se: contrato: negócio jurídico bilateral; quase contrato: negócio jurídico unilateral; delito: ato ilícito doloso; quase delito: ato ilícito culposo.
Pothier acrescentou a lei como quinta fonte. E justifica:

A lei natural é causa, pelo menos mediata, de todas as obrigações: pois, se os contratos, delitos e quase delitos produzem obrigações, é porque a priori a lei natural ordena que cada um cumpra o que promete e repare o dano causado por sua falta... É também essa mesma lei que torna obrigatórios os atos dos quais resulta alguma obrigação, e que, como já notamos, por esse efeito são chamados de quase-contratos. Há obrigações que possuem como causa, única e imediata, a lei. Por exemplo, não é em virtude de algum contrato ou quase-contrato que os filhos, quando tenham condições, estejam obrigados a fornecer alimentos a seus pais quando estes estiverem na indigência; esta obrigação, só a produz a lei natural.[44]

O Código Civil alemão no § 823 e seguintes assinala o negócio jurídico e a lei. O italiano no art. 1.173 indica explicitamente o contrato e o fato ilícito, referindo-se ainda a outros eventos indicados pelo ordenamento. Já para o português no art. 473º são os contratos, negócios unilaterais, gestão de negócios, enriquecimento sem causa e responsabilidade civil.           No Direito pátrio, os Códigos Civis revogado e o atual não sugerem quais seriam as fontes das obrigações.
Na verdade, o estudo das fontes das obrigações perdeu importância na atualidade por representar pouca relevância prática, na medida em que a tendência moderna privilegia o estudo das obrigações considerando a própria natureza que as envolve e não mais as suas origens.[45] Ademais, o estudo das fontes das obrigações traz sensíveis discordâncias entre os civilistas.
Álvaro Villaça Azevedo, Maria Helena Diniz, Silvio de Salvo Venosa, dentre outros, acolhem Pothier ao entenderem que a fonte imediata das obrigações é a vontade do Estado, traduzida na lei.[46] São aquelas obrigações que surgem diretamente do ordenamento jurídico positivo. Segue o Código Civil francês no seu art. 1.370, ao dispor que “certos compromissos [...] resultam [...] exclusivamente da autoridade da lei.” Decorrem da lei a obrigação de o proprietário ou possuidor de um prédio não emitir interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam a propriedade vizinha (CC art. 1.277); a obrigação aos alimentos (CC art. 1.696); a criação de um tributo municipal, estadual ou federal. Justifica Álvaro Villaça Azevedo que a lei é fonte primeira das obrigações, pois ela é fonte imediata da própria Ciência do Direito.[47]
Escutados na lição de Orlando Gomes, Paulo Luiz Netto Lôbo e Fernando Noronha entendem que a lei não pode ser tida como fonte da obrigação, de sorte somente criaria uma obrigação se acompanhada de um fato jurídico.[48] Não carecem argumentos para as duas interpretações, contudo não cabe aprofundar em assunto complexo e de quase nenhum efeito prático.
Impera unanimidade, o contrato é a principal fonte das obrigações. É a vontade das partes que cria obrigações. Quem contrata a prestação de um serviço, tem a animar esse contrato uma obrigação de fazer. Se o contrato é guardar segredo, a obrigação é de não fazer, consiste em uma abstenção. Se for de permuta, a obrigação é de dar, implica na entrega de uma coisa por outra.
As obrigações contratuais são quase sempre sinalagmáticas, as quais se caracterizam pelas partes serem, na mesma obrigação, credora e devedora entre si. Na compra e venda, o comprador é credor da coisa e devedor do preço, o vendedor é credor do preço e devedor da coisa. Na prestação de serviço, quem o presta é devedor do serviço e credor do salário, e a quem o serviço é prestado credor do serviço e devedor do salário. Há prestação e contraprestação ou prestações recíprocas, ainda chamadas de bilaterais; aqui reside a sinalagma.
Existem contratos com obrigações unilaterais, quando a prestação cabe apenas a um dos polos da obrigação, é o caso do comodato, que é o empréstimo gratuito de coisa infungível (CC art. 579). Ainda assim na doação pura e simples, em que o doador entrega gratuitamente uma coisa ao donatário (CC art. 538).
Também é fonte de obrigação a declaração unilateral da vontade na medida em que vincula o comportamento de uma pessoa à sua palavra. Pelo Código Civil revogado estavam inseridos nesta figura os títulos ao portador e a promessa de recompensa. O atual preveja a promessa de recompensa, a gestão de negócios, o pagamento indevido e o enriquecimento sem causa (Título VII, arts. 854 a 886 “Dos atos unilaterais”).
Como exemplo basta se lance rápido olhar para as publicidades. É comum, mormente os grandes magazines oferecerem recompensa para os seus fregueses mediante sorteio. A entrega da recompensa prometida é uma obrigação com toda força que a lei lhe empresta. Decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Indenização – Responsabilidade civil – Inadimplemento de premiação obtida mediante sorteio – Hipótese de promessa de recompensa, vinculando o promitente – Verba devida – Recurso provido – A oferta de prêmios mediante sorteio configura promessa de recompensa, a qual, efetuada publicamente, vincula o promitente.

            Do corpo do acórdão destaca-se o seguinte trecho:

Tal espécie de negócio, entretanto, não é contratual. Trata-se de obrigação que o promitente contrai por ato unilateral de sua vontade, gênero do qual é espécie nominada a figura da “promessa de recompensa”, do Código Civil: feita de público a promessa de benefício, o promitente está vinculado; esta obrigação já por seu próprio ato. O fato de o prêmio ser atribuído por sorteio não desfigura a promessa e a obrigação: para quem preencheu a condição da recompensa, é possível atribuição por sorteio (2ª Câm. de Férias, rel. Des. Walter Moraes, j. 20.8.93, JTJ Lex 150/83).
           
            Com o advento do atual Código Civil, o ato ilícito deve ser substituído pela responsabilidade civil, pois nasce obrigação de indenizar tanto do dano causado pelo ato ilícito absoluto que depende de culpa (responsabilidade civil subjetiva ou com culpa, arts. 186 e 927 caput), como do abuso de direito, ato ilícito que independe de culpa, e até pela exploração de atividade lícita de risco, quando implica em prejuízo a outrem (responsabilidade civil objetiva ou sem culpa, arts. 187 e 927, parágrafo único).
Para ser mais explicativo, destacam-se no ato ilícito duas figuras: o ato ilícito absoluto e o abuso de direito. O ato ilícito absoluto do art. 186 do Código Civil traz a obrigação de indenizar o dano causado a outrem, tendo por substrato a conduta culposa. Assim, o motorista negligente ou imprudente que embate seu veículo na traseira do automóvel que percorre o mesmo trajeto logo à sua frente. A conduta já nasce culposa. Quanto ao abuso de direito o art. 187 do Código Civil dispõe que também comete ato ilícito o titular do direito, que ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. A conduta nasce lícita pelo exercício regular de um direito reconhecido, mas se o exercício desse direito extrapola a normalidade, em razão da abusividade torna-se ilícita. Conjeturar-se o direito de greve que somente pode ser exercido com o propósito de beneficiar os trabalhadores, se o seu intuito desvirtua e causa dano decorre o dever de indenizar, pois se a greve é um exercício regular de direito, o seu desvirtuamento é abuso de direito. É a letra do Enunciado 37 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “A responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.”
            Ademais, quem exerce atividade lícita, mas que implica em risco se produzir dano, é obrigado a indenizar, é dizer, nasce obrigação do ato lícito lesivo (CC art. 927, parágrafo único). Um exemplo esclarece a questão. Suponha-se a prospecção de petróleo em alto mar pela Petrobrás, ato lícito, inclusive a empresa é devidamente autorizada para tanto. Por um fato estranho indeterminado, ou mesmo por um fato irresistível e inevitável da natureza, propicie o rompimento do oleoduto poluindo as águas, com danos ecológicos, a Petrobrás terá de compor o prejuízo, mesmo não tendo praticado ato ilícito.
De todo o expendido, surge certeira sentença romanista: “omnis obligatio vel ex delicto vel  ex contratus”: as obrigações ora nascem por imposição da lei, ora pela vontade das partes.


RESUMO

1 Conceito de obrigação: é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.

2 Elementos da estrutura das obrigações: os considerados essenciais são retirados da própria conceituação de obrigação.
a) Elemento subjetivo ou pessoal são os personagens que encenam a obrigação. De um lado, o devedor quem tem de cumprir a prestação; do outro lado, o credor aquele que tem o direito de exigir e receber essa mesma prestação.
Pode ser a pessoa natural. Se menor absolutamente incapaz deve ser representado, sob pena de nulidade. Se relativamente incapaz deve ser assistido, sob pena de anulação.
A pessoa jurídica pode ser regular, irregular e de fato, tanto as sociedades com finalidade lucrativa, como as associações sem finalidade lucrativa. O art. 12, § 2º, do CPC é categórico ao dispor que a sociedade sem personalidade jurídica não pode arguir em sua defesa a irregularidade na sua constituição. Também os entes despersonalizados podem celebrar obrigações, como a massa falida, o espólio, o condomínio. Ainda os sujeitos da obrigação podem ser determinados ou determináveis, único ou plural, simples ou solidário.
b) Elemento objetivo ou material é a prestação propriamente dita, pode ser um dar, fazer ou não fazer. A prestação deve ser lícita, possível, determinada ou determinável. Distinguem-se o objeto imediato ou prestação debitória, do objeto mediato ou objeto da prestação. O objeto imediato é a conduta do devedor, e o objeto mediato é o bem da vida, desvendado pela resposta a seguinte pergunta: dar, fazer ou não fazer o que?
c) Elemento espiritual ou vínculo jurídico retrata a coercibilidade da relação jurídica obrigacional. Possibilita ao credor exigir o cumprimento da prestação obrigacional. Dá à obrigação a jurisdicidade. Decompõe-se em débito, que é pagamento voluntário tal qual contratado, e a responsabilidade que é o pagamento forçado por meio do Poder Judiciário, é uma indenização em dinheiro. Pode, ademais, existir débito sem responsabilidade como no caso da obrigação prescrita ou responsabilidade sem débito assim o fiador, que é o garante do devedor.

3) Fontes das obrigações: são os fatos que fazem nascer a obrigação. Conforme a teoria dualista as obrigações nascem da lei ou pela vontade das partes.
a) Fonte imediata: a lei imposta pela vontade do Estado. b) Fontes mediatas: o contrato e a declaração unilateral da vontade criam obrigações pela vontade das partes; e a responsabilidade civil de sorte tanto o ato ilícito como o ato lícito causadores de dano podem gerar obrigações.



CAPÍTULO IV
1 Importância da matéria; 2 Distinção entre Direito das Obrigações, Direitos da Personalidade e Direito Reais; 3 Obrigação proper rem.

1 IMPORTÂNCIA DA MATÉRIA

            Ao disciplinar o direito patrimonial em débito e crédito, o Direito das Obrigações se faz presente nas relações corriqueiras do cotidiano, a partir de quando a pessoa exerce tarefas das mais triviais como a compra pela manhã do pão e do leite; tomar o ônibus para se locomover até ao trabalho; ir ao cinema, ao teatro, ao campo de futebol no gozo de lazer. Também se faz presente nas relações mais onerosas, como a aquisição de bens imóveis ou móveis de alto valor; na contratação de serviços dispendiosos como a celebração de contrato de empreitada para a construção de grandes obras, ou na contratação de mão de obra altamente especializada, e demais contratos em geral nominados ou típicos aqueles previstos em lei (CC arts. 481 a 853), bem assim nos contratos regulados por leis especiais ou em microssistemas, podendo destacar dentre outros a Lei das Sociedades Anônimas, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso.
            Ainda nascem obrigações por meio dos contratos inominados ou atípicos, aqueles não previstos em lei porquanto, como será exposto, o direito obrigacional é numeros apertos, as partes podem criar novos contratos no exercício da liberdade contratual. Em todo esse vasto campo de oportunidades basta que a prestação seja pessoal econômica para que nasçam obrigações.
            Então se pode afirmar, o Direito das Obrigações contamina todos os livros do Código Civil, microssistemas e um universo de leis especiais, fornecendo abundantes conceitos e informações, o que leva a considerar a regra segunda a qual as normas de alcance mais amplo devem preceder as demais. Isto significa que, na prática, ao se deparar com um caso concreto, por exemplo, o inadimplemento de um contrato de transporte de pessoas ou de coisas não se deve investigar a solução apenas nas normas relativas à sua disciplina específica (CC arts. 743 e ss.). A solução poderá estar provavelmente nas normas relativas ao adimplemento e extinção das obrigações (CC arts. 304 e ss.), ou no inadimplemento das obrigações (CC arts. 386 e ss.), quando não nos preceitos legais relacionados ao negócio jurídico onde se localizam, entre outras, a condição, termo ou encargo (CC arts. 121 e ss.), e matérias da importância das nulidades e anulabilidades (CC arts. 166 e 171), da prescrição e da decadência (CC arts. 189 e 207).
            Demais disso, a partir do momento em que se domina a Teoria Geral das Obrigações é possível melhor entender os outros setores especializados do Direito Civil, que compõem os livros que lhe são posteriores dentro da Parte Especial.
            De efeito, no Direito das Coisas há uma relação obrigacional causal, antes do registro de bens imóveis (CC art.1.245) e antes da tradição de bens móveis (CC art. 1.267); somente depois se tipificam as hipóteses previstas no art. 1.225 do Código Civil, com a outorga do direito de propriedade. Não bastasse, os arts. 1.419 e 1.510 do Código Civil prevejam que o penhor, a hipoteca e a anticrese são direitos reais que garantem o adimplemento das obrigações; cabe dizer, estas três figuras, inseridas no Direito das Coisas, são também modalidades de obrigações.
            O Direito de família patrimonial, arts. 1.639 e 1.694 a 1.710 do Código Civil, regula o regime de bens e os alimentos entre cônjuges, parentes e sobreviventes, impondo verdadeiras relações obrigacionais ex legis.
            O Direito das Sucessões, ao disciplinar o testamento como negócio jurídico unilateral e gratuito, é fonte de obrigações com eficácia post mortem; assim os arts. 1.923 e seguintes do Código Civil reportam-se à obrigação de cumprir legados instituídos em testamento. Ainda são constituídas obrigações nos arts. 1.997 e seguintes do mesmo diploma que regulamentam o adimplemento das dívidas da herança, que são aquelas deixadas pelo falecido.
            O Código Civil em vigor acrescentou maior importância ao Direito das Obrigações ao unificar as obrigações civis e comerciais, tal qual o Código Civil italiano de 1942. Colocou termo à duplicidade de códigos com sistemas de normas concorrentes entre si, por conseguinte, os contratos civis e comerciais passaram a seguir a mesma disciplina jurídica.
            Na verdade, o Direito Empresarial nasceu para tutelar direitos que não eram devidamente considerados pelo direito obrigacional. Especialmente a partir do final do século XVII, com a ascensão de nova classe social, a dos comerciantes, que exigia a normatização de transações comerciais que facilitassem os negócios e a realização de lucros proporcionados por eles, o que, por si só, justifica o atual Código Civil discipliná-lo no Livro III, da Parte Especial. Persevera, contudo, a sua autonomia por expressa disposição constitucional (art. 22, I). Adverte Miguel Reale que o novo Código Civil não tentou unificar o Direito Privado, mas consolidou e aperfeiçoou o que estava sendo seguido pela doutrina e pela jurisprudência, a unidade do Direito das Obrigações (CC art. 2.045).[49]
            A ideologia liberal, elegendo a máxima: “o contratado é justo”, com a concepção formalista de igualdade, submetia os hipossuficientes a aceitar contratos desequilibrados, com maiores vantagens a uma das partes em detrimento da outra. Surgiu, então, em fins do século XIX, na Alemanha, o delineamento do Direito do Trabalho, que se consolidou a partir da Primeira Guerra Mundial, objetivando dar proteção jurídica à classe social dos trabalhadores assalariados. No Brasil, em 1943, veio a lume o Decreto-lei nº 5.452, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho, dessa forma, as relações do trabalho foram destacadas do contrato de locação de serviços, isto é, do Direito das Obrigações.
            Depois da primeira metade do século passado, o Direito do Consumidor passou a ganhar autonomia, também na defesa de outra classe social considerada mais fraca, cujo núcleo essencial é o contrato celebrado entre fornecedor e consumidor. Portanto as relações obrigacionais, que visam ofertas de serviços e produtos, não passam de obrigações de fazer no caso dos serviços e de dar no caso dos produtos, com disciplina específica em relação à responsabilidade pelos vícios de serviços e produtos, penalizando as cláusulas abusivas. É, assim, um microssistema que também se desdobrou do Direito das Obrigações e ao mesmo tempo do Direito de Empresa.
            Considera-se assim, que o Direito das Obrigações está em diálogo permanente com os Direitos de Empresa, do Trabalho e do Consumidor, pois estão em uma relação de direito comum para direitos especiais, e são aplicáveis aos direitos especiais os princípios gerais e as normas reguladoras do direito comum. Na reflexão do princípio de que a regra especial derroga a geral, tem-se que o Direito das Obrigações é subsidiariamente aplicável a esses ramos do Direito (Empresarial, Trabalhista e Consumerista), pois sempre em que neles existirem lacunas que não possam ser colmatadas com a aplicação analógica, aplicam-se os princípios e as normas reguladoras do Direito das Obrigações.
Mais acentuadamente na atualidade, pois Cláudia Lima Marques, tributando Erik Jayme, trouxe para doutrina e a jurisprudência acolheu, o diálogo das fontes assim chamado pelos juristas ou intercomplementaridade pelos pedagogos, um método de interpretação da nova teoria geral do Direito, em que as diversas leis, sobre um mesmo tema, devem completar-se na busca da melhor justiça. Nesse sentido providencia o art. 7º do Código de Defesa do Consumidor, basta conferir.
            Cuida-se ressaltar ainda, que o Direito das Obrigações exerce ponderável influência em dois ramos do Direito Público: o Direito Administrativo e o Direito Tributário.
            Apesar de suas peculiaridades, o contrato administrativo é regrado pela Teoria Geral das Obrigações. A Administração contratante é uma parte ordinária, despida do fait du prince, da sua soberania, de sorte ligada com o seu cocontratante privado pela convenção resultante do acordo de vontades. O direito aplicável na celebração e execução do contrato administrativo não difere quanto ao fundo daquele aplicado no contrato civil. É a lição de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello ao assegurar que os contratos entre a Administração Pública e os particulares são equiparáveis aos contratos do Direito Privado, ressalvadas as suas peculiaridades.[50]
            O lançamento de um tributo, por sua vez, corresponde à verdadeira obrigação prevista diretamente na lei, que tem por objeto uma prestação pecuniária exigível pela Fazenda Publica como credora e o contribuinte como devedor, respeitada a sua capacidade contributiva.
            Demais disso, leis especiais contêm matéria respeitante ao Direito das Obrigações. Ressalta-se a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que trata dos direitos autorais, especialmente na parte dos direitos patrimoniais do autor, assegurando-lhe utilizar, fruir e dispor de obra literária, artística ou científica. Outra que pode ser citada é a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91). E também a Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76). O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) que deu roupagem nova ao contrato.
            O Código de Processo Civil contém inúmeras disposições sobre obrigações, de maneira particular ao disciplinar as execuções das obrigações de dar, fazer e não fazer, arts. 497, 498, 806 a 823.
Enfim, pode-se imaginar uma pessoa que não necessite conhecer o Direito das Sucessões, basta que não receba herança ou legado. Pode-se imaginar uma pessoa que desconheça grande parte do Direito de Família, por exemplo, aquele que não se casa com relação aos regimes de bens, ainda aquele que não se obriga a prestar alimentos. Ou mesmo imaginar uma pessoa que nunca terá alcance do Direito das Coisas, caso não seja proprietário ou possuidor. Contudo, impossível imaginar alguém que durante sua vida não celebre relações jurídicas obrigacionais, tão vasto o seu âmbito de aplicação se a singela compra de pequeno bem é uma obrigação.
Daí em França, Jacques Flour e Jean-Luc Aubert assegurarem que se pode ser comercialista ou administrativista sem conhecer todo Direito Civil, mas nenhum jurista, qualquer que seja a sua especialidade, pode ignorar o Direito das Obrigações. Na Itália, Polaco adverte que o Direito das Obrigações é “qual planta viçosa que estende as suas raízes a todas as outras zonas do Direito Civil.”[51] Maria Helena Diniz, citando Josserand, observa que o Direito das Obrigações constitui a base não só do Direito Civil, mas de todo Direito, por ser seu arcabouço e substrato, visto que todos os ramos jurídicos funcionam à base de relações obrigacionais.[52]
            São palavras de estimulo ao estudo do Direito das Obrigações.



CAPÍTULO V
1 Distinção entre o Direito das Obrigações e os Direitos da Personalidade e Direitos das Coisas. 2 Direitos das Obrigações e Direitos da Personalidade. 3 Direitos das Obrigações e Direitos das Coisas. 4 Obrigações propter rem. 5 Obrigações com eficácia real.

1 DISTINÇÃO ENTRE O DIREITO DAS OBRIGAÇÕES, DIREITOS DA PERSONALIDADE E OS DIREITOS REAIS.
Oportuno, nesse entretanto, relatar as principais distinções entre os direitos obrigacionais, os direitos da personalidade e os direitos reais.
            O Direito moderno elaborou o conceito de obrigação atendendo à natureza jurídica do direito e ao conteúdo da prestação. Desse modo a seguinte classificação:

1 Direitos pessoais:
1.1 direitos da personalidade;
1.2 direitos obrigacionais.

2 Direitos patrimoniais:
2.1 direitos reais;
2.2 direito obrigacionais.

3 Direitos absolutos:
3.1 direitos da personalidade;
3.2 direitos reais.

4 Direitos relativos:
4.1 direitos obrigacionais.

2 DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DA PERSONALIDADE
            A expressão direitos pessoais designa tanto os direitos da personalidade como o direitos obrigacionais. Contudo, os direitos da personalidade se inserem no grupo dos direitos subjetivos relacionados à tutela dos atributos fundamentais do ser humano, enquanto o Direito das Obrigações dispõe sobre as relações jurídicas patrimoniais.
            Os direitos da personalidade visam resguardar a pessoa de lesões que possam macular os seus elementos internos e essenciais por constituírem categoria própria de direitos segundo a qual a pessoa é considera em si mesma (iura in re ipsa). A pessoa não é considerada em meio às relações com a família (estado familiar), ou com a sociedade (estado civil), ou com a profissão (estado profissional), ou com o Estado (estado político), mas pelo fato de ser pessoa humana. Qualquer pessoa merece o mesmo respeito, desde a pessoa mais virtuosa até a mais venal, pois independe do estado; basta ser pessoa para tê-los e merecer proteção.
            Como Limongi França, filiando-se entre os naturalistas, Carlos Alberto Bittar entende que são direitos comuns da existência, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los, ora na órbita constitucional, ora na orbita da legislação ordinária, existindo antes e independentemente do Direito Positivo, como inerentes à própria pessoa humana, considerada em si e nas suas manifestações.[53]
            Sendo assim, os direitos da personalidade expandem a defesa da pessoa humana:
a)      na sua integridade física: a vida, o próprio corpo vivo ou morto, ou parte dele, o corpo alheio vivo ou morto, os alimentos necessários a sua subsistência.
b)      na sua integridade intelectual: a liberdade de pensamento, a autoria científica, artística e literária;
c)      na sua integridade moral: a honra, a boa fama, a imagem, o nome, a vida privada, a intimidade.
            Em síntese, representam a concretização do princípio constitucional da dignidade humana no Direito Privado, mas ao mesmo tempo precedem ao próprio Direito. Mesmo se a lei não os outorgasse, eles existiriam por si só, dado que pertencem ao homem pelo simples fato de ser pessoa humana.
            Estes direitos têm as seguintes características:
a)      são inatos, pois não dependem da lei para outorgá-los, o que permite identificá-los             como precedentes até ao Estado, acautelando o ser humano desde a sua concepção;
b)      são oponíveis contra todos, uma vez que à pessoa é permitido defender os seus atributos essenciais perante toda comunidade;
c)      são vitalícios, daí a sua imprescritibilidade; acompanham a pessoa em toda a sua trajetória e não se transmitem por sucessão, salvo exceções;
d)     são de relativa disponibilidade, somente em casos excepcionais a lei faculta a sua cessão, como no caso de transplante terapêutico de órgãos ou a licença para o uso da imagem e do nome.
            Por seu turno os direitos obrigacionais podem ser entendidos como se segue:
a)      são relativos, oponíveis àquele que figura no polo contraposto da relação jurídica;
b)      são transmissíveis, porque passíveis de aquisição inter vivos e mortis causa;
c)      são patrimonializados, pois sujeitos à execução se inadimplidos;
d)     são transitórios ou temporários, resolvem pelo adimplemento, ou pela própria prescrição;
e)      são ilimitados, permitindo a criação de novas figuras pela livre convenção das partes.
Nada impede, no entanto, que a expressão patrimonial de um direito da personalidade seja objeto do Direito das Obrigações, assim se uma atriz cede o seu direito de imagem à publicidade de determinado produto, ou mesmo o seu nome para designar um empreendimento.

3 DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES E DIREITOS DAS COISAS
            Os direitos patrimoniais dividem-se em Direitos das Obrigações e Direito das Coisas, também denominados Direitos Reais. Estas categorias remontam a antiga origem, pois Gaio, século II d.C., classificou as ações em reais e obrigacionais, distinção de que, muito tempo depois, serviu-se Savigny para substituir a palavra ações por direitos. Esta classificação estrutural é a base da arquitetura do Código Civil, que dedica o Livro I da Parte Especial ao Direito das Obrigações e o Livro III ao Direito das Coisas. Todavia, vislumbra-se a corrente dos negativistas, negando uma diferença fundamental entre esses dois ramos.
            O principal elemento diferencial está na caracterização do sujeito passivo. O Direito das Obrigações implica na relação entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, determinados ou determináveis, criando a faculdade de o primeiro exigir do segundo uma prestação positiva ou negativa, portanto o credor só pode buscar a prestação junto ao devedor. Constitui-se em um direito relativo, só obriga as partes contratantes. Ao revés, o Direito das Coisas, com um sujeito ativo determinado, proprietário ou possuidor, tem por sujeito passivo a generalidade anônima dos indivíduos, toda coletividade, efetiva-se mediante a imposição de uma abstenção dirigida a todos que a ela devem se subordinar. Constitui-se em um direito absoluto oponível erga omines. Por conseguinte a relação jurídica obrigacional é um vínculo entre pessoas, enquanto no Direito das Coisas subsiste um vínculo jurídico social, de natureza difusa, como lucidamente adverte Roberto Senise Lisboa.[54]
Observa-se que o credor de uma obrigação somente goza de seu direito com a intervenção do devedor, é dizer, não usufrui diretamente de seu direito; ao contrário nos Direitos Reais em que se dá o exercício direto pelo titular do direito sobre o bem da vida, dele podendo usar e gozar, dispor e reivindicar, sem intermediário, diretamente, observados os parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
            Outra distinção é que o Direito das Obrigações é ilimitado, porquanto vinga a autonomia privada, permitindo a criação de novas figuras de lege ferenda, que são os denominados contratos inominados ou atípicos, como já dito aqueles não previstos em lei. É, pois, numerus apertus. Ao contrário dá-se com o Direito das Coisas que, não podendo ser objeto de livre convenção, está limitado nos casos de lege lata, são tipos, exaustivamente, previstos em lei. É, dessa forma, numerus clausus. Estão previa e exaustivamente estabelecidos no art. 1.225 do Código Civil.
            Possível ainda distingui-los quanto à duração, os direitos obrigacionais têm caráter transitório, pois tendem a desaparecer com o cumprimento da obrigação, ao passo que os reais são perpétuos, permanentes, sua tendência é durar indefinidamente.
            Deduz, pois, que o Direito das Coisas tem as seguintes características:
a)      são direitos absolutos, oponíveis erga omines;
b)      são transmissíveis, porque passíveis de transmissão inter vivos e mortis causa;
c)      são patrimonializados, posto que sujeitos à execução se inadimplidos;
d)     são vitalícios, acompanham o seu proprietário enquanto deles não dispor;
e)      são limitados, previamente previstos em lei.
Como no caso dos direitos da personalidade, pode um direito real gerar outro obrigacional, como no condomínio em que cada condômino é obrigado a uma prestação para conservação das áreas de uso comum, ou o proprietário de imóvel obrigado ao pagamento do imposto correspondente, o que equivale a uma espécie de obrigação hibrida, que passa a ser considerada. São as obrigações denominadas propter rem.
           
4 OBRIGAÇÃO PROPTER REM
Apesar das dessemelhanças persiste uma zona de crise ou fronteiriça entre esses dois ramos do direito patrimonial, é o que se denomina de obrigação propter rem, uma categoria intermediária ou figura híbrida, constituindo na aparência um misto de obrigação e direitos reais.
A expressão latina propter rem significa em razão da coisa, sendo assim essa  modalidade de obrigação manifesta-se quando alguém, possuidor ou proprietário de um bem, é constrangido a atender certa prestação obrigacional. Em outras palavras, determinada pessoa por estar investido de um direito real deve cumprir uma prestação de direito obrigacional.
São inúmeros os exemplos, a começar pela Súmula 326, do Supremo Tribunal Federal: “é legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a transferência do domínio útil”. Outro exemplo, o art. 17, do Decreto-lei número 25/1937, que impõe ao proprietário de bens incorporados ao patrimônio histórico e artístico nacional de não destruí-los ou de não realizar obras que lhes modifiquem a aparência.
Dois exemplos emblemáticos. Um sobre os direitos de vizinhança. Os arts. 1.277 a 1.313 do Código Civil dispõem que o proprietário ou possuidor de um prédio não pode usá-lo de modo anormal ou perigoso à segurança, ao sossego e à saúde dos vizinhos. O outro é o que se refere ao meio ambiente. O art. 1.228 caput do Código Civil outorga ao proprietário de terreno urbano ou rural ampla faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o direito de reavê-la de quem injustamente a possua ou detenha. Por sua vez, o § 1º impõe limites ao aprontar que a propriedade deve ser exercida em consonância com as suas atividades econômicas e sociais, preservando a flora e a fauna, de acordo com o estabelecido em lei especial. Aliás, este preceito do Código Civil é consectário lógico das disposições constitucionais acerca do meio ambiente, especialmente o inc. VII, do § 1º, do art. 225. Ora, a proibição de uso anormal da propriedade de modo que prejudique vizinhos e a preservação da flora e da fauna são obrigações propter rem impostas em razão da propriedade.
Por conseguinte, na obrigação propter rem quando alguém deixa de ser proprietário da coisa (direito real) não tem mais a obrigação de adimplir a prestação (direito obrigacional). Essa modalidade de obrigação é assim transeunte, também chamada de ambulatorial, passa para o novo proprietário.
            Precisa a ponderação de Orlando Gomes:

Caracterizam-se [as obrigações propter rem] pela origem e transmissibilidade automática. Consideradas em sua origem, verifica-se que provêm da existência de um direito real, impondo-se a um seu titular. Esse cordão umbilical jamais se rompe. Se o direito de que se origina é transmitido, a obrigação o segue, seja qual for o titulo translativo. A transmissão ocorre automaticamente, isto é, sem ser necessária a intenção específica do transmitente. Por sua vez, o adquirente do direito real não pode recusar-se a assumi-la.[55]

            Maria, proprietária de uma unidade condominial, tem a obrigação propter rem de pagar a quota de condomínio. Caso venda o imóvel a Isabel, a obrigação lhe é transmitida independentemente da vontade das partes. Passa, ipso facto, a obrigação de Isabel atender a prestação condominial correspondente.

5 OBRIGAÇÃO COM EFICÁCIA REAL
            A obrigação com eficácia real também se situa no terreno fronteiriço dos direitos obrigacionais e reais e não se confunde com a obrigação propter rem. É quando terceiro adquire, em razão do registro público, direito que gera eficácia erga omines.
            Na Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, Lei de Locação, nos seus artigos 27 a 34 outorga o direito de preferência ao locatário na aquisição do imóvel locado, no caso em que o locador pretenda alienar no curso do contrato de locação. Se o locador aliená-lo a terceiro, sem antes notificar o locador para exercer sua preferência, poderá este, depositando judicialmente o preço tanto por tanto, dentro do prazo decadencial de noventa dias, adquirir o bem, nos termos expressos do art. 33. Disposição a respeito também está no art. 576 do Código Civil, sendo requisito a averbação do contrato de locação, em Títulos de Documentos do domicílio do locador.
             Da mesma forma os arts. 1.417 e 1418 do Código Civil dão preferência ao promitente comprador, mediante promessa de compra e venda em que não se pactuou arrependimento. Alienado o bem a terceiro, desrespeitada a preferência do promitente comprador, está este armado do direito de exigir a escritura definitiva de compra e venda, conforme os termos dispostos no instrumento preliminar e, havendo recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

RESUMO

1 Importância da matéria: as pessoas naturais e jurídicas e mesmo entes despersonalizados celebram obrigações desde as relações mais simples do cotidiano como a compra e venda de pequena coisa até nas relações mais onerosas como a aquisição de bens de alto valor. Bem por isso, o Direito das Obrigações repercute em todos os Livros da Parte Especial do Código Civil, assim no Direito de Empresa, das Coisas, de Família e das Sucessões. Também repercute em outros ramos do Direito, de maneira especial no Direito do Consumidor, Empresarial, Administrativo, Tributário etc. O seu estudo é essencial para o bom entendimento dessas matérias. E tal influência ficou mais acentuada com a unificação parcial do Direito Privado, os contratos.

2 Distinções entre  os direitos obrigacionais,  direitos da personalidade e reais:
a) Direitos da personalidade: a) são inatos; b) oponíveis contra todos; c) vitalícios; d) em regra indisponíveis.
b) Direitos das Coisas: a) são absolutos, oponíveis contra generalidade anônima dos indivíduos; b) objeto incide sobre uma coisa; c) são transmissíveis d) são patrimonializados e) vitalícios; f) são limitados (numeros clausus), somente aqueles previstos em lei.
c) Direitos das Obrigações: a) são relativos oponíveis apenas contra àquele que figura no contraposto da relação jurídica; b) objeto é uma prestação pessoal econômica; c) são transmissíveis; d) são patrimonializados; e) são transitórios; f) são ilimitados (numerus apertus) pela existência de contratos inominados ou atípicos.

3) Obrigações propter rem: figura hibrida, misto de Direito das Coisas e Direito das Obrigações. Manifestam-se quando alguém é proprietário ou possuidor de um bem e, por isso, constrangido a atender uma prestação obrigacional. Por exemplo: o proprietário de um imóvel rural tem a obrigação de preservar a flora e a fauna, ou o condômino tem a obrigação de pagar a taxa de condomínio. É uma modalidade de obrigação transeunte, pois alguém deixa de ser proprietário da coisa (direito real), não tem mais a obrigação adimplir a prestação (direito obrigacional), que passa para o novo proprietário.

4) Obrigações com eficácia real: também figura hibrida,  que outorga preferência a determinada pessoa, sobre um bem, em razão do registro público, o que as distinguem das obrigações propter rem. O locatário tem o direito de preferência em caso de venda do bem locado, ou o adquirente de um imóvel, também tem preferência o promitente comprador, mediante a promessa de compra e venda que não se pactuou arrependimento.


CAPÍTULO VI
                                                           Princípios Gerais do Direito das Obrigações
1 Exato adimplemento; 2 Autonomia privada. 3 Função social; 4 Boa-fé objetiva. 5 Responsabilidade patrimonial.

1 PRINCÍPIO DO EXATO ADIMPLEMENTO
              Dispõe o art. 313 do Código Civil: “O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.”[56] De sua leitura isonômica segue que a regra tem consequência tripartida. A uma, consiste na garantia de se atender a justa expectativa do credor em receber o seu crédito. A duas, é uma conduta de moderação do próprio credor, que não poderá exigir algo diferente do contratado, tampouco exacerbar o débito. A três, a obrigação deve ser cumprida no tempo, lugar e modo previamente contratados (CC art. 394, última parte). Isto é, o devedor deve oferecer ao credor a prestação obrigacional convencionada, é a milenar parêmia pacta sunt servanda: o contrato deve ser cumprido.
              Nota-se, o devedor compromete parte de sua liberdade, uma vez que passa a ter o dever jurídico de compatibilizar a sua conduta ao adimplemento da prestação a que se obrigou. Não pode ter o mesmo comportamento de antes, deve pautar doravante os parâmetros exigidos à obtenção do adimplemento. Se a dívida é em dinheiro e o rendimento do devedor permanece o mesmo, deverá abdicar-se de despesas. É o que se aguarda por parte de quem pretende resgatar a palavra empenhada, o homem honesto. Conjetura a boa-fé objetiva, a conduta acertada com o fato.
              Por sua vez, o art. 314 do Código Civil estabelece, como regra geral, o impedimento de o devedor efetuar o pagamento parcelado se assim não se ajustou, vale afirmar, se o convencionado foi o pagamento de uma só vez, dessa forma deverá ser feito, não cabe a pretensão de pagar por partes, o que será tratado mais minuciosamente quando da forma de pagamento, pois existe nuanças previstas na lei processual.
              Atenta-se também que devedor e credor podem acordar em pagar e receber prestação diversa do pactuado, se assim for de conveniência recíproca, é a chamada figura da dação em pagamento (CC art. 356), que também será motivo de abordagem adiante. O que a lei não recepciona é a pretensão unilateral de mudança da forma de pagamento, pois as partes são tratadas paritariamente. Qualquer alteração da obrigação adrede contratada há de ter o consenso das partes.
              O exato adimplemento conduz ainda a outra conclusão: o direito de o devedor se alforriar da obrigação pelo pagamento. O credor não pode dificultar esse direito do devedor. Tanto que o art. 334 do Código Civil preveja o pagamento em consignação. O extinto 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo decidiu:

Transparecendo, pelo comportamento do credor, sua injusta recusa em receber seu crédito, legitimado está o devedor em promover a sua consignação judicial, nos termos do art. 890 do Código de Processo Civil [art. 539 do novo CPC] (ap. 746.668-00/4, j. 3.09.2002, rel. Juiz Paulo Ayrosa).

              A consignação é o depósito judicial em estabelecimento bancário da prestação, ante a recusa injusta do credor em recebê-la.
              Pela digressão deflui, que o pagamento é direito do credor em receber o que lhe é devido, o seu crédito. A relação jurídica obrigacional como processo caminha para esse desate, sua finalidade primária, o cumprimento do débito com o respectivo recebimento do crédito conforme o exato modo acordado pelas partes. E, ao mesmo tempo, é direito do devedor, para que possa honrar o compromisso assumido e recuperar parte de sua liberdade econômica comprometida.

2 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA
              O vocábulo autonomia deriva do grego, auto significa próprio, em si mesmo, enquanto nomos designa regra; autonomia é, assim, o poder de estabelecer normas próprias. É o escólio de Rosa Maria de Andrade Nery ao afirmar que a autonomia privada é princípio específico de Direito Privado e está ligado “à ideia de poder o sujeito de Direito criar normas jurídicas particulares que regerão seus atos”.[57]
              De efeito, o Direito Objetivo, com suas regras gerais abstratas que se aplicam indistintamente a todas as pessoas, permite que elas estabeleçam entre si a forma que devem agir, emprestando força especial a esse acordo. E dentro desse enfoque, a autonomia privada revela o valor da liberdade individual, possibilitando que os obrigados exteriorizem conforme a sua vontade o teor do contrato e como viabilizar a sua execução. É um postulado democrático, por isso mesmo inarredável do negócio jurídico.
              Esse princípio, todavia, foi energicamente modificado no trepidar do tempo, merecendo ajuste na sua concepção.
              No Estado Liberal era vedado ao Poder Público interferir nas atividades jurídicas dos particulares. A livre expressão da vontade humana, como criadora exclusiva de direito, não podia sofrer intervenção autoritária destinada a limitá-la.
              Ao Direito não cabia compelir ou impedir alguém de contratar, nem com quem contratar, nem o que contratar. Predominava a doutrina do laissez faire laissez passer, a lógica do mercado regulava as relações intersubjetivas. Acreditava-se que a mão invisível do mercado, no controle do preço e da livre concorrência, era fonte harmoniosa natural e toda intervenção estatal poderia redundar em falseamento do contrato, lei entre as partes.[58] Era o tempo do individualismo categórico: o contrato é justo, tão apregoado pela Escola dos Pandectas, na Alemanha do século XIX, pugnando pela onipotência da vontade individual, por entendê-la como inexpugnável dogma.
              Kant chegou a afirmar que se alguém decide de alguma coisa a respeito de outro, é sempre possível que se faça alguma injustiça, mas toda injustiça é impossível quando ele decide por si próprio.[59] Vigorava a plenitude da incidência do brocardo pacta sunt servanda: o contrato deve ser cumprido; nada justificando a incidência de outro brocardo rebus sic stantibus: desde que as coisas permaneçam como estão. Ou seja, por esta última cláusula nas obrigações em que as partes realizam um negócio mediante pagamento que se projeta no futuro[60], o vínculo obrigacional entende-se subordinado à continuação do estado vigente ao tempo da sua estipulação, permitindo a sua revisão, ou até a sua resolução, em caso de haver desigualdade superveniente por motivos imprevisíveis.
O respeito ao pacta sunt servanda cede passo quando surgem fatos supervenientes, suficientemente fortes para caracterizar a alteração da base em que o negócio foi realizado, que tornem insuportáveis o cumprimento da obrigação para uma das partes. Nessa hipótese, cabe revisão judicial do contrato, ou mesmo sua resolução (STJ, REsp. 73370/AM, 4ª T., j. 21.11.1995, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU 12.2.1996).
             O advento da revolução industrial demonstrou que esse voluntarismo, imposto pelo individualismo liberal-libertário, era forma de exploração do mais forte em detrimento do mais fraco, esvaziando a igualdade de todos que era apenas formal, o que redundava na concentração da riqueza em mãos cada vez mais restritas.
              Georges Ripert contribuiu sobremaneira ao acusar que a doutrina da autonomia da vontade era concomitantemente o reconhecimento e o exagero do poder absoluto do contrato. Entre outras questões levantou as seguintes:
A vontade soberana fazendo leis! Mas quem confere ao homem esta autoridade que é o apanágio da soberania? Permite-lhe a liberdade ligar-se sobre um objeto ou para fim imoral, e o consentimento dum cúmplice ou duma vítima torna, porventura, a imoralidade mais perdoável? Supondo a convenção irrepreensível pelo seu objeto e pelo seu fim, estão as duas partes em pé de igualdade e não será a sua desigualdade justamente daquelas que a lei se deve esforçar por corrigir, sendo como é a mãe da injustiça? Será permitido explorar a fraqueza física e moral do próximo, a necessidade em que ele está de concluir, a perversão temporária da sua inteligência e da sua vontade? Pode o contrato, instrumento da troca de riquezas e dos serviços, servir para a exploração do homem pelo homem, consagrar o enriquecimento injusto dum dos contratantes com prejuízo do outro? Não é necessário, pelo contrário, manter ao mesmo tempo a igualdade das partes contratantes e a das prestações para satisfazer um ideal de justiça que nós encerramos quase sempre numa concepção de igualdade?[61]
              Combatida de todos os lados, a autonomia da vontade encolheu-se para que novas ideias incorporassem ao seu conceito, pois a História do Direito denunciou que nem sempre a liberdade e a igualdade formais garantem o contrato justo, nem a livre e consciente manifestação da vontade das partes ou de uma das partes. Ultrapassado tal mito liberal, no atual contexto de eticidade jurídica mais que proteger a vontade ou consenso das partes, volta-se a atenção para o momento da execução do contrato.
              Consideram-se, hoje, a primazia do social sobre o individual (socialidade), a condenação do acúmulo de riquezas privilegiando a menor parcela da população que, muitas vezes, vale-se do contrato desequilibrado (eticidade). Enfim, restou claro que os negócios jurídicos deixaram de ser de pessoa a pessoa e passaram a ser de pessoas a grandes corporações, crescentemente poderosas com maior poder de impor a sua vontade, desmistificando o absolutismo da consensualidade. Exemplo marcante é o contrato de adesão, em que a liberdade de contratar do aderente está adstrita no recepcionar as cláusulas previamente estabelecidas pela outra parte. Esta espécie de contrato, assegura Josserand, é prevalente nos contratos de transporte, de seguros, dos grandes magazines etc., para concluir: “a técnica da formação do contrato se encontra desse modo gravemente modificada”,[62] ao fazer a comparação com o contrato paritário, no qual as partes discutem as cláusulas e condições em pé de igualdade.
Contrato de adesão. Convênio médico-hospitalar. Liberdade ampla de contratar. Igualdade entre as partes. Inocorrência, Serviço necessário à saúde. Relativa liberdade. Recurso não provido. O princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em pé de igualdade, e que, portanto, são livres de aceitar ou rejeitar os termos do contrato. Mas isso nem sempre é verdadeiro, pois a igualdade que reina no contrato é puramente teórica, e via de regra, enquanto o contratante mais fraco no mais das vezes não pode fugir à necessidade de contratar, o contratante mais forte leva uma sensível vantagem no negócio, pois é ele que dita as condições do ajuste (TJSP, Ac. 232.777-2-São Paulo, rel. Des. Gildo dos Santos, j. 19.5.1994).
              Bem por isso, a autonomia da vontade convola-se em autonomia privada. A autonomia da vontade é entendida por particularizar a ampla liberdade de contratar, outorgando às partes o direito de regular, elas próprias, todas as condições e ajustes, extensão e conteúdo de suas convenções, afastada a intervenção estatal. Já a autonomia privada é entendida como aquela que preserva a liberdade de contratar, entretanto essa liberdade é balizada pelos limites estabelecidos previamente em lei, visando resguardar valores impostos pelos fins econômicos e sociais, pela boa-fé e pelos bons costumes (CC art. 187).
              Pietro Perlingieri sintetiza a questão: “O ato de autonomia privada não é um valor em si; pode sê-lo, e em certos limites, se e enquanto responder a um interesse digno de proteção por parte do ordenamento.”[63]
              Daí que, sendo um postulado do direito de natureza democrática, a autonomia privada persevera como um dos princípios específico do Direito das Obrigações, mas sofre quatro temperamentos em diferentes dispositivos, com o fito de não permitir o desequilíbrio das prestações recíprocas em uma mesma obrigação.
a) Estado de perigo
              O primeiro temperamento é o estado de perigo (CC art. 156). A parte obriga-se de maneira excessivamente onerosa mediante urgente necessidade de salvar-se ou salvar alguém de sua família de iminente dano. Passagem da obra shakespeariana presta-se no exemplificar com a expressão “meu reino por um cavalo”, brado do rei Eduardo III quando derrotado em batalha se viu desmontado sem condição de fuga das mãos inimigas.  Recorrente é o exemplo de alguém que pretenda internar-se ou pessoa de sua família em grave estado de saúde, e o hospital exige para o atendimento emergencial garantia fidejussória, com a emissão de cheque contemplando certa quantia.

Não procede a cobrança de despesas hospitalares e de internação em unidade de terapia intensiva se o contrato de prestação de serviços foi firmado por pessoa abalada emocionalmente, uma vez que a manifestação de vontade ofertada por quem se encontra em estado de perigo não pode ser vinculada ao negócio jurídico (Revista Jurisprudência Mineira 181/189, maioria).
                                                                                                 
              Estão presentes dois elementos, um de ordem subjetiva: a sujeição causada pela urgente necessidade, quando a manifestação da vontade não é livre, e o conhecimento dessa urgência pela outra parte que oportuniza o dolo de aproveitamento, cabe dizer, o aproveitamento de um pelo outro denotando a falta de ética que não pode ser acolhida pelo Direito. E outro de ordem objetiva: pelo vício de vontade dá-se a assunção de obrigação excessivamente onerosa. Portanto, desde a fase da formação do negócio jurídico há a chocante desproporção, (expressão retirada do § 138 do Código Civil alemão), entre as prestações. Por acarretar a ruptura do equilíbrio das prestações, transgride o contrato comutativo, que é aquele de prestações certas, determinadas e equivalentes, isto é, prestações mais ou menos do mesmo valor não em um cálculo necessariamente aritmético, mas que não sejam tão díspares, de desproporção manifesta, induvidosa e exagerada. Nota-se a desproporção entre as prestações acontece no momento da celebração da obrigação, afastado qualquer fato superveniente.
              A consequência é a anulação da obrigação. Poder-se-ia supor que a lei pretendeu impor uma sanção pelo abuso de direito, pois se o serviço tivesse sido prestado ficaria sem remuneração, ou que o prestador do serviço, não se tratando de sanção, devesse ingressar com ação de enriquecimento sem causa para haver o pagamento. No entanto, é mais sensato entender que o serviço, se prestado, devesse ser pago pelo preço praticado no mercado. Bem por isso o Enunciado 148 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “Ao estado de perigo (art. 156) aplica-se, por analogia o disposto no § 2º do art. 157”. Portanto, se a parte favorecida concordar com a redução do proveito, não se decretará a anulação. O enunciado é plenamente razoável, compatibiliza-se com o espírito do Código Civil de conservar o negócio jurídico em caso de revisão contratual, e elege o princípio da operabilidade.
b) Lesão
              O segundo temperamento é o da lesão (CC art. 157) que, como no estado de perigo, acarreta ruptura do equilíbrio das prestações desde a fase de formação do negócio jurídico, e da mesma forma atenta contra o contrato comutativo. A lesão também conjuga dois elementos, o elemento subjetivo intui vício de consentimento “quando uma pessoa obriga-se, sob premente necessidade, a manifestação da vontade não é livre, ou por inexperiência, a manifestação da vontade não é consciente. Premente necessidade e inexperiência que não se presumem, devem ser devidamente provadas.[64] O elemento objetivo diz respeito ao objeto do negócio jurídico, é exatamente o resultado conduzido pelo constrangimento da vontade, como na hipótese de alguém que se obriga “a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. A sua mensuração deve ser “segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico” (CC art. 157, § 1º). Arreda-se, como no estado de perigo, a possibilidade de invocar qualquer fato superveniente.
Lesão. Cessão de direitos hereditários. Engano. Dolo do cessionário. Vício de consentimento. Distinção entre lesão e vício da manifestação da vontade. Prescrição quadrienal. Caso em que os irmãos analfabetos foram induzidos à celebração de negócio jurídico através de maquinações, expedientes astuciosos, engendrados pelo inventariante-cessionário. Manobras insidiosas levaram a engano os irmãos cedentes que não tinham, de qualquer forma, compreensão do valor da coisa. Ocorrência de dolo, vício de consentimento. Trata-se de negócio jurídico anulável, o lapso da prescrição é quadrienal (art. 178, § 9º, inc. V, b, do Código Civil). Recurso Especial não conhecido (STJ, 4ª Turma, rel. Min. Barros Monteiro, DJ 04.02.2002, p. 364).
              Tanto no estado de perigo como na lesão a vítima age em estado de necessidade. A distinção entre ambas está que no primeiro é imprescindível o conhecimento de que a contraparte se obriga em situação de grave perigo, trata-se de um abuso da situação, presente o dolo de aproveitamento, e pode ocasionar dano físico ou pessoal. E no segundo, o estado de premente necessidade ou de inexperiência não é de necessário conhecimento da contraparte, dispensa, embora possa haver, o dolo de aproveitamento; o dano é somente patrimonial.
c) Teoria da imprevisão.
              O terceiro temperamento relaciona-se à teoria da imprevisão prevista no art. 317 do Código Civil que dispõe: “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução”, a seu turno, “poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte”. Ao magistrado não é dado agir de ofício, e sim provocado pela parte, e conclui: “de modo que assegure, quanto possível, o real valor da prestação”, aqui reside a razão ontológica, a mens legis, que contempla a cláusula rebus sic stantibus. Decorre de fato superveniente.
              Os motivos imprevisíveis devem ser interpretados conforme aconselha o Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal no Enunciado 17: “A interpretação da expressão ‘motivos imprevisíveis’, consoante o art. 317 do novo Código Civil, deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis, como também causas previsíveis mas de resultados imprevisíveis.” E não pode ser atribuído à parte prejudicada.
              Em resumo, se um fato posterior à celebração da obrigação torna a prestação de tal forma desproporcional, que uma das partes é colocada em estado de iniqüidade, é possível a sua revisão para restabelecer o equilíbrio.
              Por conseguinte, na teoria da imprevisão incide, invariavelmente, um acontecimento superveniente e imprevisível, diferente do estado de perigo e da lesão que não admitem esse pressuposto, pois nestas, repita-se, a desproporção entre as prestações é verificada na formação do contrato, ou seja, concomitantemente à celebração da obrigação.
d) Onerosidade excessiva
              O quarto temperamento é a resolução do contrato por onerosidade excessiva (CC arts. 478 a 480), que se aplica também nos contratos de trato sucessivo ou diferido, e da mesma forma reporta-se à cláusula rebus sic stantibus. “se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” (CC art. 478). É dizer, em se tratando de contratos comutativos, se houver substancial modificação da conjuntura, em função de fatores externos e incontroláveis pelas partes, que provocam benefício desmedido e imotivado para uma delas e onerosidade descabida para a outra, admite-se a resolução do contrato. E assim é porque se a parte soubesse que a obrigação assumida se tornaria excessiva quando do cumprimento, não a teria contratado. Decorre, a toda evidência, de fato superveniente.
              Decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Os requisitos para caracterização da onerosidade excessiva são: o contrato de execução continuada ou diferida, vantagem extrema de outra parte e acontecimento extraordinário e imprevisível, cabendo ao juiz, nas instâncias ordinárias, e diante do caso concreto, a averiguação da existência de prejuízo que exceda a álea normal do contrato, com consequente resolução do contrato diante do reconhecimento de cláusulas abusivas e excessivamente onerosas para a prestação do devedor (STJ, 4ª T., REsp. 1.034.702-ES, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 15.4.2008, DJ 5.5.2008).
              O acontecimento extraordinário e imprevisível, como na teoria da imprevisão, não pode ser imputado à parte prejudicada, por motivo óbvio. Pois se foi ela a causadora do desequilíbrio não é equânime que se aproveite da própria desídia.
              Às partes é possibilitada a composição consensual, desde que a favorecida modifique equitativamente as condições do contrato (CC art. 479). Além do que, em caso de ação judicial, cabe ao juiz conduzir, sempre que possível, à revisão judicial do contrato e não a sua resolução, em observância ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, assim dispondo os Enunciados 176 e 367 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal.[65]
              Andou bem o legislador no estabelecimento destes dois últimos institutos (teoria da imprevisão e onerosidade excessiva), conjecturando um e outro, pois a teoria da imprevisão preveja a revisão do contrato, corrigindo uma das prestações para guardar equipolência para com a outra, não a resolução, pois esta é própria apenas da onerosidade excessiva. Outra distinção está na oportuna lição de Álvaro Villaça Azevedo ao afirmar que a teoria da imprevisão não se aplica à inflação, conforme já decidira o Supremo Tribunal Federal,[66] mas pode ser aplicada na onerosidade excessiva, quando a inflação dimana, por exemplo, da desvalorização da moeda nacional, como entendeu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
[...] É direito do consumidor a revisão das cláusulas contratuais tornadas excessivamente onerosas por fato superveniente, assim podendo compreender a súbita e inesperada alteração da política monetária e cambial, com elevação do dólar norte-americano, e os reflexos causados no contrato de leasing ajustados com cláusula de variação cambial. Recurso provido. (CPA) Vencido o Des. Nascimento Povoas Vaz. (TJRJ, 18ª Câm., rel. Des. Jorge Luiz Habib, j. 29.2.2000).
              No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça:
[...] O devedor, inadimplente em virtude de onerosidade excessiva, seja por desequilíbrio resultante da desvalorização da moeda ou de critérios para atualização das prestações, pode pleitear a rescisão do contrato. Majoração da retenção, tendo em vista peculiaridades da espécie. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido (STJ, 4ª T, REsp. 508.831-MG, rel. Min. César Asfor Rocha, j. 4.11.2003, DJU 20.3.2006).
              O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que rege as obrigações consumeristas, no inc. V, providência na primeira parte: “a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais”, sugerindo desde o momento em que se conclui a obrigação, refere-se, assim, à lesão. E na segunda parte: “ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem onerosas”, como os fatos são posteriores a sua celebração, sugere a teoria da imprevisão. Duas diferenças com relação ao Código Civil. Primeira, não fala em resolução, mas em modificação de cláusulas; segunda, não exige que os fatos supervenientes sejam imprevisíveis.
              Nota-se, o estado de perigo e a lesão referem-se a fatos contemporâneos à celebração do negócio jurídico, enquanto a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva reportam-se a fatos supervenientes, por conseguintes posteriores à celebração do negócio jurídico, ensejando a incidência da cláusula rebus sic stantibus.
              Enfim, em se tratando de autonomia privada, vale as palavras de Giorgio Del Vecchio, ao enfocar a liberdade de contratar, consignando que essa liberdade deriva, logicamente, do poder que todo indivíduo tem sobre si e é até uma das supremas expressões desse poder; mas é claro, que o seu exercício para ser válido e eficaz, tem como consequência uma restrição do arbítrio individual.[67]
              Em suma, a mais importante restrição à autonomia privada é colocar as partes em patamares diferentes com nítida desproporção entre as prestações, de modo que uma parte prevaleça sobre a outra. Há sempre de se exigir a equipolência entre as prestações, o que já era caro ao Direito Romano desde a Mancipatio, citada na Lei das XII Tábuas (450 a.C.), quando as obrigações assumidas eram pesadas em praça pública, atestando a equivalência das prestações assumidas pelas partes contratantes. Tanto que Celso conceituou o Direito como ius est ars boni et aequi: a arte do bem e da equidade. A quebra dessa equidade não pode prevalecer em nome da Ciência Moral, que bafeja diretamente o Direito.
              A equivalência das prestações é princípio elementar de justiça encontrado até nas comunidades selvagens. No arquipélago das Trobriands, situado a nordeste da Nova Guiné, habitado por tribo selvagem, as transações econômicas de troca de bens e serviços realizadas em parceria permanente, por meio de uma cadeia de presentes e contrapresentes recíprocos, ao longo prazo se equilibram, beneficiando igualmente ambos os lados.[68]
              Além das previsões da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva, exemplo esclarecedor no atual Código Civil é o parágrafo único do art. 944: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.” Suponha-se um acidente de trânsito por culpa levíssima de um dos condutores, pai de família de classe média baixa, que abalroa outro veículo de altíssimo preço, produzindo danos consideráveis. Atender a indenização pela extensão do dano, como propõe a cabeça deste artigo, seria de graves consequências econômicas para toda família, levando-a a dificuldades para suprir até mesmo as necessidades básicas de vida digna.
5 PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL
              Para Fábio Konder Comparato a noção de função representa o poder de dar ao objeto da propriedade determinado destino, de vinculá-lo a certo objetivo, e o adjetivo social conduz a entender que esse objetivo deve atender ao interesse coletivo no sentido de sua harmonização com o interesse individual.[69]
              Mais uma vez volta-se ao diálogo do Código Civil com a Constituição Federal, de sorte a função social, tal qual o princípio da socialidade, plasma-se na Lei Maior, como já afirmado, ao estabelecer no seu prólogo que a República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito colima realizar os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana, do trabalho, da livre iniciativa, da solidariedade e da função social da propriedade, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento social e, para tanto, erradicando a pobreza e a marginalidade pela redução das desigualdades sociais e regionais (arts. 1º e 3º). Valores reafirmados no art. 170, ao tratar da ordem econômica. De efeito, há na doutrina um consenso em torno da conexão entre o princípio constitucional da solidariedade e a função social do contrato.[70]
              Cuida-se entender, impregna ao Direito a função social, sem a qual os valores enunciados não se efetivam. Propicia a ruptura do Estado até então mero observador das relações interpessoais (Estado Liberal) para o Estado intervencionista (Estado do Bem-Estar Social), tendo por objetivo a realização da justiça social garantida pela ordem pública.
              Como toda ruptura exige reconstrução, contribui o Código Civil no art. 421, ao destacar expressamente a função social como motivo e limite para o exercício da liberdade de contratar. Por esse dispositivo, além da função individual clássica do contrato, interessa ao Direito também as interferências provocadas no ambiente social, mormente ao se tratar de contratos massificados, como os de consumo e de adesão. “O contrato não deve ser meio para alcançar o interesse das partes apenas, mas deve ser visto, principalmente, como um instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade”.[71] Nota-se outra conexão, agora com o princípio da socialidade.
              O contrato paritário, é bom repetir, deixou de ser a regra no âmbito negocial, é o contrato de quem adquire um automóvel usado ou loca um imóvel diretamente com o proprietário, também quem adquire mercadorias no pequeno comércio varejista. Hoje prevalece os contratos de consumo e de adesão, até mesmo quando se ajusta uma festa de aniversário, dado que o pequeno prestador de serviço insere-se no ramo empresarial, ainda que seja como microempresa.
              Se não se protege o consumidor e o aderente, se não se elege a função social do contrato, as consequências serão deletérias para a economia nacional, com uns prevalecendo contra os outros, e estes como maioria absoluta.
              Pontifica Fernando Noronha:
O interesse geral, o bem comum, constitui limite à realização dos interesses individuais e subjetivos, do credor. Quem se arroga a condição de credor tem necessariamente um qualquer interesse em que o devedor realize a prestação, mas, evidentemente, o direito não poderá tutelar interesses que porventura sejam fúteis, ou por outra forma estranho ao bem comum. Para além dos interesses do credor e do devedor, estão valores maiores da sociedade, que não podem ser afetados.[72]
              Por conseguinte, o interesse que envolve a obrigação como digno de proteção deve ser voltado para a ótica social e, dessa forma, confirmar a relação jurídica daí decorrente como válida e eficaz.
              Em síntese, função é uso, utilidade; social é o que interessa à sociedade. A função social do contrato determina, pois, que os interesses individuais dos contratantes devam ser usados em consonância com os interesses da sociedade à maneira que estes se façam presentes. Portanto, essa função deve ser entendida como razão e limite para o exercício da liberdade de contratar, no entanto razão e limite que não eliminam a autonomia privada. Segue neste sentido o Enunciado 23 do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Federal: “A função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes interesses metaindividuais ou interesse relativo à dignidade da pessoa humana.”
              De todo o exposto conclui-se, o princípio constitucional da solidariedade, o da socialidade e o da função social do contrato estão no sentido de um dialogo estreito, como que um a reforçar e a completar o outro, dando azo à formação de contratos mais justos e equânimes, para que as partes preservem os seus direitos e interesses, evitando a nefasta pratica de outrora de se levar vantagem em tudo, que o vulto denominou de lei de Gerson, por priorizar o ideal egoístico, forjado no deplorável individualismo de tradição liberal-libertária referido por Norberto Bobbio.
6 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA
              Já consignado que a relação jurídica obrigacional é um processo, não é um esquema estático. E processo sugere movimento, fases uma após outra, concatenadas, dirigidas para um fim colimado, sempre uma prestação de dar, fazer ou não fazer como forma de atingir a sua finalidade primária, que é a satisfação do interesse do credor. Clóvis do Couto e Silva leciona:
Os atos realizados pelo devedor, bem assim como os realizados pelo credor, repercutem no mundo jurídico, nele ingressam e são dispostos e classificados segundo uma ordem, atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direito. Esses atos, evidentemente, tendem a um fim. E é precisamente a finalidade que determina a concepção da obrigação como processo.[73]
              Antes de se obrigar as partes entram em uma fase pré-contratual, são entabuladas tratativas para que cheguem a um acordo. Acordadas as partes, a obrigação é contratada, é a fase da conclusão ou constituição do contrato, momento em que a obrigação nasce para o mundo jurídico. No mais das vezes, a obrigação tem uma vida jurídica, desenvolve-se por determinado arco de tempo, é a fase da execução do contrato. Por fim, extingue-se com o adimplemento, é a fase da extinção do contrato. E ainda, podem perseverar deveres acessórios na fase pós-contratual.
              Acontece, dessa forma, com o contrato de locação, de compra e venda a prazo, de empréstimo, de prestação de serviços etc. Não se loca um bem antes de visitá-lo se imóvel, de examiná-lo se móvel, antes de acertar o aluguel, a forma de pagamento, o prazo de vigência. Locado o bem paga-se o aluguel, até que a locação chega ao seu termo final com a restituição do bem ao proprietário. São as várias fases de um mesmo contrato.
              Em todas as fases incide a regra no art. 422 do Código Civil, embora disponha que os contratantes são obrigados a guardar, “assim na conclusão do contrato, como em sua execução” os princípios da probidade e da boa-fé. No que é criticado pela estreiteza redacional, dado que não consigna as fases pré e pós-contratual.[74]
              É exemplo didático de quando o legislador fala menos do que pretendia, mas lembrando Miguel Reale a lei não é a sua letra, mas o seu espírito. Neste sentido o Enunciado 25 do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”.
              Esse artigo, uma cláusula geral, trata da boa-fé objetiva, que não se confunde com a boa-fé subjetiva, também chamada de concepção psicológica da boa-fé, que é um estado de espírito, a pessoa pratica um ato comissivo ou omissivo convicto de que age conforme a lei. É a crença errônea da existência de um direito ou da validade de um negócio jurídico; uma ignorância desculpável, porquanto ausente o propósito de prejudicar direitos alheios. É a boa-fé presente no Código Civil revogado e ainda no atual quando, por exemplo, refere-se aos efeitos da posse quanto à percepção de frutos (CC art. 1.214), ou na aquisição da propriedade pela usucapião ordinária (CC art. 1.242).
              A boa-fé objetiva, também chamada de concepção ética da boa-fé, é um padrão de conduta social, verdadeira regra de conduta ou arquétipo jurídico, caracterizada por uma atuação de conformidade com a honestidade, a lealdade e a correção, de tal sorte a não baldar a confiança da outra parte consubstanciada nas suas mais legítimas expectativas. É examinada externamente, uma vez que não se deve analisar a convicção de quem atua, o sentimento que o anima (boa-fé subjetiva), mas a conformidade de sua conduta com o caso concreto, harmonizando-se com o que se espera do homem probo na convivência comunitária, sendo, pois, princípio de ordem pública. É a espécie de boa-fé que interessa ao Direito das Obrigações. Conjuga-se com o princípio da eticidade, entre eles há íntima iteração.
              Episódio reiteradamente citado esclarece a questão que diferencia as duas espécies de boa-fé. O popular sambista Zeca Pagodinho rompeu contrato com conhecida marca de bebida e se vinculou a outra empresa concorrente. Em sua defesa o músico alegou desconhecimento do seu compromisso de exclusividade. Apesar da eventual presença da boa-fé subjetiva, estado de espírito ou crença, por obvio, houve flagrante afronta ao princípio da boa-fé objetiva, pois sua conduta foi desajustada com o caso singular, com a realidade negocial.
              Pois bem, distinta a boa-fé objetiva da subjetiva, cumpre dizer que o legislador pátrio inspirou-se no § 242 Código Civil alemão e art. 1.375 do Código Civil italiano. A sua introdução no Direito brasileiro é mérito do Código de Defesa do Consumidor para tornar efetivo o seu art. 4º: “A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção dos interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
              Clovis do Couto e Silva já propugnava a adoção da boa-fé objetiva com a seguinte ensinança, referindo-se ao Código Civil de 1916:
Contudo, a inexistência, no Código Civil, de artigo semelhante ao § 242 do BGB não impede que o princípio tenha vigência em nosso direito das obrigações, pois se trata de proposição jurídica, com significado de regra de conduta. O mandamento de conduta engloba todos os que participam do vínculo obrigacional e estabelece, entre eles, um elo de cooperação, em face do fim objetivo a que visam.

              E logo em seguida completa: “O princípio da boa-fé opera, aqui, significativamente, como mandamento de consideração.”[75] Evidente, de consideração de um contratante para com o outro. As partes devem pautar a conduta reta, leal, de colaboração intersubjetiva no tráfico negocial, de modo a evitar qualquer conduta distante da ética, o que implica também em não lesar a função social do contrato.
              De início, a boa-fé objetiva tem a função interpretativa, é regra de interpretação dos negócios jurídicos, assim dispondo o art. 113: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração.”
              Tem ainda a função integrativa como fonte de deveres anexos, ou seja, devedor e credor devem praticar a boa-fé objetiva não apenas nos deveres principais: o devedor pagar e o credor ter o direito de exigir e receber a prestação. Abrange também os deveres colaterais, ou como denomina com muita propriedade a doutrina portuguesa deveres anexos de conduta, uma vez que essa modalidade de boa-fé há de ser entendida como regra de vida, assim os deveres de as partes atuarem no sentido da transparência que implica na boa informação ou aconselhamento, na cooperação mútua por meio de uma conduta proba por isso leal, no cuidado em abster-se de expedientes desnecessários ou meramente protelatórios etc.
a) Na fase pré-contratual
              Na fase pré-contratual, também chamada de pré-negocial, sobreleva o dever de transparência, consubstanciado na boa informação e no correto aconselhamento. A informação é a apresentação dos fatos como eles são de modo a elucidar a contraparte, para que manifeste o seu consentimento livre de qualquer embaraço. A situação, além de acarretar a lesão, remete ao vício redibitório. Se o alienante conhecia o vício oculto e de má-fé não o informou ao adquirente, restituirá o que recebeu com perdas e danos. Se não o conhecia, tão somente restituirá o valor recebido mais as despesas do contrato, conforme o texto do art. 443 do Código Civil.
              Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro contempla a primeira hipótese, no caso em que o vendedor ocultou, maliciosamente, vazamento de água no imóvel que vendia.
De certo que o inadimplemento contratual, por si só, não contém potencial ofensivo à personalidade do contratante, muito menos o vício redibitório, quando desconhecido por ambas as partes. Não obstante, se a inadimplência ou o vício ocorrem derivados da má-fé, em que se tem praticado pelo réu ato consciente tendente a camuflar situação ou condição do imóvel que se conhecida pelo autor o negócio não seria celebrado, o dano gerado, além dos materiais evidenciados, tem reflexo na personalidade do autor, posto que traído na sua confiança [dano moral] (TJRJ, 3ª Câm. Cível, rel. Des. Ronaldo Rocha Passos, j. 18.4.2003, RJ 310/104)
              A teoria do vício redibitório conduz igualmente à cautela que as partes devem guardar, procurando cada contratante, de si mesmo, as informações notórias, o chamado cuidado objetivo, diligência indispensável de modo que sendo o vício de fácil constatação presume-se que houve desídia do adquirente quando da constituição do contrato.

Responsabilidade civil – Compra e venda – Ação indenizatória – Reparação de danos – Aquisição de imóveis que, após um ano da celebração do negócio, foi invadido por enchente – Comprador que alega ausência de boa-fé objetiva do vendedor, ao ocultar o fato de a área em que localizado o bem estar sujeita a inundação – Inadmissibilidade – Casa adquirida que ostentava obras destinadas à contenção de água de chuva – Fato que deveria ter despertado a atenção do adquirente – Verba indevida. Ementa Oficial: [...] Casa cercada por soleiras de concreto, que deveriam ter despertado a atenção do adquirente. Fato comum nas residências situadas nesta rua, quando as chuvas são muito fortes (TJRJ, 7ª Câm. Cív., j. 21.5.2008, rel. Des. Carlos C. Lavigne de Lemos, RT  876/345).
             
              Ora, o adquirente negligente que posteriormente invoca o vício, incide no abuso de direito, pauta o venire contra factum proprium na medida em que o exercício desse direito reclamado é incompatível com a sua conduta originária.[76]
              O Código de Defesa do Consumidor foi o que mais evoluiu nesse tema. Tanto que no art. 31 assegura ao consumidor informações corretas, claras e precisas, ostensivas e em língua portuguesa, além do preço, garantia, prazo de validade e a origem, de modo inclusivo esclarecimentos sobre o risco que o produto apresenta à saúde e à segurança.
              A atualidade caracteriza-se pela oferta de uma gama infindável de produtos e serviços. Alguns simples, como a compra e venda de uma peça de roupa, ou o preparo de um jardim da casa de morada, outros de requintado conhecimento técnico, como a aquisição ou o conserto de um computador ou mesmo de um automóvel. Aqui o adquirente, em regra, não possui conhecimento específico do produto ou do serviço, ele esta deslocado do ambiente que lhe é próprio. Outras vezes, a compra e venda acontece pela internet, em que o produto não se apresenta concretamente, o objeto da prestação é intangível, o consumidor não pode observá-lo, manipulá-lo, dificultando o seu conhecimento. Na verdade, o objeto da prestação é a própria informação. Sendo assim, cumpre considerar que nas atividades tecnológicas e no espaço virtual, o que consubstancia uma situação de maior vulnerabilidade do consumidor, surge a informação com toda a força que lhe empresta a teoria dos deveres acessórios de conduta, ganhando relevo muito mais significativo.
              Outro aspecto da informação merece meditação. Várias empresas de produtos alimentícios aumentaram dissimuladamente o preço de seus produtos, utilizando expediente que frustrava o dever de informar. Esses produtos antes continham certa quantidade, por exemplo, trezentos gramas e passaram a duzentos e cinquenta gramas com identificação em letras miúdas, de modo que os consumidores pouco distinguiam, pois mantida a mesma embalagem com a mesma apresentação.
              Toda mudança que acarreta aumento de preço, ou que se relaciona à qualidade e quantidade, composição do produto e afins, deve ser destacada para que possa ser percebida claramente. Assim determina a informação suficiente, aquela que pode ser constatada à primeira vista. Já ultrapassada a fase em que era comum a omissão, a precariedade ou a ausência de informações relativamente a dados que elucidassem o conhecimento do produto ou do serviço ofertados. Aliás, a ausência de informação suficiente era, no mais das vezes, propositada.
              Foi o acontecido com a indústria tabagista, destacando advertências acerca dos danos à saúde, bem ainda editando leis que proíbem o fumo em lugares fechados. É o que não acontece com a indústria de bebidas alcoólicas, em que sobreleva o poder econômico em detrimento do interesse social, pois a leve advertência na sua publicidade não condiz com as consequências desagradáveis de seu uso frequente. Mormente as consequências nefastas quando essa espécie de bebida é associada à direção de veículos, conforme demonstram de maneira irrefragável as estatísticas. Tanto assim, as edições da Lei nº 11.705 e Decretos nºs 6.488 e 6.489, todos de 19 de julho de 2008, dispondo sobre restrições à comercialização de bebidas alcoólicas. Todavia, se permite a publicidade exagerada de cerveja com mensagens subrreptícias de alto teor psicológico, colocando-a como ingrediente costumeiro que traz satisfação na conversa despreocupada, na alegria em encontros da juventude, onde jovens saudáveis de corpo atlético aparecem com um frasco nas mãos, fazendo esquecer a barriga proeminente que advém ao consumidor contumaz. Com a palavra o legislador que tem se mostrado omisso.
              O aconselhamento é algo mais. Próprio do técnico, do especialista. O advogado consultado pelo cliente aconselha-o, pois sendo especialista sobre a matéria em apreço deve tecer os argumentos favoráveis e contrários, alertando o cliente dos percalços que poderá enfrentar no curso da demanda. Na mesma esteira segue o médico ao consultar o paciente e propor, por exemplo, uma cirurgia, ou o tratamento com drogas de efeitos colaterais. Nota-se que o aconselhamento é mais que informação.
              Em suma, a omissão de informação ou de aconselhamento constitui o dolo por omissão como providencia o art. 147 do Código Civil: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado.”

b) Fase de conclusão do contrato
              Na fase da conclusão ou constituição do contrato a boa-fé objetiva significa o dever de negociar que limita a liberdade de não contratar, ou seja, a recusa de má-fé em honrar a oferta estampada na fase pré-contratual.
              A empresa Cica, produtora de massa de tomates, como nos anos anteriores, distribuiu gratuitamente aos pequenos agricultores do Rio Grande do Sul sementes de tomates. Feita a colheita negou-se a comprar a produção, alegando já possuir o fruto em quantidade suficiente para a sua demanda. Ante o prejuízo sofrido por não conseguir mercado consumidor, os agricultores ingressaram com ações de perdas e danos, quando alegaram ruptura das negociações e a consequente frustração de suas legítimas expectativas baseadas na confiança da realização do negócio como acontecido nos anos precedentes. As ações foram julgadas procedentes, tendo por fundamento o princípio da boa-fé objetiva (TJRS, apelações 591.027.818; 591.028.725; 591.028.741; 591.028.790).
              O Código Civil português tem modelar dispositivo. No art. 227º providencia: “Quem negocia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”
              Afirma-se com Antunes Varela, o simples início de negociais cria entre as partes os deveres acessórios de probidade e de lealdade, dignos de tutela jurídica. Contudo, por mais censurável que seja a ruptura das negociações nessa fase pré-contratual, não se chega ao extremo de obrigar a celebração do contrato, mas impõe a indenização para cobrir as despesas feitas pela parte prejudicada ante a frustração injustificada do negócio.[77] Solução abraçada pelo ordenamento jurídico pátrio, embora não ostente de forma direta um artigo de lei no mesmo teor.

c) Fase de execução do contrato
              Na fase de execução do contrato enfatiza-se o dever acessório de cooperação entre as partes. O devedor coopera com o credor ao proceder de forma coerente para o adimplemento de sua prestação obrigacional, pautando a probidade exigida em cada caso concreto. Prevalece a máxima pacta sunt servanda; cabe ao devedor envidar os seus esforços a fim de satisfazer o direito do credor no lugar, no tempo e no modo avençados.
              O credor, por sua vez, também deve pautar a probidade, colaborando de maneira especial em não dificultar a execução da prestação obrigacional e não agravar a obrigação do devedor, exigindo mais do que o consentido pela equidade ou pelo senso de justiça. Ensina a respeito Pietro Perlingieri:

A obrigação não se identifica no direito ou nos direitos do credor; ela configura-se cada vez mais como uma relação de cooperação. Isso implica uma mudança radical de perspectiva de leitura da disciplina das obrigações: esta última não deve ser considerada o estatuto credor; a cooperação, e um determinado modo de ser, substitui a subordinação e o credor se torna titular de obrigações genéricas ou específicas de cooperação ao adimplemento do devedor.[78]

              É como dispõe a lição dos tribunais:

O dever de assistência, de cooperação entre os contratantes decorre do princípio da boa-fé e visa à garantia da ética à relação obrigacional, bem como o correto adimplemento da obrigação (TRF – 4ª Região, 4ª T., j. 20.8.2003, rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, RT 819/379).

              Diante desse entendimento a obrigação não pode ser reduzida apenas sob o ponto de vista negativo, aquele que exige de as partes absterem-se de qualquer conduta que coloque em risco ou dificulte o cumprimento do contrato. Seria uma redução incompatível com o seu superior significado. Ela está cometida, também, de uma conotação substantiva, uma parte deve agir de forma a contribuir para com a outra na execução da obrigação. Até porque o seu fundamento maior é o princípio constitucional da solidariedade (CF art. 3º, inc. I). “Tal o entendimento que deve nortear o estudo do Direito das Obrigações, analisando em uma perspectiva dinâmica e funcional, em que avulta a necessidade de cooperação permanente entre os centros de interesse da relação obrigacional, à luz da solidariedade constitucional.”[79]
              Von Tuhr põe a lição: “O credor se constitui também em mora quando se nega a realizar os atos preparatórios que concorram a seu cargo, e sem os quais o devedor não pode cumprir a prestação obrigacional que lhe incumbe”.[80] São exemplos as obrigações de dar coisa incerta e as alternativas no caso em que a escolha couber ao credor; se ele não a fizer o devedor não tem como adimplir a prestação. Igualmente, nas obrigações em que o pagamento deve ser realizado no domicílio do devedor, cumprindo ao credor ir buscá-lo. É o teor do Enunciado 168 do Centro de Estudos Judiciário da Justiça Federal: “O princípio da boa-fé objetiva importa o reconhecimento de um direito a cumprir a favor do titular passivo da obrigação.”
              Portanto, no dever acessório de conduta denominado de cooperação devedor e credor associam-se, um com o outro, para alcançar benefícios recíprocos na repartição de deveres recíprocos. É a ponderação de Luiz Otávio de Oliveira Amaral: “na cooperação, o vetor é o sentimento de solidariedade dos homens.”[81]

d) Fase pós-contratual
              Na fase pós-contratual, segundo a regra geral, a execução do contrato alforria as partes; findo o negócio jurídico as relações dele oriundas extinguem-se. Todavia, em determinadas situações perseveram certos deveres acessórios de conduta entre as partes. É a designada responsabilidade post factum finitum ou simplesmente pós-contratual.
              Os magazines mais sofisticados oferecem produtos da moda feminina, por exemplo, roupas de grife como exclusivas. Divulgam que cada vestido, blusa ou outra peça da vestimenta, é produzida em apenas uma unidade por modelo. Não pode depois oferecer a mesma peça a outros clientes. A literatura jurídica exemplifica, a cantora e atriz Madona adquiriu como única a jóia que usou na festa de seu casamento. Após, o ouvires produziu jóias idênticas e as colocou no mercado. Patente a falta de boa-fé objetiva post factum finitum.
              Antônio Junqueira de Azevedo retira do lusitano Menezes Junqueira três situações, uma delas é a seguinte: o proprietário de um prédio de hotel procurou o melhor e mais barato tipo de carpete. Escolheu a fornecedora que ofereceu o menor preço, mas como a empresa não fazia a colocação, indicou uma pessoa com prática para tanto. Deixou, contudo, de informar que o carpete era de um tipo novo, diferente. O colocador de carpete usou cola inadequada e, semanas depois, todo carpete estava estragado. A fornecedora arguiu que cumpriu o contrato, entregando o carpete adquirido e ainda fez o favor de recomendar o colocador.[82]
              No entanto, pela regra da boa-fé objetiva a fornecedora negligenciou, deveria ao menos ter advertido a propósito do novo tipo de carpete, espécie do dever de informar. O episódio demonstra que a desídia, na fase pré-contratual de informar, conduz a responsabilidade pós-contratual.
              Outro dever acessório de conduta, comum no post factum finitum, é o de manter sigilo sobre alguma coisa ou algum fato que um dos contratantes toma conhecimento da outra parte,  constituindo-se em mais um exemplo do dever negativo: obrigação de não fazer.
              A terceira função da boa-fé objetiva é a de controle como limite ao exercício dos direitos subjetivos, como providencia o art. 187 do Código Civil. Trata-se do abuso de direito, quando se extrapolam os limites impostos pelo fim econômico e social, pela boa-fé e pelos bons costumes. Avultam as figuras do venire contra factum proprium e do tu quoque, podendo acrescentar a aemulatio.
e) Venire contra factum proprium
              Embora já referido vale detalhar. O venire contra factum proprium deita origem no Direito Canônico, que inadmite a adoção de condutas contraditórias. É regra de coerência. Veda que alguém aja em determinado momento de certa maneira para, em momento posterior, agir de forma contrária indo contra o comportamento tomado em primeiro lugar. Imagina-se um contrato de locação em que é proibida a sublocação com a qual, no entanto, o locador consinta tacitamente. Em momento posterior, ele não poderá requer despejo pela violação dessa cláusula. Seria vir contra os seus próprios passos.
Seguro Saúde. Cláusula de limitação de reembolso. Negativa de reembolso integral de despesas com honorários médicos baseada em equação de suposta difícil compreensão. Contrato complementado por manual do usuário e por comportamento concludente das partes, que por não utilizaram do reembolso parcial. Boa-fé objetiva. Venire contra factum proprium. Impossibilidade de conduta contraditória, para fins de questionar suposta complexidade da cláusula somente quando acometida de grave doença, com reembolso que obedeceu os mesmos parâmetros anteriormente aceitos palas partes. Reforma da sentença, levando em conta as circunstâncias do caso concreto (TJSP, 4ª Câm. de Dir. Privado, Apelação nº 0220692-86.2007.8.26.0100, rel. Des. Francisco Loureiro, j. 24.2.2011).
              Neste sentido o Enunciado 362 do Centro de Estudos Judiciário da Justiça Federal: “A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprim) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.” Por conseguinte, a confiança pode ser frustrada por ato comissivo, no caso de se aguardar que determinada conduta será adotada, como por ato omissivo no caso de que nada será feito como no exemplo acima da locação ou de guardar sigilo.[83]
f) Tu quoque
              O tu quoque guarda alusão a celebre frase do imperador romano Júlio Cesar quando distingue seu filho adotivo Marco Bruto, entre os seus algozes, a significar “até você”? Se na execução de um contrato alguém viola uma norma jurídica, não pode posteriormente tentar tirar proveito da situação em seu benefício. É a alegação da própria torpeza, vedada pelo direito: nemo auditur proprium turpitudinem. O art. 1.814, inc. III, do Código Civil é hipótese marcante, se o herdeiro ou legatário, por violência ou meios fraudulentos, inibe ou obsta o autor da herança a dispor livremente de seus bens por ato de última vontade, não poderá, depois, participar da herança. Também quem possui um bem de má-fé, sabe que sua posse é violenta, clandestina ou precária, não tem direito de retenção da importância das benfeitorias necessárias, nem poderá levantar as voluptuárias (CC art. 1.220). Nos dois exemplos a conduta inicial é ilícita, e dela não pode tirar proveito próprio em momento posterior.[84]
              Em contrato de empréstimo bancário, que por ato atribuído à própria instituição não foi informada a condição de funcionário público efetivo, o banco pretendeu modificar a prática de cobrança de juros anteriormente contratada, decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:
Se a condição de ser funcionário público efetivo não esta expressa no convênio e não é informada previamente pelo banco ao contratante, não pode a instituição financeira se beneficiar desta sua omissão para, após fornecer o empréstimo, praticar taxas maiores em virtude da distinção entre efetivos e contratados. Vedação ao tu quoque. A restrição de crédito do devedor, decorrente do desconhecimento contratual pelo próprio credor, que aplica taxas superiores àquelas anteriormente oferecidas, abusa de direito e não encontra arrimo na escusa do exercício regular de um direito. Dano moral existente (TJMG, 11ª Câm., Apelação Cível nº 1.061.07.050484-8/001, rel. Des. Marcelo Rodrigues, j. 21.5.2008).

              Houve, no caso, a violação do dever anexo de informação suficiente, que cabia ao banco, não poderia, pois, em momento posterior valer-se da própria omissão, tirando proveito em seu benefício.

g) Aemulatio
              A aemulatio, no vernáculo emulação, estabelecida desde o Direito Romano, surge sempre que o exercício regular de um direito tem por escopo não a satisfação de uma necessidade de seu titular, como forma de lhe trazer determinada vantagem, mas o firme propósito de causar dano a outrem. É a rivalidade maldosa, a vontade dolosa de prejudicar. O direito processual civil dá o exemplo na litigância de má-fé, consistente do ingresso em juízo sem que haja qualquer fundamento jurídico, apenas com a intenção deliberada de causar prejuízo alheio. No Direito Empresarial a concorrência desleal. No Direito Penal a denunciação caluniosa, que no Direito Civil dá ensanchas à reparação por dano moral.

Responsabilidade civil – Ação de reparação de dano moral. 1 – A representação criminal fundada na alegação de “crime de ameaça”, quando intentada com temeridade, dolo ou má-fé, assim como desprovida de pressupostos legais e fáticos, ao constranger o representado a responder por inquérito policial, posteriormente arquivado por sentença, afigura-se como lesiva ao patrimônio moral e jurídico do representado. II – Ocorrência, na hipótese, de evento danoso, culpa e nexo de causalidade entre a conduta do agente e a ofensa à esfera jurídica e moral da pessoa do representado, a ensejar, por conseguinte, o dever de indenizar [...] (TJCE, 2ª Câm. Cível, rel. Des. José Mauri Moura Rocha, j. 10.11.1999, RJ 268/116).

              A emulação reside exatamente na vontade deliberada de prejudicar o representado por um crime que sabidamente ele não cometeu.
              Pondera-se, entretanto, é direito de qualquer cidadão levar ao conhecimento da autoridade policial a ocorrência de um fato tipificado como crime. A notitia criminis, se destituída de má-fé, não gera lesão na pessoa indicada (RT 818/273). Nem tipifica a emulação.
              Em matéria de prova é bom atentar que toda conduta, nas diversas fases do contrato, é informada, presumivelmente, pela boa-fé. É o brocardo latino: bona fides semper praesumitur, nisi mala adesse probetur, isto e, a boa-fé sempre é presumida, a má-fé deve ser provada; ao contrário do que se possa parecer na atualidade, tão esquecida da Ética, em que, em regra, no cotidiano da vida a pessoa presume a má-fé. E por presunção entende-se a ilação de um fato conhecido para outro desconhecido. Lapidar o art. 1.349 do Código Civil francês ao providenciar: “As presunções são as consequências que a lei ou o magistrado tira de um fato conhecido para um fato desconhecido.”
             
5.5  PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL
            No Direito Romano, amestra José Carlos Moreira Alves, o vínculo existente entre o sujeito passivo e o sujeito ativo era puramente pessoal, que ele o chama de material, pois a pessoa do devedor era submetida à vontade do credor, assim pela manus injectio perdia o status libertatis, chegando à capitis deminutio maxima, por conseguinte o devedor deixava de ser considerado pessoa (personae), tornava-se juridicamente coisa (res). É que o credor tinha a actio in personam contra o devedor, conforme disposto na Lei das XII Tábuas, o corpo do devedor respondia pela dívida. Mais tarde, com a edição da Lex Poetelia Papiria, 326 a.C., passou a ser um vínculo jurídico, ou um vínculo real, que Moreira Alves o chama de imaterial, respondendo pelo débito não mais o corpo do devedor, mas o seu patrimônio.[85]
            O Direito medieval, conservando a concepção obrigacional da época clássica, introduziu no Direito das Obrigações maior teor de espiritualidade, confundindo mesmo com a ideia de pecado a falta de execução da obrigação, que era equiparada à mentira, condenada toda quebra de fé jurada. Pelo amor a palavra empenhada, os teólogos e os canonistas instituíram o respeito aos compromissos, a chamada pacta sunt servanda, que lhe instilaram maior conteúdo de moralidade com a investigação da causa, reforçando a patrimonialidade.[86]
                O Direito moderno não abandonou a noção romanista. O Código Código Civil francês, inspirador das codificações do século XIX e início do século XX, firmou a posição de patrimonialidade das obrigações ao estabelecer no art. 2.093 que os bens do devedor são a garantia de seus credores.
            Hodiernamente persevera a execução real por recair sobre o patrimônio do devedor. Contudo remanesce resquício sobre a execução pessoal apenas em um caso no art. 5º, inc. LXVII, da Constituição Federal, quando da recusa de alimentos,[87] de sorte a alusão ao depositário infiel, por não constar do Pacto de São José da Costa Rica, não mais subsiste depois da Emenda Constitucional 45.
            Como já consignado, preveja o art. 391 do Código Civil: “Pelo adimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.” A interpretação deste dispositivo não deve ser levada no sentido draconiano. Embora a menção de que todos os bens do devedor respondem pelo inadimplemento, na verdade, a lei estabelece limites. A rigor, nem todos os bens são alcançados. Aqui se verifica o diálogo das fontes, o Direito Civil deve ser interpretado em conjunto com o Direito Processual Civil e com a lei especial.
            Não são alcançados os bens descritos no art. 833 do Código de Processo Civil, ainda os bens de família assim considerados pela Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990, bem como aqueles previstos a partir do art. 1.711 do Código Civil, pois um terço do patrimônio líquido pode ser reservado, mediante escritura pública ou testamento, como bem de família, mantida a impenhorabilidade do imóvel que se presta como domicílio familiar.
            Nesse entretanto cumpre transcrever lúcida lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

A humanização da execução se aplica em prol de ambos os parceiros obrigacionais e o ordenamento jurídico não pode, sob o palio da tutela à dignidade do devedor, exagerar na tutela do executado a ponto de frustrar a legítima expectativa de confiança do titular do crédito acerca do adimplemento. O mínimo existencial remete à proteção do necessário à vida digna, jamais à manutenção de um padrão de vida do devedor às expensas do sacrifício da posição jurídica do credor e de suas necessidades econômicas.[88]

            Bem por isso, estes dois civilistas, logo acima da lição transcrita, asseguram que uma interpretação do art. 391 do Código Civil, à luz da hermenêutica constitucional, demanda uma releitura nestes termos: pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor que não alcancem o seu patrimônio mínimo.

CONCEITOS DE PATRIMONIALIDADE DESPATRIMONIALIDADE E REPERSONALIDADE
Pelo exposto, especialmente no apreço dos princípios dissertados, o Direito das Obrigações contemporâneo traz consubstancial mudança. Persiste na ideia de patrimonialidade é o patrimônio do devedor que garante o credor, e inova com a despatrimonialização estabelecendo a sua repersonalização.
            A despatrimonialização deve ser entendida no sentido de que o patrimônio não é o motivo da relação jurídica obrigacional. O vínculo de direito existe por causa das pessoas e dos seus interesses em constituir, modificar ou extinguir direitos, é o que se denomina de repersonalização da relação jurídica obrigacional, que elege a pessoa como motivo primeiro da tutela do Direito das Obrigações. Na lição de Francisco Amaral, não o sujeito abstrato do liberalismo econômico, “mas o homem concreto da sociedade contemporânea, na busca de um humanismo socialmente comprometido”, para completar secundado em Larenz: “restaurar o primado do homem é o primeiro dever de uma teoria geral do direito”.[89]
            É a afirmação de Maria Celina Bodin de Moraes ao dissertar sobre o imperativo categórico de Kant:

Compõe o imperativo categórico a exigência de que o ser humano jamais seja visto, ou usado, como um meio para atingir outras finalidades, mas sempre seja considerado como um fim em si mesmo. Isso significa que todas as normas decorrentes da vontade legisladora dos homens precisam ter como finalidade o homem, a espécie humana como tal.[90]

            A despatrimonialização e a repersonalização representam, de tal arte, mudança de eixo do patrimônio para a pessoa, pois a pessoa é valorizada como o centro do Direito, como sua principal destinatária e não qualquer outro valor que possa substituí-la e superá-la, ou seja, a pessoa é sempre o fim último do Direito.
Considerando essa providencial mudança de paradigma impulsionada por princípios tão nobres, a prestação não pode ser exigida a qualquer custo, dessa maneira o credor deve ser satisfeito sem prejuízo dos direitos da personalidade do devedor, mormente aqueles de natureza constitucional. O credor continua, sim, assegurado no seu legítimo direito de a prestação ser adimplida como contratada, todavia caso exista um confronto entre os direitos da personalidade e os direitos meramente econômicos, prevalecem os primeiros.
Acautela-se o devedor com a necessidade de lhe reservar um patrimônio mínimo, não lhe retirando os bens indispensáveis à manutenção das necessidades primárias do ser humano. Esse juízo de razoabilidade não deixa de desfalcar dentro de certa medida o patrimônio do devedor, dado que a diminuição da condição econômica é natural para quem se propõe pagar os seus débitos, até porque entendimento contrário incentivaria o mau pagador e fragilizaria a confiança nas relações jurídicas. Fica assim prestigiado o direito primordial da obrigação que é o seu cumprimento tal qual convencionado, para atender o direito do credor, sem bulir com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois como leciona Luiz Edson Fachin “não há pecúnia nem patrimônio que mensurem a dignidade, esta sempre é imensurável”.[91]
Esse feliz entendimento de Fachin fundamenta-se na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, que assegura um mínimo existencial para a pessoa humana, de conformidade com a disposição normativa do seu art. 25: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para a alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários.”
Evidente, entre os serviços sociais necessários está incluída a educação, pois a Constituição Federal, no art. 208 dispõe: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita a todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria.”
No direito comparado a tutela de um mínimo existencial está prevista na Lei Fundamental da Alemanha, § 1.1, que estabelece uma proteção efetiva em relação à sobrevivência de pessoa humana, tanto que naquele país passou-se a não admitir que o indivíduo venha a ser despojado de seus bens ou dos recursos necessários a sua existência digna.
No exame de alegação de inconstitucionalidade da penhora sobre pensão em ação de execução, o Tribunal Constitucional de Portugal decidiu: “perante conflito entre o direito do pensionista a receber pensão condigna e o direito do credor, deve o legislador, para tutela do valor supremo da dignidade da pessoa humana, sacrificar o direito do credor na medida do necessário e, se tanto for preciso, totalmente” (Acórdão 349/91).

RESUMO

1) Princípios gerais do Direito das Obrigações: exato adimplemento, autonomia privada, função social, boa-fé objetiva e responsabilidade patrimonial.

a) Princípio do exato adimplemento: a obrigação deve ser cumprida no tempo, no lugar e modo contratados, é a regra: pacta sunt servanda. Assim, o credor não é obrigado a receber prestação diversa da contratada, ainda que mais valiosa, nem pode exigir outra, ainda que menos valiosa. Também é interditado ao devedor pagar em prestações o que foi convencionado pagar de uma só vez. O exato adimplemento é a finalidade primária da obrigação. É, de outro lado, direito do devedor para readquirir sua plena liberdade econômica.

b) Princípio da autonomia privada: é primado do Estado Democrático, por revelar o valor da liberdade individual, possibilitando que os obrigados exteriorizem, conforme a sua vontade, o teor do contrato e como viabilizar a sua execução. Princípio, no entanto, balizado pelo interesse social, que não permite ao mais forte subjugar o mais fraco. Devem prevalecer os limites legais que resguardem os valores impostos pelos fins econômicos e sociais, pela boa-fé e bons costumes. Por isso, sofre os temperamentos do estado de perigo, da lesão, da teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva.

c) Princípio da função social: plasmado na Constituição Federal que constitui o Estado Democrático de Direito, o qual objetiva realizar os valores fundamentais da dignidade da pessoa humana, do trabalho, da livre iniciativa, e da solidariedade, garantindo o desenvolvimento social na erradicação da pobreza e da marginalidade pela redução das desigualdades sociais e regionais. A função é uso, utilidade; social é o que interessa à sociedade. Logo, a função social é entendida como razão e limite para o exercício da liberdade de contratar, sem, contudo, eliminar a autonomia privada. Combate, efetivamente, o individualismo egoístico. O interesse geral, o bem comum, constitui o limite à realização dos interesses individuais e subjetivos.

d) Boa-fé objetiva, também denominada de concepção ética da boa-fé, é padrão de conduta social, caracterizada por uma atuação conforme a honestidade, a lealdade e a correção, de modo a não baldar a confiança da outra parte consubstanciada nas mais legítimas expectativas. Bafeja todas as fases da obrigação, desde a fase pré-contratual até a fase pós-contratual. Nela está ínsito o princípio da eticidade. Na fase pré-contratual manifesta-se na informação e no aconselhamento. Na fase de conclusão do contrato significa o dever de negociar que limita a liberdade de não contratar, a recusa de má-fé de honrar a oferta estampada na fase pré-contratual. Na fase da execução do contrato enfatiza o dever acessório de conduta de cooperação entre as partes, que se obrigam. Na fase pós-contratual diz respeito, também, aos deveres acessórios, são determinadas situações que perduram mesmo depois de adimplida a obrigação, podendo ser uma conduta positiva ou negativa, exigida tanto do devedor como do credor. Nota-se, que a boa-fé objetiva tem três funções: função interpretativa é regra de interpretação dos negócios jurídicos; função integrativa como fonte de deveres acessórios de conduta; e função de controle como limite de exercício dos direitos subjetivos, avultando três figuras: o venire contra factum proprium a inadmissão de condutas contraditórias; o tu quoque que é o valer-se da própria torpeza; e a aemulatio quando do aparente exercício regular de um direito a intenção não é de satisfazer uma necessidade, mas o propósito de causar dano a outrem.

e) Princípio da responsabilidade patrimonial. No Direito Romano primitivo pela manus injectio era a pessoa do devedor, com seu próprio corpo, que respondia pelo inadimplemento da obrigação, podendo ser conduzido a condição de escravo do credor. Pela Lex Poetelia Papira passou a ser o patrimônio do devedor que responde pelo não cumprimento da obrigação, o que persevera até hoje. É a regra do art. 391 do Código Civil, ao preceituar que todos os bens do devedor respondem pelo adimplemento da obrigação, excetuando aqueles dispostos no art. 1.711 do mesmo codex, no art. 833 do Código de Processo Civil, e na Lei 8009, de 29 de março de 1990. No Direito pós-moderno deu-se a despatrimonialização, que deve ser entendida no sentido de que o patrimônio não é o motivo da relação patrimonial. O vínculo de direito existe por causa das pessoas e dos seus interesses em constituir, modificar ou extinguir direitos, é o que se denomina de repersonalização da relação jurídica obrigacional, que elege a pessoa como motivo primordial da tutela do Direito das Obrigações.




[1] A Escola da Exegese revelou significativos estudiosos do Direito, como Demolombe, Troplong, Laurent e Marcadé. O posicionamento fundamental da Escola é o de que o Direito revela-se pelas leis. Portanto, para os seus pensadores a interpretação parte unicamente do direito positivo, desnecessária a utilização de elementos que lhe são extrínsecos, como exposto no texto acima. Foi uma fase de inovações na ciência jurídica, como em matéria de sucessão a supressão do direito de primogenitura, no direito de família a admissão do divórcio em caso de adultério, no direito das coisas a abolição dos direitos feudais ainda remanescentes. Por isso, serviu de modelo para as legislações de diversos países, a começar pela Europa, depois América Latina e em seguida Ásia e África. Ver Henrique Garbellini Carnio et alt., Curso de sociologia jurídica, São Paulo: RT, 2011, p. 89 a 91.
[2] Apud MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos paradigmas do direito civil. Curitiba: Juruá Editora, 2007, p. 63 e 64.
[3] NERY JUNIOR, Nelson et al. Código civil anotado e legislação extravagante, 2 ed. São Paulo: RT, 2003, p. 141.
[4] NERY JUNIOR, Nelson et al, op. cit., p. 143.
[5] LUZZATI, Claudio. La vaghezza delle norme, un’analisi del linguaggio giuridico. Milano: Giuffrè, 1990, p. 321.
[6] Jorge Tosta, arribado em Humberto Theodoro Júnior e Teresa Arruda Alvim Wamber, assinala: “Assim, a atividade do juiz não pode se centrar na sua própria ideologia, na sua própria concepção de vida, nas suas crenças pessoais. Seu dever é, segundo Benjamin Cardoso, ‘conformar aos standards aceitos da comunidade os mores da época.’ E esses parâmetros servem, não para criar, para o caso concreto, normas diferentes da que se encontra abstratamente contida na lei, mas para buscar, dentro do ordenamento jurídico, e graças à técnica interpretativa, a regra aplicável a uma situação concreta.” Para em seguida completar: “na concreção judicial [entenda-se: na interpretação-integrativa e na aplicação] de norma abertas, caracterizadas por termos vagos ou indeterminados e na aplicação de normas de tipo aberto em sentido lato, caracterizadas por juízos de oportunidade, inexiste plena liberdade judicial. O sistema jurídico como um todo contém standards e  Princípios gerais de Direito que orientam esse poder-dever exercido pelo juiz, a fim de encontrar-se o resultado que melhor resolva o conflito submetido à apreciação judicial.” (Manual de interpretação do código civil: as normas do tipo aberto e os poderes do juiz. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.p. 92 e 93).
[7] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: RT, 1999, p. 299.
[8] FARIAS, Cristiano Chaves et al. Direito das obrigações, 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 103.
[9] BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política, tradução de Daniela Beccaccia Versiani, organizador Michelangelo Bovero. Rio de Janeiro: Campos, 2000, p. 381. Este texto distingue com clareza a questão do individualismo, embora sofra a crítica de que a sociedade é mais do que a soma do livre acordo de indivíduos inteligentes.
[10] REALE, Miguel. O projeto do novo código civil: situação após aprovação pelo Senado Federal, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 7. E ainda adverte Miguel Reale: “Quando entrar em vigor o novo Código Civil, a 10 de janeiro de 2003, perceber-se-á logo a diferença entre o código atual, elaborado para um País predominantemente rural, e o que foi projetado para uma sociedade, na qual prevalece o sentido da vida urbana. Haverá uma passagem do individualismo e do formalismo do primeiro para o sentido socializante do segundo, mais atento às mudanças sociais, numa composição equitativa de liberdade e igualdade.” (Sentido do novo Código Civil, disponível em HTTP://www.miguel-reale.com.br/).
[11] MORAES, Maria Celina Bodin. O princípio da solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, p. 178
[12] VILHENA JÚNIOR, Ernani de Menezes. Direitos fundamentais da sociedade. Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público, volume 1. São Paulo: ESMP, 2012, p. 93 e 88 respectivamente.
[13] PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios constitucionais reguladores da administração pública. São Paulo: Atlas, 2000, p. 5.
[14] MAIA, Lauro Augusto Moreira. Novos paradigmas do direito civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 34 e 35. Ainda nesta obra o autor oferece o conceito de dignidade humana: “Pico Della Mirandola teve o mérito de, ainda no século XV, construir uma noção de dignidade humana que não estava centrada em sua fortuna, sua posição social, sua estatura funcional. A dignidade, o Homem a tinha por ser dotado de razão, construtor do seu futuro, como ser que, com liberdade, pode optar entre decisões possíveis e constituir-se num próprio ser divino.”  Ingo Sarlet, na sua obra Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, define dignidade humana: “temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante ou desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” Dissertando sobre a dignidade humana na obrigação, Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald afirmam: “Obrigação e relação obrigacional. Estrutura e função. Autonomia privada, boa-fé e função social. Indivíduo e pessoa. Patrimônio e existência. Solidão e solidariedade. A dignidade da pessoa humana se coloca em todos esses momentos. Em seu perfil ativo, convida os indivíduos isolados ao contrato social e ao entabulamento da obrigação, garantindo condições para o pleno desenvolvimento da liberdade humana. A dignidade, porém, age em outra vertente. O homem se converte em pessoa no mundo solidário das relações obrigacionais. Qualquer sociedade só se afirma em cooperação, traduzida esta pela boa-fé e função social no reino dos negócios jurídicos.” (Direitos das obrigações, 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 8).
[15] MAIA, Lauro Augusto Moreira; Novos paradigmas do direito civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 30
[16] MENDONÇA, Jacy de Souza  et al. Inovações ao novo código civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 25.
[17] REALE, Miguel. O projeto do novo código civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 10.
[18] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, tradução de Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 63.
[19] REALE, Miguel. O projeto do novo código civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 4.
[20] Augusto Teixeira de Freitas foi contratado pelo Governo Imperial para elaborar o Código Civil à nação brasileira, em cumprimento ao disposto na Constituição Imperial de 1824. Daí surgiu a Compilação das Leis Civis, que não foi aproveitada na legislação brasileira, serviu, no entanto, de base para que Vélez Sarsfield elaborasse o Código Civil da Argentina.
[21] FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil: estrutura do projeto e etapas de elaboração, in Revista Jurídica, vol. 292, fevereiro de 2002 – Doutrina Civil, p. 28 a 31.
[22] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v. 2: Teoria geral das obrigações, 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 3 e 4,
[23] GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações. São Paulo: RT, 1967, p. 1 e 2.
[24] VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, vol. I, 10 ed. Coimbra: Almedina, p. 58.
[25] VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, vol. I, 10 ed. Coimbra: Almedina, p. 55, nota 1 de rodapé: “Chama-se direito potestativo (gestaltungsrecht ou Kannretcht, na terminologia dos autores alemães – Zitelmann, Ennecerus, Hellwig e Seckel – que foram os criadores e primeiros defensores do conceito) o poder conferido a determinadas pessoas de introduzirem uma modificação na esfera jurídica de outras pessoas (criando, modificando ou extinguindo direitos), sem a cooperação destas.”
[26] GOMES, Orlando. Obrigações, 17 ed., atual. por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 17 e 18.
[27] NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações: generalidades – espécies, vol. I, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p.63.
[28] Subindo ao trono de Roma, Justiniano nomeou, em 528 d.C., uma comissão de dez notáveis jurisconsultos, sob a presidência de Triboniano, para compilar as constituições imperiais vigentes, daí surgiram as Institutas, logo no ano seguinte (ver José Carlos Moreira Alves, Direito Romano, vol. I, 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 46).
[29] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 4, 32 ed. atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 8.
[30] BARROS, Flávio Augusto Monteiro. Manual de direito civil, v. 2: direito das obrigações e contratos. São Paulo: Método, 2005, p. 29.
[31] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, v. 4, 32 ed. atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 9.
[32] SILVA, Clovis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 71 e sgtes.
[33] Essa conclusão é encontrada na lição de Mário Júlio de Almeida Costa no comento do art. 398º, 2, em confronto com o art. 496º, 1: “[...] em qualquer dos casos, o credor poderia obter a reparação pecuniária dos danos não patrimoniais causados pela inexecução do contrato, contanto que eles, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” (in Direito das obrigações, 7 ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 626). CC português, art. 496º, 1: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
[34] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Obrigações: abordagem didática, 4 ed. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2006, p. 10. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações, 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 32.
[35] FIUZA, Ricardo. O novo Código Civil e as propostas de aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 65.
[36] NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações: generalidades – espécies, 1 ed.,  vol. I, Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 271.
[37] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: 1ª parte, das modalidades de obrigações, dos efeitos das obrigações, 29 ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 81.
[38] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 16.
[39] SENISE LISBOA, Roberto. Manual de direito civil, v. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 41.
[40] Escola dos Pandectas é a versão alemã da Escola da Exegese, que enaltecia a lei e os códigos. Teve à frente os pandectistas do século XIX, a exemplo de Windischeid, Brinz e Glück, partindo das fontes romanas, cultivou a história do Direito Romano e a interpretação dos textos da compilação justiniana, com o fim de aplicá-los como fonte direta do Direito alemão. Os pandectistas desembocaram em um sistema rígido de fetichismo pelos textos e construções sistemática, apregoando o uso do método dedutivo, exigindo a aplicação das leis de acordo com um processo silogístico, cujo argumento consiste em três proposições: premissa maior, premissa menor e conclusão.

[41] VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, 10 ed. Coimbra: Almedina, 2000, vol. I, p. 147 e ss.
[42] LOPES, Miguel Maria de Serpa. Obrigações em geral, 6 ed. rev. e atual. por José Serpa Santa Maria. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995, vol. II, p. 10 e ss.
[43] RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, v. 2, Parte geral das obrigações, 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 8.
[44] POTHIER, Robert Joseph. Tratado das obrigações, tradução de Adrian Sotero De Witt Batista e Douglas Dias Ferreira. Campinas: Sevanda, 2001, p. 116.
[45] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 22.
[46] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 24. DINIZ, Maria Helelena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações, 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 41. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 50.
[47] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civi, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 24.
[48] GOMES, Orlando. Obrigações, 17 ed., atualizada por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 33 e 34. Paulo Luiz Netto Lôbo. Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 46. Fernando Noronha. Direito das obrigações: fundamentos ao direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 343 e 344.
[49] REALE, Miguel. O projeto do novo código civil: situação após a aprovação pelo Senado Federal, 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 5.
[50] MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo, volume 1. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 605.
[51] POLACO, V. Le obbliigazione nel diritto civile italiano. Romana, 1915, p. 19: “quale pianta rigogliosa che estende le sue radice in ogni altra zona del diritto civile”.
[52] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações, 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 5.
[53] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade, 6 ed., atualizada por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 7 a 10.
[54] SENISE LISBOA, Roberto. Manual de direito civil, vol. 2: direito das obrigações e responsabilidade civil, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 25.
[55] GOMES, Orlando. Obrigações, ed. 17, rev. atual. por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 29 e 30.
[56] Este artigo 313 do CC encontra historicamente origem no Digesto 12,1,2,1: debitor aliud por alio, invito creditore solvere nos potest: o devedor não pode dar, contra a vontade do credor, uma coisa por outra.
[57] NERY, Rosa Maria de And0rade. Noções preliminares de direito civil. São Paulo: RT, 2002, p. 116.
[58] LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria geral dos contratos no novo código civil. São Paulo: Método, 2002, p. 2.
[59] Apud RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Brookseller, 2000, p. 54.
[60] Como ver-se-á são as denominadas obrigações de trato sucessivo e diferidas.
[61] RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas: Brookseller, 2000, p. 54 e 55.
[62] JOSSERAND, Louis. Derecho Civil, tomo II do vol. I, rev. e atual. por André Brun, tradução de Santiago Cunchillos y Manterola. Buenos Aires: Bosch y Cia. Editores, 1950, p. 31: “Pertenecen a esta categoría la inmensa mayoría de los contratos de transporte: no se discute el precio de una expedición de mercancías o de un billete de ferrocarril; los contratos de seguro, las compras efectuadas en grandes almacenes que tienen precios fijos, establecidos ne varietur; las diferentes empresas, administraciones de ferrocarriles, compañías de seguros, grandes almacenes están en condiciones de ofertas permanentes e irreductibles al público, al que presentan clisés definitivos:  la técnica de la formación del contrato se encuentra de ese modo gravemente modificada.”
[63] PERLIGIERI, Pietro. Perfis de Direito Civil, 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 279.
[64] Enunciado 290 do Centro de Estudos Judiciário do Conselho da Justiça Federal: “A lesão acarretará a anulação do negócio jurídico quando verificada, na formação deste, a desproporção manifesta entre as prestações assumidas pelas partes, não se presumindo a premente necessidade ou a inexperiência do lesado.”
[65] Enunciado 176: “Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.” Enunciado 367: “Em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modificá-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.”
[66] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil, 11 ed. São Paulo: Atlas, 2008, p 128 e 129: jurisprudência referida: JSTF-Lex 61/132. No mesmo sentido: RT 669/175; 664/127; 659/141; 655/151; 654/157; 635/226; 619/87. Mais recentemente: STJ, 2ª T., REsp. 744.446, rel. Min. Humberto Martins, j. 17.4.08, in  Theotonio Negrão: CC e legislação em vigor, 30 ed. p. 204.
[67] DEL VECCHIO, Giorgio. Princípios gerais do direito, tradução de Fernando de Bragança.  Belo Horizonte: Líder, 2003, p. 51;
[68] BRONISLAW, Malinowski. Crime e costume na sociedade selvagem, 2 ed., tradução de Maria Clara Corrêa Dias. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2008, p. 37.
[69] COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 32.
[70] RENTERÍA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do contrato, in  Princípios do direito civil contemporâneo, Maria Celina Bodin de Morais, coordenadora. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 284.
[71] LÔBO. Paulo Luiz Netto, Código Civil anotado, coordenador Rodrigo da Cunha Pereira. Porto Alegre: Síntese, 2004, p. 197.
[72] NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil, volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27.
[73] SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e Silva. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 10.  Processus, de procedere, tem origem canônica e indica uma série de atos relacionados entre si, condicionados um ao outro e interdependentes.
[74] O Código Civil italiano de 1942 tem dispositivo similar: “Art. 1.337: le parti, nello svolgimento delle trattative e nella formazione del contrato, devono comportarsi secundo buona fede.”
[75] SILVA, Clovis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 30.
[76] ROSENVALD, Nelson. Código Civil comentado, coordenação de Cezar Peluzo. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 335.
[77] VARELA, Antunes. Das obrigações em geral, vol. I, 10 ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 270 e 271.
[78] PERLINGIERI, Pietro. Perfis de direito civil. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 212.
[79] TEPEDINO et alt. Código Civil interpretado conforme a Constituição Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 494.
[80] TUHR, Von. Tratado de las obligaciones, primeira edicion, traduzido do alemão por W. Roces. Madrid: Editorial Réus, tomo II, p. 63, tradução livre do seguinte texto: “El acreedor se contituye tambien en mora cuando se niegue a realizar los atos preparatorios que corran a cargo suyo y sin los cuales el deudor no puede cumplir la prestación que le incumbe.”
[81] AMARAL, Luiz Otávio de Oliveira. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 18.
[82] AZEVEDO, Antônio Junqueira. Estudos e pareceres de direitos privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p.151 e 152.
[83] DUARTE, Ronnie Preuss. Boa-fé, abuso de direito e o novo código civil brasileiro. RT 817, novembro de 2003, p. 72.
[84] Para Antônio Junqueira de Azevedo aplica-se o tu quoque na exceção do contrato não cumprido (Estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 169). É este entendimento de Teresa Negreiros  (Princípios do direito civil contemporâneo, coordenação de Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 236). Para Ronnie Preuss Duarte estas duas figuras não se confundem, pois enquanto a exceção do contrato não cumprido exige a sinalágma, o tu quoque independe de prestações correspectivas (Boa-fé, abuso de direito e o novo CC brasileiro, in RT 817/73 e 74).
[85] ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano, volume 1, 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 121 e volume 2, p. 10.
[86] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituição de direito civil: volume II: Teoria geral das obrigações, 22 ed., atual. por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 11.
[87] Súmula 309 do STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”.
[88] FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 7.
[89] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução, 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 169.
[90] MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios de direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 12.
[91] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto do patrimônio mínimo, p. 311.

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